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“OS BONDES DE CÁ E DE LÁ”

O BONDE 16, LAVAGEIRO!
“Lavageiro, essa lavagem que tu levas é pra quem, pro quitandeiro ou pro Chico do armazém?”
 (Cantiga cantada no bonde 16)
Amigo chorão leitor, aproveito aqui um pouquinho do seu precioso tempo pra contar as aventuras ou desventuras, nem sempre muito recomendáveis, do nosso querido chefe do terreiro do Centro Espírita e de Umbanda Ogum Rompe Mato, seu Maneco. O terreiro, muito bonito, ficava nos fundos do chalé onde morava o nosso intrépido motorneiro. No piso, muito bem encerado, o ponto do terreiro em destaque. O Congá era muito simples. Uma luz azul difusa ficava acima de Oxalá. Uma beleza. Seu Maneco, além de chefe do terreiro, na vida civil era motorneiro do tal bonde 16. O bonde 16 fazia a linha cidade, hoje centro histórico, até o bairro do Jabaquara, onde ficava o ponto final, bem na subida do Morro da Nova Cintra e do Morro do São Bento. Na realidade quase ninguém mais chamava o bonde 16 pelo nome e sim pelo apelido. O Lavageiro.                    No, infelizmente, tempo que passou, o morro da Nova Cintra era habitado por portugueses da Ilha da Madeira que trouxeram consigo os costumes da santa terrinha, entre eles, a criação de porcos e a produção de cachaça e logo o morro da Nova Cintra ficou conhecida como a grande criadora de porcos, bem como o principal fornecedor da famosa cachaça conhecida como morrão do morro tal a quantidade de alambiques em funcionamento na dita cidade alta. Para alimentar essa imensa criação de porcos, os criadores recolhiam restos de comida pela cidade, principalmente dos restos de comida dos inúmeros restaurantes do centro e transportavam para o morro pelo bonde 16. No calor, essa quantidade de comida já estragada, exalava um mau cheiro insuportável. A partir disso, o querido bonde 16, então, passou a ser conhecido como bonde Lavageiro. Seu Maneco, além de ser o motorneiro mais conhecido do bonde Lavageiro, era muito, digamos, manjado também pela sua atividade como Pai de Santo. Bebia muito o nosso pai de santo. Fato muito conhecido e falado no bairro aconteceu no carnaval de 1967, 1968, se a memória não me falha. Durante o desfile do Bloco do Boi pelas ruas do Marapé o nosso Ogum Rompe Mato apareceu para o desfile numa bagaceira de dar gosto e foi carregado em triunfo pela moçada e teve que baixar noutro terreiro, aliás, esse ano foi o derradeiro desfile do Bloco do Boi pelas ruas do bairro. Para desgosto e tristeza do povo, quase que no mesmo ano em que os bondes foram extintos, o Terreiro de Umbanda Ogum Rompe Mato teve que encerrar suas atividades. Motivo de força maior. Bota força maior nisso. O estimado pai de Santo, seu Maneco, andava passando a linguiça na farinheira de uma filha de santo, é isso mesmo meu caro internauta, andava botando o paio na dobradinha da cabrocha que era de endoidecer o quarteirão. As faladeiras de plantão, não sei se por inveja, diziam, não só a boca pequena como também a boca escancarada, que a cabrocha gostava mesmo era de receber o santo inteirinho do Seu Maneco, pois que o homem era bem servido e também era conhecido como Manequinho Manivela. O traído marido da cabrocha, valentão de muita seriedade, não fez muito gosto da bola dividida e armou um grande horror pros lados do Maneco que, além de encerrar as atividades do terreiro, desapareceu, abandonando mulher e filhos. Sem dúvida nenhuma nossos bondes tiveram seu charme e ficaram na história da nossa cidade. Dentre eles, lembro-me do “42″ que ia da Praça Mauá (depois Augusto Severo) até a Ponta da Praia. Fazia uma curva grande em frente ao Internacional e do Regatas Santista. Tinha o “10″ que vinha do centro, entrava na Conselheiro Nébias, depois Alexandre Herculano, Ana Costa e vinha até a Praça Independência de onde retornava. O bonde “1″ que fazia sentido oposto ao bonde “2″, ambos circulando entre Santos e São Vicente, tanto é que o trecho compreendido entre a Antonio Emerich (São Vicente) e a Nossa Senhora de Fátima (Santos) ficou conhecido como “Linha 1″. Os mais jovens não sabem disso, pois já faz algum tempo. É que nem linha da máquina. Santista não falava linha do trem, era linha da máquina mesmo, isso no tempo das locomotivas a vapor da Sorocabana. Só lamento que não apareceu nenhum compositor – pelo menos não temos notícias – pra compor marchinhas ou sambas de Carnaval, enaltecendo-os, assim como aconteceu com grande destaque no Rio de Janeiro. Aliás, durante os festejos de Momo, ele, mais do que nunca, virava a coqueluche. Sambistas, chorões, pastoras, passistas, batuqueiros, cabrochas, baianas, pierrôs, colombinas e arlequins, enfim, todos subiam no bonde para se dirigir ao local do desfile. Na Cidade Maravilhosa, por exemplo, havia até o bonde “Rita Pavone” em homenagem à sardenta e espevitada cantora italiana quando visitou o Brasil na década de 60, fora outros apelidos. O bonde “Alegria” era o “56″ da composição de Wilson Batista e Haroldo Lobo, tinha o “Ipanema”, o bonde “12″ citado na composição “Rio Antigo” de Chico Anísio e Nonato Buzar, aquele mesmo que, nos versos de Wilson Batista, nunca viajava vazio e trazia as mais lindas cabrochas do Rio. O bonde “São Januário” de Wilson Batista e Ataulfo Alves que levava mais um operário para trabalhar ou então, na paródia, “levava mais um otário pra ver o Vasco apanhar”. Com certeza isso foi coisa de flamenguista. Cabo Wilson, talvez, o compositor que mais usou o velho meio de transporte em suas composições. Vernacular e regionalmente, no Rio, usava-se a expressão trocador enquanto que em Santos, cobrador. Ambos tinham motorneiro, mas bem que poderia ser condutor. “Não pago o bonde iáiá, não pago o bonde iôiô, não pago o bonde que eu conheço o condutor, quando estou na brincadeira, não pago o bonde nem que seja, por favor,” (Leonel Azevedo). Tinha o Penha, o Cascadura, o Meyer, o de Santa Teresa, este um dos únicos que ainda resiste ao tempo, até o momento fora de serviço em razão de um triste acidente, o bonde Alto da Boa Vista, enfim, uma infinidade deles. Os elétricos fizeram parte do cenário das duas cidades e muito sucesso também, em razão, principalmente, da topografia. O fato de serem planas permitiu uma pluralidade de linhas que atingiam pontos distantes facilitando sobremaneira o transporte de passageiros. Agora que ninguém se engane. Quem pensa que bondes lotados e congestionamentos são coisas recentes, engana-se redondamente. Isso já existia desde os anos 20. “Seu condutor – dim dim – seu condutor – dim dim – pare o bonde pra descer o meu amor” (Herivelto Martins – Alvarenga e Ranchinho…!  
Abraços elétricos
Renê Ruas e Marcello Laranja


1 Comments Add Yours ↓

  1. Renê Ruas #
    1

    Senhores o bonde da foto carrega simplesmente o lendário e mais famoso Bloco Carnavalesco de Santos. É isso mesmo senhores. É o Bloco Carnavalesco Dengosas do
    Marapé.



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