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UM CERTO CASARÃO

VALDO-MESTRE-DE-BANQUETEO casarão, bem antigo, fica num lugar quase esquecido da cidade, que bem pode ser Macuco, Encruzilhada, Aparecida ou ainda um lugar qualquer da cidade. É um casarão imenso, caiado de amarelo onde se guarda muitas histórias e outro tanto de mistérios.
No quintal, nos fundos, floresce e se ergue um pequeno jardim desorganizado de quatro estações onde vivem vitoriosos sanhaços, sabiás, pintassilgos, além de um sobrevivente tié sangue. Nas vespertinas tardes a passarada alegra o casarão numa frenética algazarra, bebendo água fresquinha e ciscando o úmido chão de terra batida, a cata de distraídas muriçocas.
Pode parecer, de fora, da rua, apenas um casarão como outro qualquer, mas, não se engane, não é não. Tem alegria ali.
No imenso quintal, Valdo, o festeiro mor, que solta o rojão e corre para pegar a vareta, no fogão improvisado, se transforma num bravo e intrépido cozinheiro a bater-se contra moinhos de vento, chuva e trovoadas e come-se peixada e come-se carnes e mais carnes e bebe-se, bebe-se, bebe-se, bebe-se de todas as marcas e de todas as cores.                                                 
No imenso quintal, na sua sempre silenciosa presença, tranquilo silêncio e como guardião da esbórnia, paira a figura serena do quase monge Capitão, Capita para os íntimos, aquele que não enxerga nada, mas vê tudo o que se passa ou o que fica como está. Distraído pelas palavras da canção do Noel, o coração do homem, mais para samba canção, aperta e chora, quase sempre.
No imenso quintal, tem também a presença do, dependendo dos vapores etílicos, incompreensível filósofo e músico de muitas músicas, o nosso afável Nenê. O homem toca violão, toca baixo, toca um mundo de instrumentos, inclusive, campainhas. Bom homem esse Nenê que tem sorriso de nenê.
No imenso quintal, quando a orgia come à solta, é imprescindível a presença dos queridos por todos, Soares e Newtinho. Soares e Newtinho não são dois, são quatro, tal o tamanho do coração e a imensidão da alma desses aguerridos apaixonados pela música, a boa música, é claro. A dupla, inseparável, depois de 3 ou 4, ou 32, 35 caianas, não dizem coisa com coisa, ou dizem alguma coisa e loisa em dialetos de difícil compreensão e até confundem alhos com bugalhos. Modestamente, como todos ali, conhecem tudo e mais um pouco da música do povo deste País.
Nesse imenso quintal, desde o tempo que passou, é que a molecada se reúne sempre em boa companhia, para, em comunhão, beber e tocar um instrumento, e beber, beber, beber, beber e beber que, afinal, ninguém é de ferro.
Está lá também, nesse imenso quintal, um piano e o panamá do Tom Jobim, pois é ali que se reúne o Clube Tom Jobim. O Clube Tom Jobim já conta com cerca de meia dúzia de sócios atuantes, nos copos, além do canto do sabiá laranjeira que faz moradia no imenso quintal que tem um jardim de quatro estações.
Naquele Casarão bem assombrado, caiado de amarelo que fica num lugar qualquer da cidade, quando em noites e madrugadas de sagrada função se dança conforme a música, lá estão elas em animada varrição e jogam água, secam a água e deixam as mesas postas com seus talheres de fina prataria. São as modernas mulheres de Atenas, Sara, Celinha, Lucia, Veronica e Valquíria que com seus aventais, desarrumam, na noite, o que foi arrumado de dia e bebem e cantam e bebem e cantam. Loucas mulheres do Casarão.
Em noite escura sem Lua, quando o silêncio é profundo, é possível se ouvir, através de suas paredes, os violões do Zé de Barros e do Luizinho 7 cordas. É possível se ouvir ainda, Sambas, Choros, Valsas e sons de bandolins, cavaquinhos, clarinetes e pandeiros e se o amigo prestar bem atenção e encostar o ouvido nos muros ouvirá, por certo, uma voz cantando uma valsa seresteira, uma canção do Tom, ou ainda um Choro do Pixinguinha.
Num lugar qualquer da cidade, num imenso quintal onde floresce um pequeno jardim de quatro estações, sobrevive, caiado de amarelo, um antigo casarão. Um certo Casarão.

Zé do Camarim

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4 Comments Add Yours ↓

  1. Marcello Laranja #
    1

    Valeu Zé do Camarim, muito legal, texto primoroso e simpático como sempre.”O Soares diz que lá é o nosso “Zicartola” e meu avô Manoel Ferreira Laranja ia se encontrar com Bubu para uns comes e bebes, assim me contou Célia, uma das novas “Mulheres de Atenas”. Lá mesmo, num certo casarão, no 190″.
    Abraços
    Marcello

  2. Regina Correa #
    2

    Que casarao delicioso !

    Obrigada Verônica, pelo privilégio do convite !

    Valeu cada minuto que compartilhei aí,com vcs !

    Regina

  3. Dinda #
    3

    Obrigada por me emocionar tanto Zé do Camarim ´beijo grande no seu coração, meu querido….

  4. Veronica #
    4

    Rene,
    Ai esta uma boa descriçao do nosso quintal. Nosso porque aquilo la ja passou a ser de todos e todos sao sempre bem vindos.
    Hoje, dia 5 de novembro, esta completando 1 semana da partida de Tio Nene. O Nene que é citado neste lindo texto, onde retratou seu sorriso de nene.E realmente era assim. Nao havia tempo ruim para ele, o sorriso estava sempre no rosto e o violao nos braços.
    O jardim ainda é desorganizado, mas eu juro que ainda dou um jeito naquilo.
    E se Deus quiser as Mulheres de Atenas, onde eu fui citada, continuarao desarrumando no sabado o que foi arrumado na sexta e todos voces estao convidados.
    Este e o quintal do 190.
    Abraços
    Veronica



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