“Penso que a música é muito mais que nós músicos. Somos instrumentos também… A música é uma expressão artística que expõe muito quem somos,e a sintonia que temos…”
O bandolinista, compositor e arranjador Luis Barcelos participou do show de encerramento do 1º Santos Jazz Festival, dia 17/06 do corrente, no Teatro Coliseu, como integrante do Yamandú Costa Trio.
Em espetáculo único – sob o comando do exímio violonista Yamandú Costa - os músicos Luis Barcelos (bandolim de 10 cordas) e Rogério Caetano (violão 7 cordas), que o acompanharam, formando o trio musical, esbanjaram criatividade e improvisação, brincando com as possibilidades expressivas que os instrumentos e a música possibilitava.
Sem dúvida um show que demonstrou novos caminhos para a música popular instrumental brasileira. No fim da apresentação, muito atenciosos, os três artistas atenderam a todos os presentes, ocasião em que combinamos a realização desta entrevista que agora publicamos em primeira mão, brindando os fãs internautas que acompanham e interagem com o Clube do Choro de Santos.
Luiz Pires – Como está o projeto de gravação do CD só com choros do flautista Plauto Cruz ?
Luis Barcelos – Como eu e o amigo violinista Rafael Mallmith, que também tomou parte no projeto, estamos viabilizando projetos mais antigos (nossos discos) do próprio bolso, tentamos conseguir o valor financeiro necessário para a realização do Cd registrando algumas das mais importantes obras do grande Plauto Cruz através do sistema de financiamento coletivo e infelizmente não alcançamos o objetivo. Tentamos outras formas de fazer mais ainda não conseguimos. Temos que nos preparar para poder dedicar um tempo a esse projeto novamente, com a mesma atenção que demos à época da primeira tentativa.
Luiz Pires – Podemos afirmar que existe um sotaque gaúcho no choro, ou seja, um modo peculiar de tocar choro no Rio Grande do Sul ?
Luis Barcelos – Com certeza ! Comecei a notar isso quando iniciando os primeiros toques no bandolim, tive muitas dicas do grande bandolinista gaúcho Henry Lentino, e percebia como ele abusava nos ornamentos na sua interpretação. As acentuações das frases pareciam muito com a forma que o gaúcho fala. Isso me marcou muito. O próprio Yamandú tocando choro é assim. É difícil, para nós, definirmos isso bem. São sutilezas.
Luiz Pires - Quando você improvisa no choro usa o método e o fraseado do jazz ou improvisa com a rítmica brasileira ?
Luis Barcelos – Primeiramente penso que essa questão é muito delicada. Não uso, nem pretendo usar o fraseado “do Jazz”. Mas o jazz é uma forma de música que inspira muito a fluência fraseológica. Estudar escalas, em minha opinião, tem por principal objetivo identificar a função dos acordes de uma “progressão harmônica”. E estudando isso no braço do instrumento, temos mais possibilidades. É natural que no começo, quando começamos a conhecer as possibilidades que temos, queiramos fazer tudo o que não sabemos… porque quando já dominamos bem um assunto, utilizamos na hora mais adequada. Comigo não é diferente. Hehe !
Comecei a improvisar repetindo as frases do choro e suas estruturas. Com o tempo foi ficando mais natural. Daí fui percebendo que o difícil era entender e reproduzir nos improvisos frases típicas de canções, que tem intervalos maiores, etc…
O estudo de paterns de jazz não dá isso não tem essa prioridade. É um estudo que nos ajuda a entender essa forma organizada da escala no braço do instrumento, mas cada músico pode escolher ou “moldar” o que lhe agrade mais esteticamente.
Hoje procuro aliar os conhecimentos à música que toco que já foi composta e merece respeito. Quando o objetivo do trabalho é a improvisação fico mais à vontade para usar as ferramentas que tenho. Não sou um especialista, por isso, sinceramente não tenho dedicado tanto tempo a esse tipo de estudo sistemático.
Sou fã do Ronaldo do Bandolim improvisando no Choro !
Luiz Pires - Podemos afirmar existir um monopólio mundial da escola italiana de bandolim? O que diferencia da escola do bandolim brasileiro ?
Luis Barcelos – Não sou a pessoa mais indicada para falar do possível monopólio, pois não conheço tão bem a situação do bandolim fora do Brasil.
O que posso dizer é que o bandolim italiano é o precursor, tem métodos e escolas. Como alguns compositores da música clássica utilizaram esse bandolim em suas obras, as orquestras recorrem a músicos que estão inseridos nesse meio. É natural.
O bandolim brasileiro por sua construção mais à moda portuguesa nos possibilitou Jacob do Bandolim. Toda a técnica desse gênio se desenvolveu nesse instrumento também diferenciado. Já toquei algumas vezes com orquestras peças como “Das Lied Von der Erde” de Gustav Mahler, e as partes de bandolim são minúsculas perto dos outros instrumentos. E eu, nada acostumado com a regência e leitura daquelas partituras cheias de pausas e “deixas” dos outros instrumentos, agradeci a Deus por não ter uma pasta cheia para ler. Hehe ! Dessa forma quero dizer que compreendo um pouco a escolha dos músicos da escola italiana.
A escola do bandolim brasileiro ainda é que nem grande parte da música popular brasileira, não está ainda organizada em documentos e estudos sistematizados. Até mesmo porque muitos de nós fazemos coisas que não sabemos explicar… não é ? Os ornamentos, o trêmolo de Jacob do Bandolim, os acordes utilizados nas músicas de Nazareth, o acompanhamento, o bandolim de 10 cordas… O bandolinista brasileiro também tem que se inserir e temos que organizar nossos estudos, para podemos conviver e interagir, inclusive com o meio acadêmico.
Luiz Pires - Aqui em Santos tivemos grandes bandolinistas como Walter Caetano, Jacozinho, Oswaldo Bartolotto, já falecidos, sem que houvesse renovação de bandolinistas. A que você atribui certo desinteresse dos músicos mais jovens pelo bandolim?
Luis Barcelos – Penso que isso é localizado, pois no Rio e Porto Alegre vejo um grande interesse dos jovens pelo bandolim.
Luiz Pires – A Escola de Música da UFRJ criou inédito curso de Bacharelado em Bandolim. Como você enxerga essa iniciativa ?
Luis Barcelos – É uma conquista maravilhosa que deve se expandir para o Brasil inteiro! Estive presente na aula inaugural que teve um discurso do grande Joel Nascimento. Fiquei muito feliz quando Joel enfatizou a importância do curso acadêmico de bandolim da UFRJ firmar as características do bandolim brasileiro, junto da escola italiana. Ele ainda disse que se os compositores clássicos que escreveram para bandolim tivessem à disposição o instrumento dos dias de hoje, com certeza teriam composto muito mais para ele. Também gostei muito da abordagem do professor Paulo Sá que trata do bandolim no mundo. Bluegrass, bandolim “erudito” italiano, choro, etc…
Luiz Pires – Tomando o estilo interpretativo de Jacob do bandolim como referência na forma de se tocar o instrumento, na tua visão como era antes de Jacob e como ficou depois dele ?
Luis Barcelos – Jacob trouxe expressão ao bandolim, ele era um cantor. Os ornamentos, de dificílima execução de que falamos, serviram sempre para evidenciar isso. O glissando que ele fazia no meio das frases, sem falar da liberdade rítmica, flutuava sobre a base. Seu trabalho com a obra de Nazareth também foi primordial para a identidade do instrumento.
Luiz Pires - Qual a vantagem do bandolim de 10 cordas ? Quem é o seu luthier ? Que encordoamento você usa ? Tem alguma dica para melhorar o som das cordas? E captador ?
Luis Barcelos – O bandolim de 10 cordas além de aumentar a extensão da região grave, tem um timbre diferente do bandolim de 8 cordas. Não tem o mesmo brilho, parece com a bandola em alguns momentos. É uma beleza diferente. Uso um bandolim de 10 cordas de 2010 do Tércio Ribeiro, da 1ª à 4ª uso cordas Rouxinol e o no 5º par uso cordas Elixir Bronze Nanoweb, a 6ª corda de violão de aço. Eu troco as cordas com muita frequência. Quando estou trabalhando bastante troco diariamente o 3º e 4º pares e os demais com no máximo uma semana de uso. Uso um microfone DPA 4099G e quando necessário misturo com o captador, que é um fishman SBT-E ligado a um pré-amplificador da Presonus.
Luiz Pires – Luís nos impressiona a precisão e velocidade da palhetada que você executa. Como você faz para não deixar de expressar o sentimento ?
Luis Barcelos – Procurando ter sentimentos para expressar. Penso que a música é muito mais que nós músicos. Somos instrumentos também… A música é uma expressão artística que expõe muito quem somos, e a sintonia que temos… No meu repertório gosto muito de músicas assim, mas também gosto de improvisar de uma maneira mais “cantada” em músicas mais rápidas, choros sambados, por exemplo. Gosto muito do glissando, admiro muito o glissando dos sopros. Sempre tentei imitar o glissando do saxofone ou acordeon no bandolim. Viverei tentando…hehe ! A forma de Jacob tocar com trêmolo é linda também !
Luiz Pires - Que mensagem você deixa para nossos alunos da Escola de Choro e Cidadania “Luizinho 7 Cordas”, que é mantida pelo Clube do Choro de Santos ?
Luis Barcelos – Quero dizer aos companheiros da Escola de Choro e Cidadania “Luizinho 7 Cordas” que continuem esse caminho de amizade e estudo que o choro proporciona como música coletiva que é. Estudem com gosto e aprofundamento, não para o orgulho das palmas, mas, para o bem que a música pode fazer através de suas mãos, com responsabilidade e humildade. Grande abraço com carinho do companheiro, Luis Barcelos.
Luiz Pires - Obrigado xará, em nome do Clube do Choro de Santos, pela entrevista!