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O PRIMEIRO DESFILE

morro_10“O morro sempre foi caminho do nosso samba,
Favela, onde está? No morro. Mangueira onde está? No morro.
São Carlos e Salgueiro ficam lá no morro”.
(Samba da E.S. Império do Samba em 1965)

Então, a dificuldade maior era convencer a mãe que eu ia desfilar na Escola de Samba Império do Samba, afinal estávamos em 1965. Três mirrados e abusados moleques queriam porque queriam sair na Escola de Samba do Dráuzio.   
Por mais carnavalesca que fosse minha mãe, com certeza ela não ia dar mole não, onde já se viu sair numa Escola de Samba. Inda mais um branquelo, magrelo, com o brejeiro apelido de pau de vira tripa, dado pela Vó.
A mãe não deixava nem tocar no assunto. O Beto neguinho e o Dedeco conseguiram enrolar a mãe deles, porém, a Dona Maria estava irredutível. Fazia ameaças, “vou falar com seu Pai” e se, por um acaso, o moleque aprendiz de sambista se metesse a besta ou tentasse dar uma de espertinho e se mandar lá pros lados do Macuco, o castigo seria duro, claro, eu teria que me entender com o Pai, ai a conversa seria outra.
A vontade em desfilar na Império, porém, era muito maior de que qualquer ameaça de castigo. Para assistir a Escola do Lorde Brilhantina, aproveitava todas as oportunidades, principalmente nas Batalhas de Confetes, no Marapé e no Campo Grande, bem pertinho de casa. O amor pela Escola Império do Samba começou ainda, quando menino, na terça-feira de carnaval, acompanhava o pai e a mãe, para assistir o desfile no centro da cidade. O pai trabalhava no jornal O Diário, que ficava na Rua do Comércio, onde acontecia o chamado desfile apoteótico, que encerrava oficialmente o Carnaval. Ansioso, não via a hora da Império passar. Primeiro os Choros, depois os Ranchos, Escolas de Samba e por último os Blocos Carnavalescos que eram as grandes estrelas do carnaval santista. Não tinha beleza maior do que aquele carnaval. Em lugar algum.
Movido pelo amor ao Império, lá fomos nós para o Macuco, via bonde 25, eu, o Dedeco e o Beto Neguinho, claro, sem a mãe saber.
Encrenca maior que convencer a Dona Maria, era encarar o Nego Dráuzio. Como chegar perto do homem e dizer que, aqueles três moleques, vindos lá do fundão do Marapé, queriam desfilar na Escola? Afinal, naqueles tempos, dava para contar nos dedos os branquelos dentro de uma Escola de Samba.
Malandramente mandamos o Beto Neguinho encarar o homem. Dráuzio olhou bem aqueles meninos atrevidos, conferiu dos pés a cabeça, claro que duvidou e, em tom bravo e aborrecido, mandou a rapaziada entrar pela lateral esquerda do chalé, pois que o terreiro do samba, de chão batido, terra escura, ficava nos fundos do humilde chalé.
Um tanto ressabiados, batemos de frente com a pesada e afamada bateria do Nego Wilson e foi nesse momento que deu uma tremedeira geral. E contamos nos dedos, Pachequinho, Edson Papinha, Djalma, Damião e, talvez, mais dois ou três branquelos. E agora?
O invocado Dráuzio chegou de mansinho e, sem mais aquela, jogou os três abusados no meio das feras. E pulamos, sambamos, demos pinotes, rasteiras, separa o visgo, bamboleia daqui, bamboleia de lá e, sem querer, rebolamos sem bambolê e choramos na rampa.
O homem gostou, pois, pelos fortes tapas nas costas, o sorriso de satisfação que mostrava a brancura dos dentes e a cara redonda do Lorde, estava claro que fomos aprovados. Passistas da Escola de Samba Império do Samba. Era para poucos.
E no domingo de carnaval de 1965, lá estavam os valorosos guerreiros na ala dos malandrinhos, de calça branca de boca de sino com um pequeno corte lateral na barra, três botões vermelhos, camisa branca e vermelha, chapéu de palha e chinelos de couro, cara de gato. É isso mesmo sambamos de chinelos.
Para completar a alegria daquele carnaval de meio século passado, a Escola de Samba Império do Samba foi campeã do Carnaval Santista.
Ah! A mãe ficou furiosa, mas carnavalesca como ela só, não escondeu a alegria e, posso garantir, ficou feliz, muito feliz.

Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte do Bloco do Boi, integrante do grupo de Choro Regional Varandas, desde sempre toca cavaquinho e solta a voz na roda de Choro e Samba do tradicional Ouro Verde e Diretor do Clube do Choro


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