Meu caro General da Banda, depois de tanta luta, depois de tantas e fragorosas derrotas, depois de tantos percalços, de tanto preconceito e humilhações, o nosso Samba, patrimônio cultural imaterial da humanidade, conseguiu se transformar em bem maior do povo brasileiro, rico ritmo que reflete a alma do povo deste País. Em quase quatro séculos, desde a chegada dos primeiros negros escravos vindos da África e, mesmo com todas as dificuldades, o Samba se impôs e conseguiu se transformar em bem maior da cultura popular.
A partir dos “Deuses do Samba”, Donga, João da Baiana, Pixinguinha, Ismael, Geraldo e Noel, Wilson Batista, Cartola, Paulo da Portela, Bide, Marçal e tantos outros anônimos sambistas foi que surgiu no final dos anos 20 as primeiras Escolas de Samba, que se transformaram, até pouco tempo atrás, no veículo principal de inserção do Samba na sociedade brasileira. Esses grandes sambistas deram a forma final e o caráter da MPB.
Tudo isso meu General da Banda, já sabemos, porém, e como sempre tem um porém, como bem dizia Plínio Marcos, o Samba não consegue, nos dias de hoje, navegar em mar tranquilo, pois de tempos em tempos o seu valor é posto em prova.
Um dia foi o ragtime, outro dia foi o rock, um dia o Axé, pagode, sertanejo, batidão, rap e mais uma infinidade de lixo cultural que invade o País de cabo a rabo numa demonstração de subserviência além do tal complexo de vira-latas a que tanto o escritor Nelson Rodrigues se referia.
Sabemos também, meu General da Banda, que todos esses movimentos são gelo no sol e que desaparecem meio a chuva de verão, mas nesse período o Samba fica relegado a botecos e terreiros e só reaparece no Carnaval como se nosso ritmo principal fosse música de carnaval o que definitivamente não é.
O Samba, na verdade, lamentavelmente, anda a reboque do Carnaval e da data nacional, dia 02 de dezembro, sendo que, no restante do ano, fica completamente esquecido.
Meu velho General do Samba, se não bastasse toda essa luta que o Samba teve e tem que travar, surge por agora, aqui, na Câmara Municipal de nossa santa terrinha, um projeto de Lei de autoria do vereador Ademir Pestana que institui a Semana do Hip Hop. O nosso valoroso Edil, nas suas alegações para propor tal projeto, diz o seguinte:
“Santos sempre foi referência na luta pela liberdade do povo negro e o Hip Hop se insere no contexto das manifestações de resistência a uma cultura eurocêntrica, e trava nos dias de hoje, uma batalha para se firmar e ter a sua importância reconhecida para a formação cultural da sociedade brasileira.”
Realmente senhor Ademir Pestana, nossa cidade sempre se destacou na luta pelas liberdades não só do povo negro, mas de toda sociedade santista e não se engane, pagou, por vezes, um preço muito alto. Na verdade, a cultura Hip Hop e tantas outras culturas de base popular, americana, se inserem sim no contexto das manifestações de resistência, não apenas e tão somente a uma cultura eurocêntrica, mas como também uma forma de pura resistência, tal como o Jazz, o Rock, o Blues e outras tantas manifestações do povo afro-americano, de afirmação da cultura e da condição do negro na sociedade americana.
Xenofobias à parte claro está, que o povo brasileiro tem a sua própria cultura que pode muito bem se transformar em foco de resistência a tantas culturas alienígenas que em nosso território se transformam em balcão de negócios de uma elite poderosa que se apodera de todos os movimentos populares de resistência, transformando-os em lixo cultural que deixa de representar àqueles, que tem, nessa cultura, uma referência de luta e afirmação de sua cultura e da própria existência do negro na vida brasileira.
Finalmente, o negro, para se firmar e ter a sua importância reconhecida, para a formação cultural da sociedade brasileira, tem, além da sua história, o Samba, a Capoeira, o Maracatú, o Jongo, São Gonçalo, as Religiões Afro-Brasileiras e mais uma infinidade de eventos culturais trazidos pelos negros para esse nosso País.
Lamento General da Banda, que em pleno século XXI, o Samba ainda tem que lutar como sempre lutou, desde tempos imemoriais, para se manter como força motriz da história e símbolo cultural de unidade do povo brasileiro.
E tem mais meus senhores, puleiro de pato é terreiro. Eurocêntrico, então tá.
Zé do Camarim