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91 ANOS DE UM GÊNIO CRIATIVO (parte 3)

ADEMIR: E atualmente, maestro, qual seu projeto, o senhor tem composto?

GILBERTO MENDES: Eu faço tudo agora…

ADEMIR: O senhor agora é também escritor…

GILBERTO MENDES: Romance…

ADEMIR: Romance, eu já li, por sinal, muito bom…

GILBERTO MENDES:…quinta-feira passada -eu não pude ir porque ando com problemas que me dificultam um pouco o andar –  lançaram um filme em São Paulo em que eu faço uma ponta…ah…não é que eu queira ser artista, mas eu gosto muito de cinema. A mulher de um amigo meu, que é compositor…ela foi fazer um filme e eu brinquei com ela: “não tem um papel pra mim”? (risos).  Ela achou muita graça e não tinha papel pra mim, mas ela escreveu, ela colocou, ela inventou um papel rápido…uma conversa com ele em duas cenas…eu não pude ver o filme, mas eles vão me dar uma cópia pra eu ver, eu gosto muito de cinema, gosto mais de cinema do que de música.

ADEMIR: Aliás, esse romance do senhor(“Danielle em surdina, langsam”), ficção, dá pra fazer um filme, tranquilamente.

GILBERTO MENDES: Você leu?

ADEMIR: Li, muito bom…

GILBERTO MENDES: Gostou?

ADEMIR: Muito, muito…

GILBERTO MENDES: Meu filho que faz cinema, meu filho quer fazer…

ADEMIR: Pois é, acho que seria uma história fantástica para cinema…

GILBERTO MENDES:…um filme passado…no tempo da guerra…faz num bar lá, o proprietário do bar é o pianista…

ADEMIR: Muito interessante…

GILBERTO MENDES: Eu não sou bom pianista, mas, alguém toca por mim…

LUIZ PIRES: Faz a ambientação…

GILBERTO MENDES:…tipo Casablanca…

ADEMIR: Mas e composição, o senhor está fazendo alguma no momento?

GILBERTO MENDES: Eu sempre estou compondo alguma coisinha…

ADEMIR: Sempre, né…

GILBERTO MENDES: Peças mais complicadas assim eu tô abandonando um pouco. Eu tô querendo escrever outro livro…(risos)…um livro policial agora, uma estória de mistério.

LUIZ PIRES: Pegou gosto…

MARCELLO: Uma modesta sugestão, já que você não está fazendo obras tão complicadas, você comporia um Choro para o Clube do Choro de Santos pra dar de presente para nós? Seria uma honra.

GILBERTO MENDES: Mas eu não sei fazer Choro…

MARCELLO: Não, mas você não precisa fazer Choro, faça aquilo dentro da sua visão musical.

GILBERTO MENDES: Bom fazer um Choro…como aliás…

LUIZ PIRES: Seria uma honra para nós, um privilégio pra nós…

GILBERTO MENDES:…eu tenho umas músicas curtinhas que são Choros na verdade, Choros da maneira do Villa Lobos…

LUIZ PIRES: Isso…

MARCELLO: É justamente neste sentido…

GILBERTO MENDES: Eu posso fazer mas não me pressione…(risos…)

MARCELLO: Absolutamente, imagina…(risos…muitos risos…)

GILBERTO MENDES: Porque eu tô devendo já para uns três…

ADEMIR: O senhor tem tempo de sobra pra fazer, a gente lança no próximo aniversário do Clube…

LUIZ PIRES:…muito bacana, eu escutei uma Rancheira sua uma vez no Clube dos Ingleses, também me impressionou muito, era uma composição nessa linha nacionalista, alguma vertente sua ali na ocasião, já tem uns vinte anos isso…

GILBERTO MENDES: Eu compus uma Rancheira?

LUIZ PIRES: É, me pareceu, dentro dessa linha do Villa, talvez…

GILBERTO MENDES: Rancheira?

LUIZ PIRES: Foi muito interessante, uma peça que me chamou muito a atenção, tenho ela na lembrança…

GILBERTO MENDES: Eu passei por uma fase nacionalista, por razões até de esquerda, eu era comunista roxo no passado, cheguei até o Partido, o Partido exigia que a gente fizesse música brasileira, e como tinha o Villa Lobos e também era vanguarda…de fazer música com caráter brasileiro, mas…

LUIZ PIRES: Não foi nenhuma provocação ao Camargo Guarnieri…

GILBERTO MENDES: A gente teve uma oposição a ele, mas não foi…pelo menos de minha parte, alguns colegas foram contra ele mesmo, contra a música dele, contra a pessoa dele…eu não sou de briga…

LUIZ PIRES: A gente sabe…

GILBERTO MENDES:…na verdade eu gostava do Guarnieri, cheguei a querer estudar com ele, não deu certo por que ele queria primeiro que eu estudasse com alunos dele e eu não quis, eu queria estudar com ele. Posteriormente, quando eu comecei a pegar nome na música…eu peguei um grupo muito radical de vanguarda, pra valer, né, começamos a fazer uma música de vanguarda que era completamente indiferente a ser brasileira, nesse sentido, ter base em folclore, essas coisas. Mas eu tinha passado posteriormente, por razões políticas, ideológicas, por causa do Mário de Andrade…queria uma música brasileira que tivesse base no folclore.  Eu tenho muita música em estilo brasileiro, eu tenho um Ponteio para orquestra que é muito tocado, um Ponteio que eu estudei um pouquinho com Cláudio Santoro, ele tem um Ponteio também, muito bonito…já que eu estudava com ele na época…é um Ponteio muito tocado, absolutamente brasileiro. Vai ser tocado no Festival agora…

LUIZ PIRES: Seria nessa linha, então, Marcello…

MARCELLO: É…

GILBERTO MENDES: A gente vai fazer o Festival (“Festival de Música Nova”)…

ADEMIR: Que, lamentavelmente, não é mais em Santos..

GILBERTO MENDES:…no fundo continua um pouco em Santos…a cidade de Santos…não digo a cidade –  acho que a cidade gosta do Festival , mas a política cultural, a lamentabilíssima política cultural da cidade não deu valor a ele, não se interessou por ele…

LUIZ PIRES:…que é um patrimônio da cidade de Santos…

GILBERTO MENDES:…eu disse numa entrevista que dei de uma página…eu deixei claro que o Festival estava muito velho, eu estava cansado de serem três pessoas organizando o negócio, indo atrás de dinheiro, secretarias, isso, aquilo. Já era tempo de uma Secretaria assumir isso, ela fazer isso…

ADEMIR: Sim, evidente…

GILBERTO MENDES:…como é o de Campos do Jordão, não é o povo de Campos do Jordão e nem três pessoas que fazem o Festival, é o Estado, é a Secretaria de Estado da Cultura. Então é o caso da Secretaria de Cultura de Santos assumir o Festival, transformar num curso…faz um Festival de Verão oposto ao de Inverno, um de Inverno na serra e outro de Verão nas praias. Eu dei todas as bases do que eu queria, não teve a menor repercussão…

LUIZ PIRES: Lamentavelmente…

GILBERTO MENDES:…nem pra dizer não, não tomaram conhecimento. Então, acabou o Festival. Agora centralizou em Ribeirão Preto, graças a um ex-aluno meu, da USP, brilhante, e que é de Ribeirão Preto, Rubens Ricciard.  Ele fez uma carreira muito rápida (já fez mestrado, doutorado, livre docência e é professor titular) eé mocinho, adora Ribeirão Preto como eu adoro Santos. E o departamento de música lá está um primor…

MARCELLO: É professor da UNAERP…?

GILBERTO MENDES: Não, Universidade de São Paulo, USP de Ribeirão. Já é famosa pelo seu departamento de medicina e física, são muito importantes e agora vai ficar pela música…uma entidade pegou o Festival. As pessoas dizem: por quenão no departamento de música onde você deu aula?  É porque o departamento de música da USP é muito grande, muitas pessoas, têm conflito de opiniões, um quer ser o chefe…Ribeirão Preto é novo, tá nascendo…Mas não que eu tenha acabado em Santos, farei alguma coisa em Santos, este ano:  quatro Concertos, pelo menos, já estão previstos, um com a que o Rubens chama de Filarmônica da USP, a Orquestra da Universidade de São Paulo, mas de Ribeirão Preto ( como já tem a Orquestra Sinfônica da USP em São Paulo,  ele chama essa  de Filarmônica). Vai ter também uma Orquestra européia, alemã …vai fazer esse Ponteio meu…

ADEMIR: Aqui em Santos, onde, no Coliseu?

GILBERTO MENDES: Vai fazer tudo no SESC.

ADEMIR: Ah…beleza, beleza…

GILBERTO MENDES: O SESC, quando eu disse que acabou o Festival, o Danilo de Miranda, o chefão, me admira, gosta muito de mim, disse assim: “pro SESC não acabou”. Bom, se não acabou, então, faça alguma coisa.

ADEMIR: Que ótimo. Hoje é a verdadeira Secretaria de Cultura do Brasil, se é que podemos chamar assim…bem, vamos tirar uma foto.

 


2 Comments Add Yours ↓

  1. Marcello Laranja #
    1

    Posso garantir que foi uma experiência das mais marcantes entrevistar o maestro Gilberto Mendes, poder desfrutar do seu conhecimento e de sua sabedoria foi algo fantástico. Sem nenhum demérito às demais, foi, com certeza, uma das mais incríveis entrevistas que fizemos, além do que, coincidentemente, publicamos justamente no dia em que completou 91 anos de idade. Vida longa ao maestro Giblerto Mendes. Abraços.

  2. Renê Ruas #
    2

    Tem razão o nosso Presidente. Que bela entrevista essa do genial Maestro Gilberto Mendes. Vamos torcer para o Maestro compor
    a musica que ele quiser para o Clube do Choro. Será uma grande honra e um grande
    presente para comemorar o Dia Municipal e Nacional do Choro em abril de 2014. Vamos
    ficar na torcida. Espantosa lucidez.
    Abraços.



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