Julinho Bittencourt
Chico Buarque faz setenta anos amanhã. Ele mesmo. Aquele pelo qual várias gerações de mulheres, a começar por nossas avós, passando por mães, filhas e netas, enfim, inúmeras delas suspiraram – e suspiram ainda. Isto não seria relevante não fossem algumas pequenas considerações.
A principal delas é que se trata de um sujeito que nunca foi um verdadeiro modelo de galã. Magricela, meio desajeitado, gozador, tímido em excesso, Chico sempre foi muito mais o sujeito comum, com os defeitos parecidos aos de todos nós do que qualquer outra coisa. Por muitos anos nunca se preocupou, por exemplo, em dar entrevistas encachaçado, fumando um cigarro atrás do outro e frontalmente contra o famigerado regime vigente.
Por trás de todo este desmazelo, no entanto, habita umas das obras mais requintadas e delicadas da história da canção popular do mundo e não há exagero algum nisso. Chico foi o único brasileiro capaz de botar na boca do povo – e quando se fala povo é povo mesmo – alguns dos versos mais lindos e bem construídos da nossa poética. Quem duvidar que revisite algumas de suas canções mais populares.
“A moça feia debruçou na janela pensando que a banda tocava pra ela”, de “A Banda”, seu primeiro grande sucesso, é irresistivelmente cruel e lírico, um indício do que as mulheres – aquelas mesmas que sempre o cultuaram – poderiam esperar de sua obra. E foi assim mesmo, sem dissimulação e muito menos indulgência que Chico desenhou um retrato feroz da submissão feminina no século XX.
Um sem fim de canções, como “Com açúcar, Com afeto”, “Olhos nos Olhos”, “Atrás da Porta” entre muitas outras ajudaram tanto aos homens quanto principalmente às próprias mulheres a compreender e transformar o seu infortúnio. Uma postura deveras revolucionária e corajosa que, se não criou uma nova ordem, ao menos apontou as mazelas da antiga.
Nunca nenhum compositor brasileiro desenhou com tanta mestria a solidão da mulher num mundo em rápida transformação. Foi o primeiro a tocar com tamanha beleza o caos da nova família, o divórcio e a mesquinharia que sobra dele: “Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu” é uma engenhosa agulhada dupla, um lindo exemplar da miséria humana.
Claro que Chico foi muito mais e muito além. As mulheres tiveram a sorte de ser suas heroínas preferidas, característica que ronda obras primas de várias épocas. O mito de Medeia, de Eurípedes, que o diga em sua bela adaptação para o teatro de “Gota D’água”, um clássico do desespero feminino.
Chico, por fim, dá também uma bela lição aos homens de bem. Se querem, assim como ele, chegar aos setenta queridos e respeitados pelas mulheres – ou ao menos e principalmente pela própria parceira – que aprendam acima de tudo a conhecê-las, respeitá-las e amá-las. Quanto à obra, desistam. Autores assim só aparecem muito, mas muito de vez em quando.
E é claro que os olhos de ardósia também ajudam bastante.
Grande Julinho. Beleza de artigo. O Chico
merece. Chegar aos 70 anos produzindo cada
vez melhor não é pra qualquer um.
Chico, poeta, escritor e compositor do povo
brasileiro. Parabéns meu caro amigo Chico.