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Entrevista Hamilton de Holanda


Por Eugênio Martins Júnior

Fotos Luiz Fernando Costa Ortiz.

Foi uma noite para recordar. Dois dias após Santos completar 465 anos em  26 de janeiro. A comemoração foi com boa música com Hamilton de Holanda, Daniel Santiago e André Vasconcelos.  O Teatro Municipal, palco de tantos eventos culturais importantes, estava há um tempo fechado para  reformas de platéia e palco. Começou bem 2011.


A idéia de trazer Hamilton De Holanda surgiu quando assisti ao show do bandolinista e seu quinteto – Márcio Bahia (bateria), André Vasconcelos (baixo), Daniel Santiago (violão) e Gabriel Grossi (Harmônica) – no Rio das Ostras Jazz e Blues Festival, em 2007.

Idas e vindas, as datas nunca batiam. Arriscar trazê-lo por conta própria nem pensar. Artista que não aparece na televisão os empresários santistas não querem nem saber em patrocinar. Fazer o quê?


Houve ainda, entre os moradores da cidade, aqueles que reclamaram junto à ouvidoria, porque a cidade optou em trazer o “desconhecido” Hamilton de Holanda em detrimento de um ou outro grupo da música Neo (ou New?) Sertaneja. Digo a essas pessoas: “Fica em casa assistindo o Big Brother enquanto a  caravana passa”. Cabe aqui o desabafo.

Em setembro do ano passado encontrei com o Luiz Pires na Tarrafa Literária – outro evento realizado na raça pelo livreiro José Tahan – e disse a ele que gostaria de trazer o Hamilton de Holanda a Santos e queria uma parceria com o Clube do Choro. Luiz topou na hora.

A oportunidade real surgiu em dezembro de 2010 e 28 de janeiro de 2011 o trio pisou no palco do Municipal. A parceria entre a Prefeitura Municipal de Santos e o Clube do Choro proporcionou um show gratuito e histórico. A produção do espetáculo foi do Mannish Blog e a ousadia de fazer diferente foi da equipe da Secretária de Cultura, que entende que arte, cultura e entretenimento andam de mãos dadas. Enquanto todas as cidades de Baixada Santista apostaram na mediocridade, Santos mostrou porque continua sendo o carro chefe da cultura na região.

É fácil pensar em superlativos depois de assistir a um show de Hamilton de Holanda: gênio e virtuose são alguns. Mas o resultado de tudo isso, além do talento, é claro, é trabalho duro. Nos dias seguintes ao show em Santos, Hamilton de Holanda já tinha compromisso. Lançamento do CD Gismonti Pascoal, em São Paulo. Uma semana depois já estava na Europa.

Também está sempre gravando, só no último ano foram três CDs, os dois acima citados, mais Sinfonia Monumental. Três trabalhos distintos. Gismonti Pascoal, como o nome revela, é uma homenagem a dois grandes nomes da música instrumental brasileira. Esperança foi gravado ao vivo em umas das turnês pela Europa. Sinfonia Monumental é uma ode a Brasília, cidade que o adotou. Conta com a participação de seu famoso quinteto e a Orquestra Brasilianos e com a regência do maestro Gil Jardim. Uma obra em cinco movimentos.

No show do dia 28, Hamilton que pisava em Santos pela primeira vez, diversificou. Tocou temas seus: Um Byte 10 Cordas, Caos e Harmonia (quinto movimento da Sinfonia Monumental), Pros Anjos e Pedra de Macumba. E temas dos outros, maravilhosas versões dos afro sambas de Baden Powel e Vinicius de Moraes, entre eles: “Canto de Iemanjá” e “Canto de Ossanha”;” Beatriz”, do Chico Buarque de Holanda e Edu Lobo e tantas outras belezas.

A intenção era fazer essa entrevista na volta do Aeroporto de Cumbica. Oportunidade ideal, pegar o artista na van, com a paisagem da descida da  Serra do Mar ao fundo, como já havia feito com Rosa Passos. Mas a conversa enveredou por produção cultural e depois para política e aí… Então, após o show, entre um copo de chopp e outro, em um bar barulhento, Hamilton gentilmente concedeu essa entrevista exclusiva.

Por último, mas não menos importante, gostaria de registar a presença na platéia dos músicos e amigos José Luiz Barbosa, Milton Medusa, Matheus Martins, Canduta, Débora Gozzoli e Izzy Gordon, Nadja Soares e seus respectivos maridos e produtores Edu Silva e Ademir. Abraços a todos.

Eugênio Martins Jr – Começo com uma provocação porque sei que você não gosta de responder a essa pergunta. A música que você faz é choro, jazz ou samba? Ou até quando está com o quinteto chega a parecer heavy metal tamanha a potência. Onde entra nisso o teu lema: “O moderno é tradição”.

Hamilton de Holanda – A música tem o poder de cura, de te levar pra outras épocas, te lembra pessoas. Na verdade eu uso da música pra isso, pra arrepiar o cabelo, pra emocionar. Confesso que não me preocupo em classificar se é rápida, se é lenta, se é rock. A verdade é que a energia que as melodias têm, elas passam no corpo, o corpo se mexe, as pessoas que vêem aquilo ficam com vontade de se balançar também. Mas tem as coisas mais lentas, enfim, naturalmente nasci no choro e mesmo que eu não queira a essência da minha música passa por aí. Acho que é tudo isso que você falou. Uma coisa que é importante é que como eu cresci em Brasília, sou brasiliense de cidadania, é uma cidade que não tem tradição, imagina. A tradição da cidade é não ter tradição, então a facilidade que a gente tem de misturar as coisas é muito grande. Deixe que os especialistas classifiquem.

EM – Você passa mais tempo na Europa do que no Brasil, como tem sido o retorno desse investimento, essa evolução da tua música no estrangeiro?

HH – Tenho sorte de ter ganhado um bandolim quando era pequenininho e ter podido levar essa música no bandolim pro mundo. E sou sempre muito bem recebido. E as pessoas têm a curiosidade em conhecer e os que conhecem “tietam” pra valer, sabe? E lotam os shows e existe uma simpatia pelo Brasil em primeiro lugar. Existe uma admiração pelas coisas sérias do Brasil. Porque tem essa coisa de que o Brasil é o país do futuro, o Brasil é aquilo, nós mesmos falamos mal do nosso país. O importante é que a gente veja o defeito para melhorar o país. Mas as coisas quando são feitas de maneira sérias, são admiradas, valorizadas. É sempre muito bom. A França é muito especial, a Holanda também. A Áustria, Itália, Finlândia.

EM – Há algum show em especial nesses lugares que você não esquece?

HH – São tantos, cara. O primeiro que me vem à cabeça foi um show que fiz em Jerusalém, na torre de Davi, dentro da cidade velha. Pô, foi demais, foi sensacional.

EM – E no Brasil onde, na minha opinião, a música instrumental é considerada o patinho feio da música brasileira?

HH – Não sei se é o patinho feio Eugênio. Acho que, de alguma maneira, isso já está ultrapassado porque a juventude está se interessando a tocar um instrumento, em aprender a tocar o bandolim. Aprender a tocar cavaquinho, violão. Isso aí garante o futuro dessa música que o Pixinguinha inventou de alguma maneira, que o Hermeto deu continuidade, que o Egberto, o Baden, o Jacob (do Bandolim), não é…? Eu de alguma maneira estou dando a minha contribuição.

EM – Vi um show seu com o quinteto no festival de Rio das Ostras, foi em 2007, e vocês botaram as pessoas que estavam assistindo de pé. Acho que tinha ali umas 10 mil pessoas. Nunca havia visto isso antes.Por isso que eu falo que com o quinteto a tua música é heavy metal. Você se lembra desse show?

HH – Lembro claro, maravilhoso. Já tive a oportunidade de fazer alguns com esse tipo de pegada. Aberto assim, pra 5 mil, 10 mil pessoas. A gente tem de chegar com outro espírito, porque o som é mais alto, a coisa é mais dispersa também. Não aquele detalhe de um teatro, por exemplo. Tem de ser porrada. É uma coisa física também. O Som alto, o coração bate junto com o som. Tenho uma certa intimidade com esse tipo de show e gosto de fazer também. Aquele dia foi especial, foi muito bacana.

EM – Você acaba de lançar um disco chamado Esperança, gravado ao vivo na Europa. E lança amanhã (29/11/2011) em São Paulo o Gismonti Pascoal, em parceria com o André Mehmari. Gostaria que você falasse sobre cada um deles.

HH – O Esperança é especial pra mim, porque registrou um momento de turnê na Europa que eu visitei países muito diferentes: Finlândia, Áustria, França. E, apesar de ser o mesmo repertório, como o público é diferente, eu também me comporto diferente no palco. Toco de uma maneira diferente. Tanto que na hora de escolher nem fui para ver qual era o melhor take de cada lugar. Escolhi um de cada e pronto. Porque pega essa atmosfera dos aplausos. Cada lugar tem um negócio da duração dos aplausos, né? Quando gosta mais, quando gosta menos. E foi bacana. Mostra um pouco a coisa do trabalho. Do lavoro mesmo com a música. Não só a coisa romântica, é claro que tem, mas tem a coisa do dia a dia, de acordar cedo, ir pro aeroporto botar mala, chegar no hotel tomar um banho, ir pro teatro passar o som. É mostrar um pouco disso assim, que estou sozinho.

O Gismonti Pascoal é uma espécie de reverência, um pouco de criatividade e ousadia. Pegar a obra dos caras que já são tão consagrados e fazer… no começo a gente pegou: “Temos que tocar a coisa mais certinha, os temas, aquelas melodias e tal”. Depois a gente falou: Não, pô, a gente tem o que falar também. Então vamos dar nossa interpretação”. Foi ótimo, eles participaram também, o Hermeto fez uma loucura lá com a gente, o Egberto gravou um violão lindo. É um disco que tem um potencial comercial grande, porque os caras são muito conhecidos e a gente já tem uma história também. Estou esperando coisa boa aí.

EM – É o segundo disco que você grava com o André Mehmari. Gostaria que você falasse sobre isso, sobre essa parceria.

HH – Bicho, o som de piano com bandolim é tão bonito, né? Acho que parte daí, a música toca a gente de maneira muito especial e a conversa com o André, é conversa não é dialogo. Parece que a gente toca mais com o ouvido do que com os dedos, com as mãos. É mais ouvir o que o outro tem a dizer e aí fala e fala. O outro fala também, enfim o resultado musical é sempre muito saudável.

EM – Vocês ganharam o cenário da música brasileira relativamente na mesma época, após um prêmio importante da música brasileira, o qual o André ficou em primeiro e você ficou em segundo lugar. Rola algum tipo de brincadeira com relação a isso?

HH – Você acredita que a gente nunca falou disso? Ele não sacaneou até hoje e eu também não sacaneei, porque os jurados já o conheciam e não me conheciam. Acho que prêmio é sempre gostoso, por que, todo mundo quer ganhar, mas só um ganha. Mas o objetivo é que é o mais legal, todo mundo se encontrar e fazer música. Depois eu tive outras oportunidades de ganhar prêmio da música brasileira, prêmio na França. Mas aquele Prêmio Visa pra mim, na carreira, tem uma importância porque foi o ano do meu primeiro disco solo. Depois dele abriu assim a carreira. Saiu matéria importante em um grande jornal. Foi bacana.

EM – Você grava com freqüência e com muita facilidade, a ponto de gravar um CD com o gravador portátil em meio às turnês internacionais, o Íntimo. Você tem essa necessidade de registrar tudo?

HH – Olha, posso até parecer pretensioso, mas a história está sendo feita agora. A gente não pode esquecer que o que a gente está fazendo, o que eu estou fazendo, no caso, está influenciando uma juventude grande, entendeu? Todos os luthiers do Brasil já fazem bandolim de dez cordas depois que eu inventei. Então não posso me fazer de humilde demais e esquecer que isso também virá referência um dia para outras pessoas. Então tem que gravar. Algumas coisas são boas, outras são mais ou menos, outras são melhores e no final das contas, o conjunto da obra vai ser legal.

EM – Quanto tempo os brasilianos estão juntos e como você reuniu esse time?

HH – Somos amigos de infância, a moçada de Brasília. Tem foto do Gabriel com sete anos de idade com o André, na escola. Foi uma coisa que foi se fortalecendo no Rio, todos foram pro Rio e aí precisava tocar, precisava montar um grupo. A gente montou um quarteto e o Gabriel ia sempre como participação especial. Isso foi em 2003, já tem bastante tempo. O Bahia conheci antes, em Brasília também. Brasília é demais, né cara? É uma cidade onde é tudo perto. “Vamos tocar agora, vamos ensaiar!” Um estava na 905 norte, o outro estava na 103 sul, mas em cinco minutos um estava na casa do outro. Então, essa coisa ajudou muito para desenvolver o grupo, a gente tocar, composição.

EM – Uma artista que eu tive a oportunidade de trabalhar duas vezes e que mora em Brasília é a Rosa Passos. Além de uma grande artista é uma grande pessoa. Você a conhece pessoalmente?

HH – Ela mora no prédio em frente ao do meu pai, 308 norte. Quando eu estava começando a fazer uns shows grandes lá em Brasília, a Rosinha meio que “amadrinhou” o negócio. Depois aconteceram algumas coisas, participamos de um concerto com a Orquestra Filarmônica lá em Brasília, já nos cruzamos na Europa, acho que uma vez na Espanha e uma na França, então é uma pessoa das minhas queridas.

EM – E é uma das artistas que leva a música brasileira lá pra fora e tem a maior moral.

HH – Sim, a música dela é sofisticada e simples ao mesmo tempo e o time dela também é maravilhoso.

EM – Eu conheço a história, mas eu quero registrar aqui. Como foi o nascimento desse instrumento, o teu bandolim de dez cordas.

HH – Via um violonista tocar, um pianista e morria de vontade de fazer com o bandolim a mesma coisa que eles faziam, que era fazer um concerto com um instrumento. Fazer melodia, fazer harmonia, fazer ritmo, tudo junto. Comecei a fazer em um bandolim normal, mas sentia a necessidade de um som um pouquinho mais grave, mais notas. Aí pedi pra um cara de Sabará, um amigo e um grande luthier, chamado Virgílio Lima, aí eu pedi pra ele que nunca tinha feito: “Bicho faz um bandolim de dez aí, mas usa aquelas madeiras mais baratas, porque se não ficar bom a gente joga pro alto”. (Risos). Sei lá, vai que dá errado. Mas ficou excelente o instrumento e virou meu instrumento oficial. Fez dez anos.

EM – Você só tem esse?

HH – Não, tenho três. Por ele tenho um e tenho mais dois feitos pelo Tércio, um luthier lá do Rio. O mesmo que faz o cavaquinho do Henrique Cazes, o violão do Yamandú, do Marcelo Gonçalves, faz instrumento de um monte de gente. Muito bom ele, criterioso, detalhista. É um artista.

EM – Estamos em janeiro de 2011 o que a gente pode esperar do Hamilton de Holanda pra esse ano?

HH – Olha, é fazer o que já tenho feito. Não tem muito mistério, não. Levar essa música bonita do nosso país, sabe, chegar ao palco e dizer esse é meu lugar. Fazer isso. E como ser humano tenho os meus desejos também. Fico pensando que será que um dia eu vou conseguir ver o mundo sem fome. As pessoas ter o que comer, escola, essas coisas básicas. Penso muito nisso. Não sou um autista. Não fico pensando só na minha música. Faz parte do meu futuro. Fazer minha parte através da música e ver um mundo mais justo.

EM – Já que estamos falando nisso, uma vez eu perguntei ao Stanley Jordan o que ele achava da eleição do Barack Obama, nos Estados Unidos. Vou aproveitar a deixa e perguntar para você. O que achou e o que espera do governo da Dilma Roussef?

HH – Desejo sorte a ela e espero realmente que seja um ótimo governo. Tem um significado forte uma mulher presidente. Estava vendo a foto, a faixa presidencial em uma pessoa de vestido. É diferente ver isso no Brasil. Espero que o significado se transforme em ações verdadeiramente importantes para o nosso país.


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