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ZÉ DA COMADRE, UM ECOLOGISTA A SEU TEMPO

omegaPor José Geraldo Gomes Barbosa
O noticiário do cotidiano nos coloca em determinadas situações que, subitamente, estamos de volta ao passado. Num passe de mágica, as lembranças se tornam imagens e personagens inesquecíveis emergem, uma delas, Zé da Comadre. Autodidata, exímio devorador de livros, especialmente, as obras de Julio Verne, instigava os pequenos do Morro Pacheco a pensar e buscar soluções para os vôos das pipas. Organizava competições de voo e estimulava a criançada a participar, sobretudo, construir pipas leves e resistentes, e identificar a direção e intensidade dos ventos. Era um Mestre. Aos que se interessavam, pacientemente, ensinava a escolha da vareta de bambu e o papel adequado à construção de uma pipa rainha dos céus de abril.  
Passado o outono, o clima esfriava e as pipas eram esquecidas. Nas noites frias de inverno ressurgiam os balões. E, esse incansável professor de ciências naturais introduzia aos curiosos a arte de confeccionar aeróstatos e estimar o tempo de voo desse “brinquedo” em função das dimensões, volume de ar e tipo de tocha utilizada. Zé cursou apenas o primário, mas identificava e decodificava como ninguém as leis da natureza.
A partir da leitura de termômetros, barômetros e higrômetros interpretava e previa a ocorrência de chuvas e trovoadas. Zé da Comadre era um ser comunitário, preocupava-se com os seus pares, apregoava a necessidade de se evitar a degradação da mata virgem das encostas do morro, à prevenir, portanto, eventuais deslizamentos e desabamentos de moradias. Organizava mutirões para remoção do lixo das valas e, conseqüente melhoria do escoamento das águas. No Morro Pacheco a todos educava e conscientizava sobre a fragilidade dos ecossistemas que sustentam a vida terrestre e a imprescindibilidade de preservação do “habitat humano”. A partir desse discurso, disseminava à comunidade conhecimentos básicos de educação ambiental. Dizia ele, homens e mulheres serão mais felizes se aprofundarem o conhecimento das relações e da dependência mutua existente entre humanos e os demais seres vivos do planeta terra, “lócus” comum a todos. E, se assim fosse, com certeza, haveria maior responsabilização em face dos direitos e obrigações de cada um para com o próximo.
Zé da Comadre Beatriz, assim chamado por minha mãe, foi um ente iluminado, filho de portugueses, meus padrinhos, morreu jovem de tuberculose, e se vivo hoje estivesse, seria um septuagenário ecologista de escol. Agradeço, pois, a todos que me propiciaram o privilégio de tê-lo conhecido e com ele convivido grande parte da minha infância.


1 Comments Add Yours ↓

  1. Renê Ruas #
    1

    Boa Zé Geraldo, cá no Marapé, nos tempos em que a molecada inventava os próprios brinquedos, o nosso quase cientista, sem a
    visão ecológica do Zé da Comadre, é claro, era o Ariovaldo, chamado Prof. Pardal e que,
    ao contrário desse “incansável professor de ciências naturais”, inventava, planejava, construía os mais criativos e geniais aparelhos que, na maioria das vezes, não funcionavam nunca. O nosso Prof. Pardal era dado a fracassos retumbantes, porém, foi e é ainda um grande amigo, solidário e generoso.

    Abraços
    Renê Ruas



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