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CIRCO E TEATRO BIBI

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O circo era pobre, muito pobre mesmo, como quase todos que apareciam por ali. Não era apenas um circo, era muito mais que um circo. Era um CIRCO TEATRO, porém pobre, e nem por isso deixava de ser a alegria do Marapé, quando por lá surgia sempre no final do ano. O Marapé, naqueles tempos, ainda era um bairro pouco habitado e em cada esquina uma chácara. Um bairro pacato como uma pequena cidade do interior e fraterna como sempre foi um dia a minha cidade. Foi num tempo desses que, em férias escolares, quase no final do dia, aquela calma do bairro, a molecada jogando bola de capão na rua de terra batida e, então surge do nada os caminhões do circo. A zorra tava instalada. A molecada doida correndo atrás dos caminhões, aquela gritaria, todos atrás do circo, que não tem encanto maior. O povo todo no portão espiando a passagem dos assustadores tigres de bengala, que de tão velhos só falta mesmo a bengala, os leões, todos em pele e osso, tristes e que por certo não sabiam o que era um naco de carne fazia um bom tempo. Serviço de proteção aos animais nem pensar, tempos duros, não se tinha nem proteção aos homens ia ter pra animal de circo.                  As atrações, além das “perigosas” feras, era o atrapalhado mágico que não acertava mágica alguma, pois que ficava o dia inteiro no Bar da Carminha enchendo a cara de caiana e na hora do espetáculo, caindo pelas tabelas, completamente travado, não conseguia realizar os truques e, era invariavelmente vaiado. Tristonhos palhaços que eram malabaristas, baleiros, bilheteiros e, ainda de quebra o incrível homem sapo. Além de todas essas atrações, pasmem respeitável público, grandes nomes do cenário musical e artístico brasileiro também compareciam em noites memoráveis. Esses artistas vinham em ônibus que eram chamados de Caravana e uma das mais famosas era a Caravana do Peru que Fala organizada pelo hoje empresário e doublé de artista, Silvio Santos. A tal caravana trazia entre outros artistas: Gessy Soares de Lima, Sólon Sales – O Seresteiro da Paulicéia, Germano Mathias – o Catedrático do Samba, o grande humorista Zé Fidélis, e, ainda a dupla Ouro e Prata, pois é, é essa dupla mesmo que gravou o Samba de Oswaldo Cruz e Miguel Ângelo: “Adeus Marapé/ Adeus Marapé/ Que levou meu filho e também minha mulher”. Outra grande atração, também imperdível, era o Globo da morte. Diziam os moradores do bairro, que, o tal Globo da Morte não funcionava nunca. Diziam ainda que, o globo e as motos não giravam ou se moviam. Ficavam ali paradinhos da silva. Muita fumaça, luzes piscando e o barulho infernal do motor das motos dava a impressão que o Globo da morte funcionava a todo vapor. Ledo engano. A noite mais esperada, porém, isso todos concordavam, era quando o circo se transformava em teatro para apresentar a mesma peça de sempre: “O Direito de Nascer”, dramalhão bravo, sucesso certo e garantido. O povo adorava. A expectativa começava bem cedo com os serviços de alto-falante do circo anunciando: – “Senhoras e Senhores, não deixem de assistir o grandioso espetáculo O Direito de Nascer. Estamos completamente lotados, os ingressos foram todos vendidos, mas ainda cabe muita gente. Não percam. Hoje em primeira sessão às oito da noite.” Naquela noite, mais do que nunca, circo lotado e fila para a segunda sessão. Apagam-se as luzes. Silêncio absoluto. A platéia comovida acompanhava a ação dos atores com profundo respeito. Primeiro ato terminado, aplausos, gritos e assobios. Tem início o segundo ato e, com ele, novamente o silêncio. Tudo ia muito bem e quase no final do segundo ato, o desastre. Em cena apenas a Mamãe Dolores que, depois de uma cena de forte emoção, com crise de choro e tudo mais que uma cena de drama precisa, desmaia desmoronando no único sofá do palco. O silêncio doía. Da platéia, Celeste, a irmã do João Raposa, grita a todo pulmão: – “Aí, velha, desmaiou, hein?”. Mamãe Dolores, com a dignidade das grandes damas, se levanta, vem na ponta do palco, espalma a mão na boca e devolve: “Velha é a puta que o pariu!“. Ato contínuo retornou com o mesmo garbo ao seu desmaio. A lona quase caiu com a gargalhada geral.

Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte da bateria do Bloco do Boi, foi integrante do grupo de choro Regional Varandas, formado por jovens amantes do Choro. Desde 1986 toca cavaquinho e solta a voz na roda de samba e choro do tradicional Ouro Verde e diretor do Clube do Choro.


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