MARCELLO: Edgard, meu caro, prazer enorme em poder entrevistá-lo, tenho ótimas lembranças suas dos inesquecíveis comerciais de TV nos idos dos anos 60 e 70.
Como sempre fazemos, antes de mais nada, um bate-bola rápido.
EDGARD GIANULLO: Marcello como vai você, é uma grande satisfação participar do teu programa, você que é um cara ligado em música que é a minha vida, tal…Você quer saber meu nome, eu me chamo…
Nome completo: Antonio Edgard Gianullo, você viu que Gianullo é grego e que mais você quer saber…eu nasci…
Data e local de nascimento: 12 de fevereiro…
ADILSON SALVADOR: Antonio porque…
EDGARD GIANULLO: É porque é assim, meu pai queria botar o nome de Edgard em homenagem a Edgard Allan Paul, aí na hora de batizar, entendeu, como é que vai chamar o menino aí? Edgard. Aí ele pegou uma lista de santos e não tinha nenhum Santo Edgard. Ele falou, “no”, se não tiver nome de santo não batizo. Aí minha mãe olhou pra Santo Antonio, viu ele careca, imaginou que eu fosse ser careca no futuro também e me ofereceu pra Santo Antonio. Aí eu resolvi ser Antonio Edgard, entendeu? Mas eu nasci em 12 de fevereiro de 37, tenho 77 anos, 2a. série, tenho cromado demais aqui, entendeu, e que mais você quer saber?
ADILSON SALVADOR: Nasceu em São Paulo? São Paulo, nasci em São Paulo, bairro de Santana…
Nome da esposa: Maria Aparecida Castro Gianullo…
Nome dos filhos:…tenho três filhos, Edgard Castro Gianullo, Márcio Castro Gianullo e Hilton Castro Gianullo. Tenho cinco netos, filho do Edgard, meu filho mais velho, o Renan, a Andressa e o Thomas que eu espero que sigam também o nosso caminho musical que, graças a Deus, eu tive a sorte e a graça de…os meus filhos seguiram o mesmo caminho que eu segui e tá todo mundo ganhando dinheiro com música, sendo feliz no mundo como eu sou e fazendo o que gostam, isso é o que importa.
Time do coração…Corinthians (com ênfase)…que, aliás, nesse momento da entrevista acabou de apanhar ontem por 4×1…risos…é história inédita essa, viu…
ADILSON SALVADOR: Mais um corinthiano…
EDGARD GIANULLO: É, mais um corinthiano…
ADILSON SALVADOR: Nobody is perfect…
EDGARD GIANULLO: É verdade, é verdade…
Escola de Samba: Eu gosto muito do Acadêmicos do Salgueiro, né, pôxa, bacana…(entoa) “lá vem a bateria da…”
ADILSON SALVADOR: Essa é da Mocidade Independente…
EDGARD GIANULLO: Mocidade Independente e Acadêmicos do Salgueiro, são as duas minhas do coração lá no Rio de Janeiro.
MARCELLO: Beleza, obrigado Edgard, vamos à entrevista. Como tudo começou, com que idade, qual sua formação musical, onde estudou, quem te incentivou na música. Além de você, tem mais algum músico na família?
EDGARD GIANULLO: Bom, o meu pai era professor de violão no tempo dele, ele não conseguiu seguir carreira porque, naquela época, imagine, se quando eu casei músico era considerado vagabundo, você imagine meu pai quando ele tinha…(risos)…18 anos de idade querendo tocar cavaquinho e violão, tal…então acontece que depois quando eu cresci eu comecei tomar gosto…eu sempre tive muito gosto por música, cantava quando era criança, cheguei a ganhar alguns concursos de calouros infantis que tinha lá no bairro onde eu morava e um dia minha mãe falou assim: eu vou fazer uma surpresa pro teu pai, vou comprar um cavaquinho pra ele. E aí foi no “start” porque meu pai me ensinou a tocar um pouco de cavaquinho eu fui indo, fui indo aí um dia comprei um violão e aí nós começamos a tocar juntos, eu e meu pai, e eu comecei a tomar gosto por tudo, né, porque é muito forte, a música é uma coisa tão forte que…eu tenho um monte de amigos engenheiros, advogados, juiz, cirurgião plástico e tal que são frustrados porque não conseguiram ser músicos porque é uma paixão muito forte, em matéria de você ter uma liberdade de vida, de criação e de circulo de amizades, de poder entrar em qualquer lugar, não existe uma coisa que impeça o músico de se apresentar num lugar, é realmente a chave da felicidade, entende. Então eu aí comecei, depois me tornei…eu estava estudando, né, eu fazia o ginásio, mas eu estudava violão todo dia até que um dia eu fui convidado a tomar parte num negócio chamado Noite dos Choristas em São Paulo que era comandado pelo Jacob Bittencourt, o Jacob do bandolim. Eu vou encurtar a história porque é muito comprida e muito legal. Eu sabia todo o repertório do Jacob, ele era o nome do momento, eu sabia acompanhar todos os choros dele. E uma hora faltou o violonista da Record, era o Miranda, nem sei onde é que ele anda, tal. E os caras falaram: quem é que sabe tocar os choros do Jacob. E aí todo mundo me empurrou para o palco e eu fui tremendo, imagine, o meu ídolo Jacob do bandolim, né. E aí graças a Deus eu consegui me sair bem e o Jacob foi o meu padrinho profissional de música, ele me arrumou o primeiro emprego musical. Ele tinha um conjunto na Rádio Gazeta, que a Rádio Gazeta em São Paulo era o que seria a Rede Globo hoje, o peso dela na parte artística era muito grande. E faltava um violonista de um conjunto chamado Uirapurus, que era muito famoso na época, era um conjunto muito legal de música brasileira, tal. E o Jacob me indicou eu fui aprovado pelo dono do conjunto e comecei minha carreira de músico profissional, ganhava dinheiro, tal, esse tipo de coisa. E essa amizade com Jacob Bittencourt foi um negócio que durou muito tempo, até depois que eu meu casei, até, mas o Jacob vinha pra São Paulo promover umas noitadas, ele nunca esquecia de mim. Ele tinha um amigo chamado Alberto Rossi, se não me engano, que era o cara que acolhia na casa dele e quando eu recebia um…era um negócio meio sigiloso porque o Jacob era um expoente, ele era um “rock star” do bandolim, né, vamos dizer assim. E quando ele vinha pra São Paulo a turma queria tomar parte de qualquer maneira e não cabia todo mundo na casa do cara.
Mas ele…as pessoas que ele mais era chegado ele avisava. Aí o Rossi falava assim: hoje a noite na minha casa, às oito e meia, o Jacob estará lá. E desligava. Já sabia onde é que era, e era minha noite inesquecível, onde eu aprendia coisas novas, o Jacob tinha um astral maravilhoso, é uma pessoa que eu não vou esquecer nunca porque, depois do meu pai, foi o cara que me deu oportunidade de aparecer no cenário musical, vamos dizer assim.
ADILSON SALVADOR: Você teve algum…como ídolo Garoto?
EDGARD GIANULLO: Ah…sim. Eu frequentava uma…aqui em São Paulo tinha um grupo de pessoas que eram apaixonadas por chorinho, que era o “seo” Antonio D’Áuria, as pessoas…os paulistanos vão lembrar dele. Ele promovia toda terça e toda quinta chorinho na casa dele e num dia, foi acho que uma semana antes do Garoto falecer, eu já era fã dele, tinha todos os 78 dele, o meu pai quando eu era pequeno me fazia ouvir ele na Rádio Nacional. – Presta atenção como esse cara toca bem violão, tal e assim a gente ia. E o Garoto gravou uma fita na casa deste senhor, Antonio D’Áuria aonde ele gravava…(neste momento toca o telefone no escritório)…Edgard continua…onde ele gravava…tocou o telefone, não se preocupe, não, vai tocar o telefone…(o telefone toca novamente)…dá uma paradinha. E vai atender. “Alô Marcello, era engano, tá, eu pensei que fosse você mas não era, era o Marcello Lima…eheheh…piada horrível mas agora já foi”. E continua a entrevista…então o Garoto uma semana antes gravou uma fita naqueles gravadores caseiros, naquele tempo era o que a gente tinha antigamente. Eu fiquei encantado, eu fiquei louco porque ele transmitiu uma coisa maravilhosa. E uma música me chamou muita atenção lá, que era “Lamentos no morro”. Era a primeira que tinha mostrado pra alguém desde que tinha composto isso. Eu não tinha gravador, naquela época era um luxo, ter um gravador de rolo era muito luxo. Mas eu pedi a Deus, é incrível isso, que me fizesse lembrar tudo que eu tinha escutado. E aí eu me dediquei tanto…eu cheguei até pedir pro Garoto – já estava morto, coitadinho – pra me inspirar, pra falar assim: que tom que está isso. E olha, de repente, eu consegui tirar a música inteira, o Lamentos no morro, eu fui o primeiro cara que gravou essa música, ela tá num disco que gravei em 1964 ou 1965, sei lá, chamado “O assunto é Edgard”, era um LP, né. E eu tenho muito orgulho disso. Depois disso o Rafael Rabello gravou, o…como chama…o Yamandú também gravou essa música, entende. Mas eu tenho o privilégio de ser o primeiro a ter gravado ela. E Garoto foi o maior ídolo, não só meu, mas, de todos as pessoas que mexem com cordas nessa país porque ele era meio extra-terrestre, meu. O que ele fazia há 60 anos atrás, hoje em dia ninguém sabe o que ele estava fazendo até hoje. Então, minha inspiração, é um cara a quem eu recorro quando eu tô com falta de inspiração, e olha, ele é meu santo protetor, que Deus o tenha no céu…
ADILSON SALVADOR: Quer dizer que essas foram as suas duas primeiras grandes influências, Garoto e Jacob?
EDGARD GIANULLO: Exatamente, Garoto e Jacob. Jacob foi o cara que me ensinou a fazer as sequências harmônicas, né, porque o chorinho dele eram todos…você tinha que dar duro pra aprender as sequências harmônicas, então, tudo isso fez parte da minha história.
ADILSON SALVADOR: Alguém na sua família, alguém mais está seguindo a carreira de músico?
EDGARD GIANULLO: Não. A minha irmã gostava de cantar quando era mocinha, tal, mas ninguém, nenhum músico, não. Fui o único que resolvi ser vagabundo…eheheh…
MARCELLO: Antes de ser músico e publicitário você trabalhou na Secretaria da Fazenda? Em que ano foi isso.
EDGARD GIANULLO: Exatamente…como é que você tem essa informação, cara!
ADILSON SALVADOR: Quem me falou isso foi um cara que…a primeira pessoa a falar de você foi um amigo meu lá do Ipiranga que trabalhava com você lá.
EDGARD GIANULLO: O Dias…Djalma Dias?
ADILSON SALVADOR: Ah…O “Porco Espinho”…
EDGARD GIANULLO: “Porco Espinho”…(risos)…ele tinha muito cabelo, a sobrancelha já era o início do topete.
ADILSON SALVADOR: Ele falava em você depois eu fui ver o programa do Simonetti na televisão aí que eu te conheci.
EDGARD GIANULLO: Exatamente, isso foi em 1960 e o escambau, né? Mas olha, que legal. Foi o meu primeiro emprego, com 13 anos…então, eu trabalhei lá dos 13 aos 24, saí de lá pra casar. E, era uma loucura. Esse trabalho que eu fiz daria um filme maravilhoso. Pra você ter uma ideia, eram 150 moleques, a maioria com 16 anos, eu tinha 13 quando comecei a trabalhar lá, e só tinha nego aprontador e uma senhora tomando conta da gente. Então, as histórias que tem, você pode imaginar, a molecadinha estava muito mais a fim de jogar futebol do que trabalhar, eles tinham que passar seis horas trabalhando, né? Depois eu saí de lá, conheci minha mulher, virei profissional de música, já fazia baile, já fazia programa de televisão, já fazia tudo e um belo dia eu falei pra minha mulher…apareceu uma chance porque eu tinha o ordenado da Secretaria da Fazenda e ganhava meus cachezinhos, tal. E aí apareceu a grande chance da minha vida que foi tocar na orquestra do Enrico Simonetti. Aí eu falei pra minha mulher: você topa deixar pra trás aposentadoria, não sei o que, tal, porque eu tenho a possibilidade agora de trabalhar na RGE, vou ganhar um salário legal, eu era empregado da RGE da qual o Simonetti era o maestro arranjador. E eu vou ganhar três ou quatro vezes mais que a gente, só que não tem privilégio, não tem nada. E ela topou. Aí eu pedi minha demissão, foi muito mais difícil sair de lá do que entrar, pra você ter uma ideia, demorei acho que uns dois anos pra sair de lá, porque não saia a papelada, tal. E aí eu me atirei de cabeça, fui aprender a ler música, ler cifrado, porque eu ia trabalhar numa orquestra senão me engano, na época, era a maior orquestra do Brasil, em pessoas e em qualidade.
MARCELLO: Você chegou a tocar nas orquestras do Simonetti, do Erlon Chaves e do Pocho (Ruben Perez), é isso mesmo?
ADILSON SALVADOR: Exatamente. Então a primeira orquestra mesmo que você trabalhou foi o Simonetti?
EDGARD GIANULLO: Foi. Eu fazia alguns bailes com o Luis Arruda Paes, de vez em quando ele precisava de um guitarrista…aliás aconteceu uma coisa muito engraçada nisso. O primeiro reveillon que eu fiz na minha vida foi com o Luis Arruda Paes lá em…acho que foi em Santos, no Clube XV se não me engano, né. Eu nunca tinha feito reveillon, eu só sabia que à meia-noite tocava-se Carnaval, entende. E aí, tá bom, foi indo fazendo aquela música, o pessoal foi chegando, aquele fundo musical e aí à meia-noite eu tinha certeza que ia…(entoa um trecho da introdução da marcha)…bom. Aí à meia-noite eu não sabia que tocava o Hino Nacional Brasileiro. Eu já levantei com tudo pra fazer um si bemol pra todo mundo…(entoar Mamãe eu quero)…e não era nada disso, era o Hino Nacional Brasileiro…risos…fiquei vermelho, lembro que cai sentado na cadeira e fiquei vermelho de vergonha, pô que é isso…risos…
ADILSON SALVADOR: Bom, depois disso automaticamente, quando o Simonetti foi embora, você passou para a orquestra do Erlon Chaves…
EDGARD GIANULLO: É, o Simonetti foi um período muito bom na minha vida, onde eu aprendi a trabalhar em televisão, eu devo tudo a ele. As pessoas que trabalharam com ele, musicalmente, se deram bem porque ele era um pai, um professor incrível, cada arranjo dele era uma lição harmônica, uma lição de…ele era muito especial. E a nossa orquestra foi um sucesso nacional. Na época foi a inauguração do vídeo tape. E um dia nós estávamos fazendo um programa, que era ao vivo, né, e o cara falou assim: agora vocês vão assistir o que vocês fizeram. Eu não tinha a mínima ideia do que seria isso. Aí subimos lá na suite quando eu me olhei na televisão, olha, foi a coisa mais ridícula que eu vi na minha vida, eu falei, vocês falam comigo ainda, não é possível, e ainda me pagam pra fazer isso aqui…(risos)…foi a coisa mais ridícula que eu vi na minha vida. Era o começo do…isso foi na TV Excelsior, no começo do vídeo tape. E a orquestra foi sucesso por causa do programa, por causa do repertório, era…a lista de baile dava 250 bailes na temporada, né, na temporada de bailes que ia de novembro até março, abril…o Adilson conhece muito bem essa história aqui, né. E foi um nome muito importante na minha vida, foi meu padrinho de casamento e quando ele faleceu, realmente, eu perdi um pedaço de tudo que eu aprendi, sabe. Mas, as pessoas que conviveram com ele, que dividiram esse momento musical, aprenderam muito porque ele era muito dedicado no que fazia e talento a dar com pau.
ADILSON SALVADOR: Depois do Erlon você passou para a orquestra do Pocho…aí parou com orquestra em baile.
EDGARD GIANULLO: Aí as orquestras começavam a perder terreno pra conjuntos, né, porque, além…quando começaram a inventar os sons grandes com amplificador, guitarra, com distorção, tal, o som começou a ficar muito grande e custava mais barato do que uma orquestra. Você para conseguir o mesmo efeito com um quinteto de rock você precisava, pelo menos, de 30 músicos, né. Fazendo uma comparação de decibéis era mais ou menos isso. E começou a cair o trabalho de música de orquestra, mas aí começou o rock’n'roll. E aí eu tive um convite inusitado. O Bolão, Isidoro Longano, meu grande amigo, um dos maiores saxofonistas do Brasil, me convidou e falou assim, olha…a gente sempre tocou muito junto, tocamos em várias orquestras junto, em gravações, tal. Ele falou assim: olha, vai ter uma menina aí que vai cantar um tal de rock’n'roll, nós temos que fazer um conjunto pra acompanhar ela, vamos gravar todos os LPs, vamos fazer programa com ela na TV Record, não sei o que lá, tal. Você tem guitarra: não, não tenho guitarra, eu tenho violão. Então vai comprar uma guitarra. Comprei uma guitarra, custou 22 contos lá no Del Vecchio. E aí nós lançamos a Celly Campello. Então eu tive o privilégio de ter…o primeiro conjunto de rock de São Paulo eu fiz parte.
ADILSON SALVADOR: “Bolão e seus Rockettes”…
EDGARD GIANULLO: “Bolão e seus Rockettes” chamava, né. Nos gravamos Estúpido Cupido, Banho de Lua, tal, foi um sucesso incrível.
ADILSON SALVADOR: Fale um pouquinho a respeito de “Os Uirapurus”, pensei que o conjunto tivesse esse nome porque o pássaro canta uma vez só por ano e com vocês acontecia a mesma coisa?
EDGARD GIANULLO: Não, mas não é canta uma vez por ano, quem falou isso pra você…(risos)…
ADILSON SALVADOR: Mas era mais ou menos isso?
EDGARD GIANULLO: Depende do cachê o Uirapuru canta um pouco mais do que uma vez por ano.
ADILSON SALVADOR: Porque também tem uma coisa, até hoje os Uirapurus são muito famosos. Todas as pessoas que você pergunta: você conhece os Uirapurus? Ah…sim…Os Cantores de Ébano…(risos)…
EDGARD GIANULLO: Mas nem eram esses…(risos)…
ADILSON SALVADOR: Não tem nada a ver…
EDGARD GIANULLO: Mas, o Bráulio Carvalho, que era um pernambucano que fez o conjunto, que criou o conjunto, pôs esse nome porque o canto do Uirapuru é muito raro e muito bonito. Então ele quis fazer uma analogia com a turma do conjunto….(risos)…
MARCELLO: O conjunto “Edgard e os Tais” quando é que começou.
EDGARD GIANULLO: Então, logo que acabou a orquestra do Pocho eu queria ter meu próprio som, queria fazer meus próprios arranjos, queria fazer…mostrar pros caras o que eu entendia por repertório de…porque era assim: o repertório era meio igual pra todo mundo, né? Uma música naquela época durava dez anos. Então, só mudavam os músicos da orquestra, os arranjos, o repertório era parecido pra todo mundo. Eu falava: eu tenho também as minhas coisas, eu gosto muito de fazer arranjo vocal, eu montei um “noneto” que era o “Edgard e os Tais”, eu tinha um quarteto vocal e um quinteto instrumental. E foi muito bom também, foi muito legal, nós gravamos alguns discos que até hoje taí pra vender na Europa, tal, tem o “Toque de pilantragem”, tinha o “Cantárida”, dois LPs que estão custando trezentos e tantos euros lá, eu fico até muito feliz com isso, porque, tá lá, né, tá imortalizado lá na Europa isso, né, entende? E a gente fez baile, você é testemunha de quantos bailes a gente fez junto, entende, bailes de formatura, baile de namorado, dia de noivado e o escambau, tá, e a gente ia fazendo baile conforme deu.
MARCELLO: Agora fale-nos a respeito do grupo 4×4 que você integrou ao lado da Silvinha Araujo, Ângela Márcia e Faud Salomão.
ADILSON SALVADOR: E como é que surgiu o 4×4.
EDGARD GIANULLO: Bom, aí, depois disso, essa turma…a maioria desses caras gravavam jingles comigo, esse pessoal do conjunto do “Edgard e os Tais”…
ADILSON SALVADOR: A Silvinha, a Angela Márcia…
EDGARD GIANULLO: Exatamente, eles gravavam jingles comigo. E um dia eu falei assim: eu tava com saudades, eu comecei a me dedicar aos jingles e aí eu parei de trabalhar em palco e comecei a trabalhar no estúdio. E estúdio é assim: você fica fechado em quatro paredes, você só vê os caras quando paga o cachê, ninguém vai te visitar, aquele tipo de coisa. E a gente fazia muito jingle, eu tinha muito afinidade com essa turma, a Silvinha Araujo, a Ângela Márcia e o Faud. E um dia eu estava vendo na televisão o Manhattan Transfer, falei: puxa vida eu sei tudo isso aí, inclusive eu sou meio parecido com esse careca, com esse cara do conjunto aí…(fazendo alusão ao vocalista do Manhattan, Tim Hauser, recentemente falecido)…falei: porque que não monto um quarteto vocal nos moldes desses caras aí…? Considerando que minha formação vocal vinha dos Cariocas, do Hi-lo’s, do Singers Unlimited, do Les Double Six, tal, né. Eu falei: Puxa, no dia seguinte, parece que a Ângela tinha visto o mesmo programa e teve a mesma ideia. E falou: porque que a gente não faz um quarteto? Bom, fizemos um quarteto vocal, modéstia à parte, foi muito legal. Infelizmente acabou porque um dos rapazes…o Faud teve que mudar de São Paulo, os ensaios começaram a ficar difíceis de acontecer, né? Mas, enquanto ele durou, olha, modéstia à parte, nós conseguimos assinar o nosso nome.
ADILSON SALVADOR: Quando é que começou e quando terminou o 4×4, quanto tempo durou mais ou menos.
EDGARD GIANULLO: Acho que ele durou o que dura mesmo, né? Porque é assim. Tem um período que começa com uma turma, depois troca um, troca outro…
ADILSON SALVADOR: É, vocal tem esse problema, todos eles.
EDGARD GIANULLO: É, mas acontece que aquele conjunto era tão especial que não tinha substituto, quer dizer, até você ensaiar tudo, porque a gente…ninguém lê nada, ninguém lia música, tal, era tudo no beiço, todo mundo ia pra casa, decorava a música na cabeça e saia cantando. Nós começamos em 89 ou 90, não tenho muita certeza,
89 e foi até os anos 94.
ADILSON SALVADOR: O Marcello tá dizendo aqui que foi nessa ocasião que o João Gilberto apadrinhou vocês, tem alguma coisa a ver isso?
MARCELLO: Foi nessa ocasião que o João Gilberto apadrinhou vocês?
EDGARD GIANULLO: Não, o João Gilberto é meu amigo do tempo da bossa nova, né, e cantava, senão me engano, nos Garotos da Lua e no tempo que eu estava nos Uirapurus ele assistia muito o programa. Quando a gente se conheceu lá no ponto dos músicos, ele…a gente teve uma afinidade e tal, ele também quando vinha pra São Paulo a gente fazia uma…também era assim, tudo enigmático. Ele falava assim: “estou no Hotel Caravelas às oito e meia”. Aí a gente ia com as nossa turminha lá aprender bossa nova, né…ele ensinava todas as músicas que nem quando saí cantando Lobo Bobo pra alguém os caras falavam: esse cara é louco, essa música não existe. Eu falei: olha, aprendi ontem com o João Gilberto. E o João sempre gostou muito de vocal. O dia em que ele viu a gente na televisão…ah…um negócio, por causa do Jacob do bandolim – eu também tocava bandolim – meu apelido naquela época era Jacob.
ADILSON SALVADOR: E até houve uma época que eu pensei que você se chamava Edgard Jacob.
EDGARD GIANULLO: É verdade. Porque, porque…por causa do Jacob do bandolim o pessoal me chamava de Jacob. E ficou, né?
ADILSON SALVADOR: A orquestra inclusive, eu lembro, o flautista, o Vitor Solecito, dizia: (com sotaque) “Ei Jacob, larga la chitarra e vamos pagá o café…(risos)…
EDGARDD GIANULLO: É isso mesmo. E um dia eu recebo um telefonema – também enigmático – de João Gilberto. João Gilberto na linha tal. Eu trabalhava na Cardan, que era um estúdio de gravação de jingle, né? Aí eu atendo a linha e ele falou: “Jacó te vi na TV, demais, cara”. E desligou. Falei: ô João…e nada, nunca mais falei com ele, foi a última vez que falei com o João Gilberto. E aí um dia eu soube que ele falava muito da gente no Rio de Janeiro e dizendo que ele era o padrinho do conjunto, né? Mas, na verdade…a primeira oportunidade de aparecer foi o Goulart de Andrade. Nós fomos no programa do Goulart de Andrade, ele foi na casa da Silvinha, foi um show inteiro com ele, realmente ele foi o padrinho artístico da gente, vamos dizer assim.
MARCELLO: O grupo 4×4 também gravou a mensagem de fim de ano da Rádio Jovem Pan que é utilizado há muitos anos pela emissora. Conte-nos a respeito, quem compôs, depois de alguns anos houve uma mudança na letra, não houve? Fale-nos sobre as curiosidades da gravação.
ADILSON SALVADOR: Aquela mensagem de fim de ano da Jovem Pan é 4×4 que faz?
EDGARD GIANULLO: Não, não, aquilo foi feito pelo…quer dizer, as pessoas todas cantaram…
ADILSON SALVADOR: É a cara do 4×4…
EDGARD GIANULLO: Mas não é, não, a Ângela tá lá, a Silvinha tá lá, tal, por isso que eu falo que a gente tinha essa afinidade, mas, eu nem tô cantando naquilo lá.
ADILSON SALVADOR: Quem foi que compôs.
EDGARD GIANULLO: Foi o Chiquinho de Moraes.
ADILSON SALVADOR: Já há vários anos que eles fazem…
EDGARD GIANULLO: É, na AM, Jovem Pan AM…
ADILSON SALVADOR: Então, ele queria saber alguma curiosidade a respeito da gravação, mas…
EDGARD GIANULLO: Dessa aqui? Não, não teve curiosidade, bom, eu não sei porque eu não tomei parte…
ADILSON SALVADOR: Você não tomou parte?
EDGARD GIANULLO: Não, não tomei parte.
ADILSON SALVADOR: Por acaso foram a Silvinha e a Ângela…
EDGARD GIANULLO: Eles fizeram um compilado de vários temas…New York, New York, não sei o que, e fizeram uma letra em português, é isso, né?
ADILSON SALVADOR: E os Pimphypones?
EDGARD GIANULLO: Ah…garoto, isso aí se tivesse sido nessa época aqui que a gente consegue patrocinador eu estava eu estava milionário, garoto. Já tinha comprado uma peruca pra mim azul com liláses pendurados, entendeu. Porque o Pimphypones foi assim…eu sempre gostei muito do Spike Jones (apelido do músico e comediante norte-americano, Lindley Armstrong Jones), que foi o maior músico que Deus já pôs nessa terra, não tem igual. E eu tentei fazer um conjunto nesses moldes, né, é que só tinha músico bom, que tocavam bem, mas eram loucos. Então eu reuni a nata daquela época, né, que era o Bolão, o Ditinho, o Arrudinha, o Demétrio…quem mais…o Capacete, eu, o Juquinha, nós éramos todos egressos do Simonetti show que a gente fazia. Mas era um, era um…tinha solo de sovaco e orquestra, olha que maravilha, tinha solo de tiro, tinha solo de espirro, era maravilhoso, a gente tentava imitar o Spike Jones. Mas aí por falta de estrutura, por falta de patrocinador…isso demanda de muito ensaio, né, meu…você tem que ensaiar sem parar…
ADILSON SALVADOR: É o que eu estava comentando com você, um “ladrão” acabou com tudo.
EDGARD GIANULLO: Ah…sim, é verdade, você lembrou uma coisa, é verdade…
ADILSON SALVADOR: O “ladrão” acabou…eu estava aquele dia na Tupi, roubaram a perua do Bolão, uma perua Kombi, com todo o material do conjunto.
EDGARD GIANULLO: É verdade. Eu tive a sorte de salvar um banjo que eu tinha assinado pela Elis Regina que era uma das nossas maiores fãs, né, eu tinha levado pra casa senão teria ido embora também. Mas eles roubaram tudo…eu tinha uma mesa lá que tinha sirene, campainha de porta, campainha de incêndio, que mais, tinha revolver, tiro, gato, miado…risos…pra gente fazer efeito na mesa. Foi um sonho que morreu pouco, a gente viveu muito pouco, mas marcou também muita presença quando apareceu, né?
MARCELLO: E essa formação: Aires (viola), Manini (percussão) e Edgard Gianullo (violão). Foram vocês que acompanharam Jair Rodrigues interpretando “Disparada” (Geraldo Vandré e Théo de Barros), naquele inesquecível Festival de Música Popular Brasileira da TV Record em 1966? Vocês substituíram o Trio Novo?
ADILSON SALVADOR: Vocês acompanharam Jair Rodrigues. Porque aconteceu isso, inicialmente era o Trio Novo.
EDGARD GIANULLO: Ah…Disparada, é verdade. Era o Quarteto Novo. Acontece o seguinte. Quem fez esse arranjo foi o Hilton Acioli que era do Trio Marayá. E aí ele convidou o Hermeto Paschoal, o Theo de Barros…
ADILSON SALVADOR: O Hermeto foi o último a entrar pois era o Trio Novo.
EDGARD GIANULLO: É…o Hermeto foi o último…o Heraldo, o Theo e o Airton…
ADILSON SALVADOR: O Heraldo, o Theo e o Airton, eles participaram daquele show da Rhodia, foi aí que eu os conheci. Depois é que o Hermeto entrou.
EDGARD GIANULLO: Exatamente. E aí ele aproveitou essa história, entendeu, e o Hilton Acioli convidou os caras para defender essa música com ele no Festival. Então, assim, na eliminatória o Quarteto foi e fez. Depois eles ficaram famosos e tiveram outras atribuições. Aí então me convocaram, eu fazia muitos cachês como violonista lá na Record, convidaram o Ayres de viola, me convidaram pra tocar violão, o Trio Maraya, né, esse rapaz tocando queixada de burro, foi um sucesso, né? Quando o Jair faleceu até me senti…falei, puxa vida, de uma maneira ou outra fiz parte do sucesso dele que era um grande amigo nosso, diga-se de passagem.
ADILSON SALVADOR: No livro do Fernando Barros tem uma foto sua com o Chu, o Hector Costita e o Milton Banana. Que grupo foi esse.
EDGARD GIANULLO: Ah sim…a gente inaugurou…o Chu foi um dos melhores amigos que eu tive, um dos mais engraçados, ele é o meu guru, eu de vez em quando lembro do Chu com um carinho tão grande porque além de ser um grande músico era um grande sacador. Um dia ele falou assim: “major vamos fazer o um quinteto de jazz para arrasar a praça. Vem vindo aí dois caras aí da Argentina”, não sei o que e tal, que eram o Hector Costita e o Ratita, né, um saxofonista. Eu falei, legal. Vai ser baixo, guiatarra, sax, piston…e quem vai ser o bateria…Chu respondeu: “nada mais nada menos que o Milton Banana”. E o Milton Banana estava super na moda. E a boate era muito chique, era uma das mais caras que tinha, chamada “Reverie” senão me engano ou “Révere”, não lembro. E nós montamos esse quinteto. Era jazz e bossa nova a noite inteira. Quem fazia o revezamento com a gente era o Walter Santos. Lembra do Walter Santos?
ADILSON SALVADOR: Sim…
EDGARD GIANULLO: Grande compositor, grande amigo e tal. E a gente era…como era uma coisa era muito elitista, tocava jazz e bossa nova, quando acaba a função…a gente sempre tocava das onze às cinco porque depois das quatro todos os músicos iam lá escutar a gente tocar, entende? E isso também durou o que tinha que durar. Depois o Simonetti numa noite foi lá, viu a gente tocando e falou: vocês querem entrar na minha orquestra? Porque parece que a casa vai liberar o som, não sei o que. E aí foi a minha entrada na orquestra do Simonetti, entendeu? Fui ser o guitarrista da orquestra, o Heitor foi comigo, o Milton Banana não, por que ele foi embora pro Japão, Estados Unidos, sei lá. Mas foi isso o que aconteceu, foi um quinteto que marcou muito a noite aí.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: Você além de músico é compositor de jingles. Conte-nos como é isso. Todo mundo pensa que é fácil, mas, na realidade é difícil pra caramba, tem ciência, certo? Qual a receita perfeita pra se compor um bom jingle.
EDGARD GIANULLO: É fazer tudo o que eu fiz…(risos)…não, tô falando, pra você ser jinglista você tem que ter uma bagagem musical meio grande, entende, porque não é você ter um instrumento bom e ser um cara bonito, com cabelo e moreno. Não é isso. O jingle é…fazendo uma redução da história…existe uma pesquisa sobre um produto. Aí é gerado um monte de pesquisas, reuniões, testes de aprovação, não sei o que lá, tudo isso é passado pra gente e tem que ser reduzido em 30 segundos. Você tem que ter a capacidade de passar essa mensagem em 30, 45 ou um minuto de todo aquele baita estudo que foi feito com mil páginas, entendeu, e sintetizar tudo aquilo numa melodia que pegue na cabeça de alguém e que leve o produto a ser vendido, inclusive. Então não é uma coisa fácil porque o campo…hoje em dia até tá um pouco mais reduzido, porque, por exemplo, o Hip Hop, o Rap, o Funk…a não ser o Funk carioca, tal. Mas, o Rock…a maioria é Rock, Pop Music e tal. Mas, quando eu comecei, putz, tinha Guarânia, Horopo, Chorinho, Valsa, se você não tá enfiado nisso, se você não sabe, por exemplo, como é bossa nova, quando é jazz, quando é que é Mambo, quando é Chá-Chá-Chá, o escambau, você não faz. Então é preciso ter essa vivência toda. Eu acho que os grandes compositores de jingles – eu não estou me incluindo neles, absolutamente – foram os caras que tiveram uma escola musical muito densa, né? Onde eles aprenderam tudo o que era possível e tiveram esse poder de síntese, porque, você sintetizar um estudo que demorou seis meses para ser aprovado e depois chega na tua mão um “breafing” dizendo: tem que falar isso, isso, isso em trinta segundos. É uma qualidade especial, eu acho que os compositores de jingles são muito especiais, sabe.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: Você tem algum jingle da sua preferência, aquele que você diz, “esse eu caprichei, ficou muito bom”.
EDGARD GIANULLO: É difícil porque todos que eu falei assim não foram aprovados…(risos)…os melhores são aqueles que estão na gaveta, né? Não, mas eu tive dois que marcaram época, um foi o Itau (entoa a melodia do jingle), aquela outra do Itau que deu muito sucesso virou depois uma música da torcida do Itau universitária, teve muito sucesso. E o outro foi da seleção brasileira que, infelizmente, ela perdeu que é o “70 neles” que a Gal Costa gravou. Não se você lembra dele: “vai começar de novo é novamente tempo de paixão”. Então, eu recebi um “breafing” às nove horas da noite…falaram assim: “se vocês quiserem pegar a Copa do Mundo tem que fazer isso aqui bem gravadinho, até as nove da manhã tem que estar em cima da mesa da Souza Cruz”, porque isso é patrocinado pelo cigarro Hollywood, né? E aí eu fiz essa música e falei: quem é que poderia levantar o moral da seleção brasileira que estava mal nessa época? Ai lembrei da Gal Costa. Falei: pô, Gal Costa, minha amiga, trabalhou muito na Tupi e tal. Ela topou, fizemos um jingle, foi gravado, até o Lincoln Olivetti fez um dos arranjos, o Eduardo Costa Neto…Eduardo Souza Neto, que é do Roberto Carlos, também fez o outro arranjo. E a música foi, quer dizer, foi a música mais famosa que eu tive. Pena que o Brasil pisou no tomate senão até hoje ela estaria sendo cantada, né?
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: E outras composições que você fez, fale-nos a respeito delas. Alguma que você gostaria de destacar. Houve alguma gravação?
EDGARD GIANULLO: Ah…tem…tem…no meu LP tem uma música que eu fiz pro Edgard, meu primeiro filho, que é uma suite de violão, chama “Primo”, na internet agora eu vou gravar a música que eu fiz pro meu outro filho Márcio e outra que eu fiz pro Hilton. Música gravada? Eu gravei com uma cantora chamada Yula Gabriela e ela tem quatro músicas minhas, aliás, um disco muito bem feitinho que ela fez que eu produzi uma das faixas, lá. Tem uma música chamada “Minha luz” que eu gosto muito, que eu fiz, que é uma música mais sentimental…porque não parece, eu tenho cara de louco mas sou um cara romântico, eu gosto muito de coisa romântica, gosto de música emocional. Mas eu nunca me…negócio de pensar nisso de verdade não deu tempo.
MARCELLO: Edgard e o Choro, você teve influências de Garoto e Jacob do bandolim, é isso mesmo, confere? Conte-nos algo a respeito, de que maneira eles te influenciaram e qual a importância disso na tua carreira musical.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: E como você vê hoje em dia os movimentos de Choro pelo Brasil, a surpreendente procura e o interesse de jovens músicos em estudar, pesquisar e interpretar este que é considerado o primeiro estilo de música popular urbana do Brasil.
EDGARD GIANULLO: É verdade e é a maior escola de música que tem, tanto pra técnica, tanto melódica, tanto harmônica, por exemplo: você hoje em dia fala com um carinha: “mi bemol”. Ele fala assim: xingou minha mãe porque. Entendeu? Então eu comecei a tomar ciência dessas coisas…tons relativos, o que relativo de dó maior, de mi bemol, de lá bemol e o escambau, através do chorinho, foi a maior escola de música que, não só eu, acho que todos os brasileiros tiveram que passar por ela porque ela é um filtro pra que você consiga organizar a sua cabeça. Essa procura que a turma tem agora, que separou um pouco a guitarra – que o Pedro não escute a gente – pra tocar chorinho, é porque é muito rico, é muito rico, sabe? Por exemplo, tem chorinhos que pra decorar…eu lembro que tinha um choro chamado “Nó” – ói o nome do choro – que o cara fez…tinha tanta variação que chegava uma hora você acaba esquecendo de tanto acorde que tinha, você tinha que escrever a parte porque não…porque isso é bom pra cabeça, sabe, te leva para campos harmônicos, campos melódicos, divisão, tudo, o chorinho implica tudo isso, é o nosso Jazz, é a nossa música Barroca, é a nossa música Celta, sabe, é equivalente a esse tipo de coisa. Tocar bem que nem o de Holanda, aquele bandolinista…o Hamilton de Holanda, não precisa falar mais nada, escute ele tocar um choro, só.
ADILSON SALVADOR: Eu vi o Hamilton de Holanda tocando um tema do…uma suite do John Mclaughlin que foi feita pra guitarra e ele fez em bandolim com a Jazz Sinfônica.
EDDGARD GIANULLO: Ele é um animal, sabe, reverência desse cara, esse cara é monstruoso, ele levantou um instrumento que tinha sido esquecido, que é a grande conduta do bandolim, né, no qual eu tenho afinidade por causa do Jacob.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: E os comerciais de TV, quando você descobriu que levava jeito pra fazer. Você é um baita ator, representa muito bem, faz a coisa com muito bom humor.
EDGARD GIANULLO: Muito mal…isso eu aprendi com o Simonetti, o programa dele era só isso, era uma orquestra que tocava música boa e de repente tinha uns sketchs, a gente fazia ópera, fazia gozação, como o Caceta e Planeta fazia gozação de programas que tem na TV, que fazia isso muitos anos atrás. Eu comecei a tomar gosto por isso. Um dia abri a boca, contei uma piada, todo mundo riu, eu falei: ah…tá bom! E aí comecei a tomar gosto por isso.
MARCELLO: Essa verve vem do tempo em que você trabalhou como comediante em “A Família Trapo” na TV Record ao lado de Zeloni, Golias, Renata Fronzi, Jô Soares, Ricardo Corte Real e outros?
EDGARD GIANULLO: Também…
ADILSON SALVADOR: Agora, eu acho que começou antes com o Simonetti.
EDGARD GIANULLO: Não, é claro, você estava lá, você lembra disso, foi por causa do programa dele…
ADILSON SALVADOR: Foi essa a primeira oportunidade mesmo em que você teve de mostrar as suas qualidades?
EDGARD GIANULLO: E aí quando acabou a orquestra, eu trabalhava com o Pocho nessa época, apareceu a chance de eu fazer um comercial que tá no ar aí da Perua Kombi em que nós éramos músicos, pra provar que a Perua Kombi além de…não sei o que lá, ainda serve pra músico. E aí eu fiz um monte de caretas, o cara gostou de mim e fiz o meu primeiro longa metragem. Um minuto…que era um filme em que eu roubava um pão de um menininho, da Margarina Saúde. E foi bom porque isso gerou uma polêmica porque a margarina deu um salto no mercado incrível por causa disso. Mas aí os caras com dor de cotovelo começaram assim: “onde é que já se viu um professor roubar o pão do menino que tá comendo”. Aí nós rebatemos: “eu sou professor de violão”. Aí o cara perguntou: “Onde está o violão”. Eu falei: está embaixo do banco…(risos, muitos risos). Bom, e com essa história de polêmica em polêmica, né, eu fui indo e, putz, na época quase eu tive recorde mundial de…teve um dia que eu tava em casa e o breaking comercial de 15 minutos foi só eu, passaram uns cinco ou seis filmes meus, eu falei: acho que tá um pouco demais. Pena que não nenhum deles, tenho muito pouco.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: Pra você, é difícil viver de música no Brasil? Qual sua opinião.
EDGARD GIANULLO: Só de música, não, aliás, no mundo inteiro ninguém vive só da profissão, a profissão talvez seja – desculpe a comparação – o instrumento que você…se você não agregar nada, acho que o negócio é agregação. Por exemplo, o engenheiro pode ser um baita cara, mas, se não tiver um prédio que tenha uma pegada dele, agregou alguma coisa que foi dado a ele, um médico cirurgião que inventou um novo ponto, isso é que faz o cara despontar. Eu tive a sorte, por exemplo, de trabalhar com o Simonetti que era um universo muito maior, a gente fazia teatro, fazia baile, fazia programa de televisão, tal, e eu fui me envolvendo com isso. Mas eu sempre ganhei minha vida tocando violão. Aí chegou uma época, por exemplo, que só a música não chegava a render muito. E aí veio o jingle, que era uma especialidade, só fazia quem sabia fazer mesmo. E eu me enfronhei nisso que é um negócio maravilhoso porque você é desafiado a cada dia, de manhã as nove horas você pensa no Hospital do Câncer, tem que fazer uma música, aí as quatro horas da tarde, sutiã, depois margarina, a tua cabeça tá sempre ligada no mundo, sabe? Isso é uma coisa que, entre aspas, dá dinheiro, é negócio bem pago porque é sofisticado, hoje em dia tem muita concorrência. Quando eu comecei tinha quatro ou cinco estúdios que mandavam na cidade, hoje em dia tem quatro mil. Então, eu acho que não adianta você tocar bem um instrumento, tem que mostrar que você tem uma coisa que o cara fala: ah…olha que danado, ele sabe fazer isso, como você fez…! Eu digo isso porque aconteceu comigo quando eu conheci vários ídolos que eu tinha, Luiz Bonfá, o Ayres, o Heraldo…ô, me ensina isso, tal…nós tínhamos aqui um grande guitarrista promessa de ser um dos melhores do Brasil, a gente troca muita figurinha disso, sabe, eu e o Pedrão (o cara que gravou nossa conversa e que também é guitarrista), ele é roqueiro, mas, ele gosta de bossa nova, toca tudo, só que ele é ligado no rock, ele tem 20 anos, entendeu, como eu era ligado no Jazz quando tinha 20 anos. Então, ele tá aprendendo a agregar coisas porque não adianta você tocar bem, as vezes tem um cara que toca, toca, toca…eu falo assim: o que você vai fazer agora, vai embora? Tá, obrigado! Você tem que agregar alguma que aí a grana vem, sabe? Então, antes de você fazer alguma coisa musical pensa que é assim: cê tem que subir no palco e ter a consciência de falar assim, eu vou fazer uma coisa que esses caras aqui pagaram pra ver que não sabem fazer, eu sei fazer, eu tenho que mostrar pra eles que eu sei fazer e eles não. Isso talvez seja o “be-a-bá” do artista, entendeu, em todos os níveis, não precisa nem ser instrumentista.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: Você que vem de uma época magnífica e gloriosa da Música Popular Brasileira – e fez parte dela – o que acha desses movimentos que tomaram conta da mídia, tipo pagode, axé, sertanejo, funk, hip-hop…etc…etc…essas coisas.
EDGARD GIANULLO: Eu adoro todos, adoro fazer todos, adoro fazer pagode, hip-hop, rock, não sei o que, mas, eu não gosto de nenhum, claro. Eu tive que aprender por força da profissão…adoro fazer, pagode eu já fiz um monte, pena que não tem mais pra fazer, mas, hip-hop, rap a gente faz aqui toda a hora, né, eu adoro fazer isso aqui. Mas a minha formação é outra, quer dizer, eu sou jazzeiro, bossanoveiro e choreiro.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: E atualmente o que você faz, continua compondo, tocando, fez algum comercial recentemente?
EDGARD GIANULLO: Não, comercial, não…eu trabalho…nós estamos fazendo essa entrevista no estúdio de gravação do qual meu filho Márcio é o responsável que fica dentro duma produtora de eventos do meu filho mais velho, o Edgard, que é muito requisitada na praça, muito conhecida, chama GMC e trabalha com a indústria farmacêutica, sabe, é um cara que já ganhou vários prêmios e já viajou o mundo inteiro fazendo eventos. Mas, esses dois caras, por exemplo, seguiram os meus passos, quer dizer, quando eu vi, quando o Edgard tinha 4 anos e o Márcio 2, nós cantávamos a mesma coisa, eles aprendiam todos os temas de bossa nova e de jazz que eu ensinava pra eles. Então, é muito forte na minha família isso aí, sabe? Passei pra eles e passei pro meu neto, tanto é que hoje nós trabalhamos todos juntos, inclusive com meu neto que é baterista, vai fazer um conjunto com o Pedrão aqui da guitarra, agora ele é um dos sócios da GMC, é produtor, aqui a gente faz roteiro de VT, redublagem de filme, dublagem de filme, música para convenção, jingle e tal…então, quer dizer, estou bem assessorado, sou sócio dos meus filhos mas as contas eles é que pagam.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: Finalizando, pois, meu caro Edgard, faltou alguma coisa que você gostaria que eu perguntasse e não o fiz? Algo que você gostaria de destacar? Por favor, sinta-se absolutamente à vontade para fazê-lo.
EDGARD GIANULLO: Não. Primeiro agradecer o Marcello, essa oportunidade de falar de música é tão bom, né, bicho? A coisa mais feliz da minha vida é quando eu levanto de manhã e falo: eu vou tocar hoje. Porque isso foi normal, cheguei a trabalhar 20 horas por dia de música, você sabe disso. Saía do baile, ia dormir, ia gravar jingle às 9 da manhã, acabava o jingle fazia a fábrica, saía de lá ia pra televisão, tal…cansava, dava desespero, de vez em quando o pagamento não saía, mas é bom, viu, é a melhor coisa que tem. Só tenho que a agradecer a Deus de ter me posto nesse caminho, porque a profissão de músico é muito legal. Pena que as pessoas, como todo movimento humano legal, tem que distorcer; aí, sabe, se envolve com droga, com falcatrua, não sei o que lá, que não tem absolutamente nada a ver com música. Eu lembro na época das músicas de protesto, eu achava uma sacanagem isso. Como é que o cara usa a música pra fazer um negócio desses. Não, música não é nada disso, música é coração, música é uma coisa pra você se elevar a Deus, aos anjos e tal, esquecer que você tem problema. Por exemplo, desde que eu comecei a tocar o meu grande companheiro foi o violão e o banheiro pra você ter uma ideia. Aprendi a tocar muito violão no banheiro. Eu estou solitário fazendo uma coisa que só eu posso fazer e ali eu viajava o mundo inteiro, sabe? Eu dedicava coisas aos meus amigos, às minhas namoradas, sei lá, mas esse sentido da música, é pra isso que ela foi inventada, tanto é que quem inventou a música foram os anjos, cara, não foi nenhum barbudo cheio de maconha, não, não foi, foram os anjos que inventaram, entendeu, pra que os homens fossem felizes. Eu acho que esse movimento que você tá encabeçando, Marcello, o Clube do Choro, o Clube da Valsa, o Clube seja do que for, é a constatação de que isso que eu tô falando é verdade, sabe? Naqueles três minutos que dura uma música você esquece todos os problemas do mundo, acabam as guerras, as doenças, a falta de grana e a falta de amor.
MARCELLO/ADILSON SALVADOR: Como sempre fazemos, pedimos ao entrevistado que deixe uma mensagem ao Clube do Choro de Santos.
EDGARD GIANULLO: Eu queria lembar uma coisa. Quando era moleque eu tinha um conjunto vocal chamado vocal Quarteto “Águias de Prata”, olha que maravilha. E aqui em São Paulo tinha uma rádio chamada Rádio Excelsior – eu lembro de tudo como se fosse hoje – que tinha um programa chamado “Gotas Musicais Lavolho”, que era um colírio. E só tocava um conjunto nesse programa. E um dia eu lembro que apareceu um trio de Santos o qual eu nunca mais esqueci. O nome do cara era Paulo Bueno, ele tocava Triolin que é aquele violão tenor americano. Era ele, um violão que era o irmão de um cantor chamado cantor Mauricy Moura e mais um pandeirista. Eles tocavam temas de filmes – falando com você eu tinha 13 anos de idade, 14 anos de idade, sei lá – temas de filmes tocados em samba. Foi uma coisa assombrosa. Foi a primeira vez que eu me dei conta que era possível improvisar em cima de uma música, em cima da harmonia…eu não sei, ele não existe mais, é claro, né…mas se existir alguma coisa, viu, Marcello, alguma gravação do Paulo Bueno que tocava violão tenor -Triolin – foi assim uma abertura tão linda, né, porque, eu estava ouvindo um choro, uma música consagrada, por exemplo, como “My foolish heart”, sei lá, ele transformou isso em samba, eu falei: “que maravilha, realmente essa música agora apareceu”. Então, isso só volta a reforçar aquilo que eu falei, não adianta só tocar, você tem que agregar alguma coisa, porque mesmo que você toque menos que o cara que tá do teu lado, você tem alguma coisa tua que ele nunca vai ter. Então, ninguém se inibe e fala assim: puxa, eu vi um cara tocar hoje muito mais que eu. Problema dele, cara! Você pode ir atrás dele, mas você tem uma coisa que ele não tem, você te uma coisa que é sua e que vai ficar pro resto da sua vida. As pessoas vão lembrar de você por causa dessa tua coisa que você agregou na música. Então, você Marcello é um cara imortal, o que você está promovendo com os músicos é um presente assim do Século XX para o XXI. Deus te abençoe, eu te agradeço muito a participação, falou, e estamos aqui, o que você precisar estamos às ordens. Um grande beijo.
MARCELLO: Valeu Edgard, muito obrigado pelas palavras de apreço e forte abraço.
OBS: Colaborou com a entrevista o particular amigo, radialista e promotor de eventos, Adilson Salvador, a quem agradeço a amabilidade.