Texto:Julinho Bittencourt
Foto: Alexandre Badú
Morreu Dorival de Paiva Loureiro, o seresteiro Dorival, uma das grandes vozes da baixada santista e um dos últimos representantes de um gênero seminal da nossa música. Partiu no último mês de junho, depois de muitos anos bem vividos, cheios de alegria tanto para ele e sua família quanto para quem o rodeava e admirava.
Sua história se confunde com a da nossa cidade. Cantava desde os 11 anos, participou de programas de rádio, blocos de carnaval, serestas e serenatas, rodas de samba e choro, foi pra São Paulo, voltou, gravou, cantou e amou desmedidamente.
Se já era lenda em vida, depois que nos deixou Dorival se transforma aos poucos em uma entidade. Pela cidade e pelas ruas seus passos ainda marcam as calçadas de pedra do bairro do Marapé. Sua voz brilhante e empostada ainda é ouvida aos quatro
ventos. Seu abraço ainda é o abraço dos amigos e admiradores. Seu sorriso e simpatia ainda iluminam as conversas. Está, enfim, por toda a parte.
E quem duvidar que tente. Qualquer um dos amigos de Dorival ainda hoje pode apresentá-lo. Quem nos leva desta vez é o Carlos Alberto Rodrigues, o Cadinho, produtor e apaixonado pela música e a boemia. Num primeiro momento fala pelo telefone sobre o cantor. Conta dos lugares que ele gostava, da forma como interpretava, enfim, de como era o amigo. Depois, nos conduz numa viagem pela sua vida.
O Recanto da Seresta
O bairro é o mesmo, com algumas mudanças lá e cá. O local por onde Dorival cantava ultimamente é logo ali no Canal 1, próximo da Rua Carvalho de Mendonça, no sentido de quem vai à praia. Bem no lado direito fica a Avícola Boa Esperança, uma típica e simpática venda de bairro dos bons tempos. O tempo, por sinal, em vários momentos por aqui parece estar congelado.
Se for sábado, pode entrar sem medo. Lá no fundo, bem onde antes ficava o matadouro dos bichinhos, o proprietário Nino montou uma espécie de santuário. Num salão pequeno e aconchegante, rodeado de mesas e cadeiras, com um palco de alvenaria no centro, fica o Recanto da Seresta. Nino, por sinal, nunca entra no Recanto. Fica sempre na parte da frente, atendendo aos fregueses. Quando perguntado por que, diz apenas que lá é o espaço da música e dos músicos e o seu é o da frente, com as comidas e bebidas que, diga-se de passagem, traz várias surpresas também.
A idéia original do Dorival e do Carlos Jair, outra lenda da música santista, é seguida à risca até hoje. Sempre aos sábados, a partir do meio-dia, os amigos vão lá e fazem música, de preferência as mais antigas. No palco está o conjunto Nostalgia. Nele tocam ou tocaram, além do próprio Carlos Jair, Monteiro e Bambu (bandolim), Ari (violão 7 cordas), José Carlos, Miltinho, Jorginho, Chupeta, Luiz, Baita, Baitinha e Dado(cavaquinho), Manecão, Gilberto, Edson Mierel e Ribeiro (violão), Mario do Trombone (trombone), Toledo (flauta), Afonso, Borracha e Perácio (timba), Peixe e Walter (pandeiro) e Carlinhos (afoxé).
Acompanhados pelo conjunto Nostalgia, vários cantores: Nilberto, Denis, Delso, Marcusso, Alex, José Adelson, Badu, Beraldo, Fábio Negreiros, Xuxa, Adilson, Canindé, Walter, Pitta, Bolachinha, João Chaves, Solange, Valéria, Maria Helena, Lurdeca, Rita, Lea, Glorinha, Nely, Laura e quem mais chegar e for, respeitosamente, aprovado pela roda. Todos se revezam por ordem de inscrição. Nunca, ninguém canta duas vezes seguida, sempre pra dar lugar ao cantor seguinte. Só depois que a roda toda se completa o cantor anterior retorna.
Não há equipamento de som. Cadinho explica que, com o vozeirão do Dorival isso era desnecessário. Segundo o amigo, dava para ouvir o que ele cantava do outro lado do canal. A média dos cantores que se apresentam por lá também são portadores de vozeirões monumentais. E a ausência do microfone confere certo heroísmo às suas apresentações. Há, no entanto, quem cante mais baixinho, como é o caso da Nely. Mas isso não é problema, pois na hora que chega a sua vez, todos diminuem o tom e interrompem por instantes a degustação da boa comida que é servida. E o silêncio, que normalmente já é respeitado, passa a ser total.
Na mesa sobre o palco existem vários entalhes do Juvêncio, outro artista amigo entusiasta do Recanto. Sobre a parede, o mais vistoso de todos batiza o local. No entorno, os frequentadores distribuem cópias de poemas, letras de músicas e reportagens de jornal. Feito uma tardia geração mimeógrafo, os jovens senhores ali reunidos produzem e divulgam as suas criações de forma gratuita e generosa. Os músicos, que também não cobram cachês, se revezam, bebem e beliscam e, enquanto aguardam um cantor, fazem um número instrumental. Desta vez é “Nostalgia”, choro que batizou o grupo, composto pelo mestre Jacob do Bandolim e aqui lindamente solado pelo Monteiro.
A Homenagem
A tarde segue despreocupada e com a emoção um tanto acima do normal, segundo contam os mais assíduos. No dia anterior, havia completado um mês do falecimento do Dorival e, no dia seguinte, seria o seu aniversário. Num determinado momento a cantoria é interrompida e o Nilberto pede para falar. Depois de um breve discurso, avisa que nós iríamos ouvir o Dorival. Como se ainda estivesse ali, igual a tantos outros sábados de pouco tempo antes, seu vozeirão inunda a sala. Ao contrário do que se poderia imaginar, não acontecem maiores reverências. Todos ouvem atentos sem qualquer manifestação ou afetação, cada um com os seus sentimentos bem guardados pela memória do cantor. No final, o salão explode em aplausos e lágrimas. Alguns segundos depois e a música prossegue normalmente com os cantores inscritos, exatamente como o homenageado imaginou que deveria ser quando inventou o Recanto da Seresta.
A cantoria segue animada até o final da tarde de inverno, que cai tranqüila e seca sobre o bairro do Marapé, espremido entre o Canal 1 e o morro, na cidade de Santos. O sábado a noite começa lentamente, afinando seus batuques e sambas. Neste bairro se concentram quase todas as boas rodas da cidade. O fenômeno se explica por inúmeras razões e, ao mesmo tempo, por nenhuma. É daquelas coisas que são assim e pronto. A gente pode não saber exatamente porque, mas sempre desconfia.
Na saída, Cadinho se despede. A última pergunta: Como, afinal, o Dorival morreu? Ele dá de ombros e explica que se sentiu mal e foi sozinho para a Santa Casa de Santos. Segundo o relato de quem estava por lá, durante o atendimento, conversou muito e cantou, sob aplausos dos médicos, enfermeiros, funcionários e outros pacientes, espantados com a sua voz. Alguns dias depois, não resistiu e se foi. Já havia, afinal, feito a sua parte.
moro em bbdouro e sempre q posso costumo fazer uma visita , e ouvir boa musica . abraços a todos em especial ao meu amigo ariovaldo 7 cordas .