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SANTOS SEM AGOSTO

Fonte Itororó“Eu fui no Itororó beber água não achei, achei bela morena que no Itororó deixei.”                     (cantiga de roda santista)

A inexistência de manifestações populares, folclóricas, em Santos, sempre me intrigou. O mês de agosto, como é do conhecimento de todos, é o tempo em que o País comemora as chamadas manifestações populares, o mês do folclore, porém, em nossa cidade, esse período passa em branco, ou seja, não há nenhuma atividade cultural em que se festeje o rico folclore brasileiro. O Brasil, com seus Maracatus, Bumba meu Boi, Pastoris, Ternos, Cheganças, Caiapós, Caboclinhos, Congos, Moçambique, Boi de Mamão, Cucumbis, Canaverde, Quimbete, Chiba, Capoeiras, Cateretê, Quadrilhas, Frevos, Batucadas e mais uma infinidade de danças e cantorias, tem nessas tradições a identidade cultural e a real unidade de seu povo, que dá um caráter único à sua nacionalidade, tanto em sua cultura popular, como em sua formação erudita, bastando, para essa constatação, ouvir o Maestro Heitor Vila Lobos. Em seu livro MUSICA POPULAR BRASILEIRA, Oneyda Alvarenga, nos diz: “As referências, musicais ou de origem literária, datam em geral do século XIX, fornecidas por viajantes europeus que por aqui andaram.” e prossegue: “Nos tempos do Brasil colônia (1500-1806), cada um dos elementos étnicos que concorreram em maior parte para a constituição do povo brasileiro (ameríndios, portugueses, negros), possivelmente fazia sua música própria; com o século XIX aparecem traços indicadores de uma originalidade nascente, mas incapazes ainda de motivar uma cor nacional inconfundível; só no último quartel do século XIX é que, fixando elementos até então incertos ou indecisos, a nossa música popular principia a definir-se como criação peculiar e representativa do povo brasileiro.” Nossa cidade também tem, na sua formação, aspectos das culturas ameríndias, portuguesas e negras, porém não encontramos nenhum registro de manifestação folclórica, somente vamos encontrar alguns vestígios dessas manifestações, principalmente, nos festejos carnavalescos. Além da cantiga de roda, “eu fui no Itororó beber água não achei”, Santos não registra nenhuma outra forma de manifestação folclórica, seja de musica ou de dança. Ainda menino, eu consegui captar algumas dessas manifestações que, lamentavelmente, se perderam pelo tempo. No morro do Marapé pude presenciar, pelo menos duas vezes, um grupo de Folias do Divino. Esse grupo, muito pequeno, portava bandeiras com a figura do Espírito Santo e era formado por músicos que tocavam viola, violão, cavaquinho e reco-reco de bambu. A música, de caráter religioso, dizia, “Deus lhe dê bom dia, o Divino é que lhe dá, sem passar bem o dia, o Divino há de estimá.” Na década de 60, vindo do interior de Minas Gerais, uma família muito grande de negros veio morar no chalé ao lado do chalé do meu pai. Essa família, extremamente musical, tinha em sua formação um grupo que festejava o Dia de Reis. Esse reisado, Terno de Reis, com bandeiras coloridas e estandarte, além dos mestres e contramestres, também se acompanhavam com viola, violão, cavaquinho e pandeiros e cantavam musicas que exaltavam os Reis Magos. Infelizmente não se tem registro desse Terno de Reis, mesmo porque logo se mudaram do bairro. Outra forma de manifestação folclórica e, que, na verdade, já fazia parte do dia a dia das pessoas daquele pedaço, principalmente, nas festas de Natal, Ano Novo e Reis, além dos dias de carnaval, eram as batucadas que se faziam no chalé do seu Landulfo. Uma roda se formava e os componentes cantavam sambas e chulas raiadas, acompanhadas por cavaquinhos, violões, adufes, pandeiros e até rebecas. “Sou nego velho, nego velho cantador, na fumaça da liamba o nego desencantou.” Esse era o refrão cantado por todos e, em seguida, se adiantava um solista no meio da roda que improvisava outros versos e assim seguia sucessivamente. Importante também eram os jogos e brincadeiras infantis que se realizavam nas ruas de terra batida. Cada qual em sua época. Bolinha de gude, amarelinha, cabra cega, garrafão, espeto, taco, passa anel, mãe da rua, queimada, perna de pau e, durante as festas juninas, além de soltar balões, se faziam os fogareiros para assar batata doce. Durante as festas juninas, Santo Antônio, São João e São Pedro, uma antiga tradição que, vez por outra, ainda teima em se manter, são as quadrilhas caipiras que, atualmente, lamentavelmente, algumas se parecem com caipiras do faroeste americano, por sinal de muito mau gosto. No bairro do Marapé era famosa a quadrilha do Clube Vila Henedina, que ficava no curvão da Avenida Pinheiro Machado. É muito triste constatar o desaparecimento de todas essas tradições populares e, muito mais triste ainda, é a importação de manifestações alienígenas que, além de extrema vulgaridade, não espelham o sentimento e a realidade do povo brasileiro, refletindo apenas a breguice das elites do País. A par de todas as dificuldades para a preservação das tradições e da cultura popular e a inexistência de algum resquício do folclore santista, fico com os grupos de Choro e Chorões como os verdadeiros representantes da cultura e da tradição do povo santista, pois, esses grupos começaram a surgir já em meados do século XIX e se mantem ainda hoje nadando de forma heroica contra a maré. Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte da bateria do Bloco do Boi, foi integrante do grupo de choro Regional Varandas, formado por jovens amantes do Choro. Desde 1986 toca cavaquinho e solta a voz na roda de samba e choro do tradicional Ouro Verde e diretor do Clube do Choro.


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