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QUANDO OS PONTEIROS SE ENCONTRAVAM

“Nós somos os cantores do rádio,
Levamos a vinda a cantar
De noite embalamos teu sono
De manhã nós vamos te acordar”

(Alberto Ribeiro/João de Barro/Lamartine Babo)
Não só quando os ponteiros se encontravam ao meio dia, mas, principalmente, às 18 horas é que a família se reunia em volta do rádio para a benção da água.
Bem menino foi que aprendi a ouvir e a viajar na grande festa que era o rádio na vida do povo brasileiro. A mãe era apaixonada mesmo era pela Rádio Nacional, que embalou gerações e gerações a partir de meados dos anos 30 até 1964 e, ainda nas ondas da Rádio Nacional, a mãe, ouvia e cantava todos os sucessos dos carnavais. 
O aparelho de rádio era o objeto mais desejado e mais importante da família brasileira. Ficava em um lugar de destaque da sala, onde todos se reuniam para ouvir os grandes cantores e cantoras do país.                 
A Rádio Nacional surge em 1936, com o prefixo PRE-8, a partir da compra da Rádio Philips por 50 contos de réis. No dia 12 de setembro de 1936, às 21 horas, ao som da música “Luar do Sertão”, foi ao ar pela primeira vez a Rádio Nacional, transformando definitivamente a cultura musical do Brasil.
Faziam parte da programação da Rádio Nacional, além dos programas esportivos, os de humor, as insuperáveis radionovelas, os inesquecíveis musicais e os noticiários. A Rádio Nacional passa para o governo federal em 1940. Em 1942 passa a transmitir em ondas curtas para todo o território nacional e passa também a fazer parte do patrimônio nacional. A primeira radionovela, “Em busca da felicidade” vai ao ar em 1941, causando grande sucesso. Depois de três anos de sucesso é substituída pelo “Direito de Nascer” transformando a radionovela numa verdadeira febre. Nesse mesmo ano surge o noticiário “Repórter Esso”, um marco do jornalismo.
A riqueza musical da Rádio Nacional se traduzia pela excelência de quatro fantásticas orquestras formadas pelos maiores músicos deste país.
A diversidade na programação da Rádio Nacional mostrava a pujança e a riqueza da cultura musical e teatral do povo brasileiro. Alguns desses programas marcaram de forma indelével o caráter da vida artística nacional. “A turma do Sereno”, “Papel Carbono”, “Placar Musical”, “O Cartaz da Semana”, “Gerônimo, o Herói do Sertão”, “O Sombra”, “Nada além de um Minuto”, o irônico e divertido “PRK 30” da dupla genial Lauro Borges e Castro Barbosa.
Entre tantos artistas da radionovela ou rádio teatro podemos destacar Walter D’ávila, Mário Lago, Oduvaldo Viana, Paulo Gracindo, Henriqueta Brieba, o escritor Dias Gomes e muito mais.
Fazer parte do “cast” da Rádio Nacional era o sonho dos chamados “cartazes” da época. O glamour da Rádio Nacional entre os anos 40 e 50 transformava o cantor ou a cantora em ídolo nacional e era o passaporte para se tornar um astro nacionalmente conhecido e reconhecido, por pior que fosse, aliás, nem tão diferente do meio “artístico” de hoje.
Os grandes astros de ouro daqueles tempos eram contratados pela Nacional e, entre tantos, estavam, Francisco Alves, Orlando Silva, Silvio Caldas, Nuno Roland, Cyro Monteiro, o Maestro Radamés Gnatalli, o genial músico Garoto, Deo, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Cauby Peixoto, Ataulfo Alves, Carlos Galhardo, Blacaute, Nelson Gonçalves, Paulo Tapajós, Luiz Vieira, Gilberto Milfont, Jorge Goulart, Ary Barroso, Dorival Caymmi e etc…
O “cast” mais luxuoso do país, sem sombra de dúvidas, estava verdadeiramente na voz feminina das cantoras e rainhas do Rádio. Belas e maravilhosas cantoras. O glamour das irmãs Linda e Dircinha Batista, Aracy de Almeida, Emilinha Borba, Marlene, Carmem Costa, Dolores Duran, Nora Ney, Ademilde Fonseca, Zezé Gonzaga, Ângela Maria e a insuperável Dalva de Oliveira, etc… e bota etc… Um luxo só.
É inegável a importância histórica da Rádio Nacional para a cultura e a formação musical do País. A Rádio Nacional deu o caráter definitivo de brasilidade, espalhando pelos mais distantes rincões do Brasil sua influência através das ondas curtas da PRE-8. O rádio, nesse período, possuía tanto apelo e tanto glamour que era considerada a Hollyood brasileira.
Devo confessar que, a primeira voz feminina que ouvi ainda muito menino, foi a de Dalva de Oliveira na canção eterna, “Um pequenino grão de areia”, através, é claro, da Rádio Nacional, confesso também que guardo na memória a voz poderosa do baiano Dorival Caymmi na canção “No Abaeté tem uma lagoa escura” que me deixava algumas noites sem dormir.
Como sempre senhores o sonho acabou. O grandioso e retumbante sucesso da Rádio Nacional começou a definhar já no final dos anos cinquenta. O primeiro golpe veio com popularização da televisão que, inclusive levou das rádios não só muitos programas como também atores, cantores e diretores. O golpe fatal veio mesmo foi com o Golpe Militar de 31 de março de 1964, quando foram demitidos 67 profissionais e pôs em suspeição mais 81. Entre esses profissionais estavam, Nora Ney, Jorge Goulart, Mário Lago, Dias Gomes e outros grandes cantores, cantoras, músicos, atores e atrizes.
A previsão era de que em pouco tempo a televisão acabaria com o cinema e o rádio. Não acabou. Acabou sim com a verdadeira vida inteligente que havia, trazendo ao povo brasileiro o lixo cultural chamado de cultura pop.
Durma-se, meus amigos, com um barulho desses se possível for.
Zé do Camarim


1 Comments Add Yours ↓

  1. Marcello Laranja #
    1

    Não cheguei a pegar as chamadas três décadas de ouro do rádio no Brasil, 30, 40 e 50. Nasci em 1953 quando a Rádio Nacional ainda estava no auge, já, circunstancialmente, à caminho do declínio em razão do surgimento da televisão. Levou um certo tempo, mas, foi fatal, lamentavelmente. Portanto, só vim me dar por gente a partir dos anos 60. Porém, tive uma sensação incrível quando pisei pela primeira vez no reformado auditório Radamés Gnatalli, no vigésimo-primeiro andar do edifício de A Noite, na Praça Mauá, Rio de Janeiro. Em frente ao pier Mauá onde atracam os transatlânticos. Antes, contudo, foram duas desastrosas tentativas até conseguir meu intento. A primeira, não sabia, cheguei lá num domingo quando o segurança me falou: “hoje não há visitação”. Pois bem, voltei na segunda-feira, só que de bermuda, camiseta e chinelo de dedo, traje absolutamente normal para uma cidade turística e de beira de praia. Para minha frustração o segurança falou: “é proibido entrar de bermuda, só de calça comprida”. Achei o cúmulo, mas, fazer o que, né? Voltei pro hotel chateadíssimo. Tive que esperar um ano pra voltar à Cidade Maravilhosa e, aí sim, conhecer a sede da emissora mais famosa do Brasil. Pois bem, andando pelos corredores tive a nítida sensação de que aquela música e aqueles sons estavam – e estão – impregnados nas paredes, todas as imagens de uma época glamurosa ali, na minha frente, e eu olhando aquilo como se fosse um jovem de quinze anos que nunca entrou em uma emissora de rádio. Aliás, isso aconteceu em novembro – coincidentemente, mês de aniversário de Marlene – de 2010. Foi impressionante, parecia ouvir sua voz e as de Emilinha Borba, Orlando Silva, Francisco Alves, os violões de Garoto, Laurindo de Almeida e Zé Menezes, Quatro Ases e um Coringa, Anjos do Inferno, enfim…! Aquilo tudo era muito especial, estava eu no recinto da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com todas as letras. Foi incrível, posso lhes afirmar.
    Valeu Zé do Camarim, abraços
    Marcello



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