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Ze Barbeiro

18 de setembro de 2009, nos camarins do Teatro Guarany, em Santos, entrevista com Zé Barbeiro para o site do Clube do Choro de Santos.

MARCELLO: Zé, a primeira pergunta que eu queria te fazer: de profissão você é barbeiro e músico. Você exerce as duas profissões ou só é músico…!

ZÉ BARBEIRO: Primeiramente o meu boa noite a todos. A minha profissão foi barbeiro durante trinta anos e eu comecei exercer, intercaladamente assim, choro, a música em si, a música e a barbearia por volta de 1980, por aí, nos anos 80 e eu parei com a barbearia em 1995, mais ou menos, e de lá pra cá eu exerço só a minha profissão que é só música mesmo.

MARCELLO: E você, mesmo no tempo em que exercia sua profissão de barbeiro, já tocava ou veio aprender depois…?

ZÉ BARBEIRO: Não! Já tocava, a minha formação é popular, veio de uma formação desde a época da Jovem Guarda tocando guitarra, conheci o choro por volta de 1970, o primeiro choro que eu ouvi…se eu ouvi antes não me lembro…mas que me marcou o primeiro choro foi por ocasião da morte do Jacó (do bandolim) em 1969, foi quando o rádio deu, de certa forma, uma nota, tocou um choro ou dois e tal, depois ali também já parou né, mas eu ouvi o choro, eu ouvi inclusive um choro chamado “Tira poeira”, gravação de Jacó e eu fiquei abismado com a qualidade da música porque eu tocava guitarra, ié ié ié, e a música jovem por ser bonita que é a minha época e tudo, mas, tecnicamente ela é bem inferior ao choro. Aquilo passou, eu era solista de um conjunto jovem da época, eu era guitarrista, mas tocando música de ié ié ié, né! Então, em 1972 – 1973, mais ou menos, eu conheci o Milton da Silva, um cidadão que toca choro, que era bandolinista e o João Macacão, por acaso, num festival de música em Osasco, conheci os dois e eles estavam no camarim tocando choro. Foi quando eu vi, pela primeira vez, um violão de 7 cordas. Fiquei tão apaixonado pelo “7 cordas” e a maneira de se tocar o choro, que naquela semana mesmo eu já desfiz da guitarra, já saí do grupo e me dediquei…até então eu tinha um violãozinho de 6 cordas…eu afinava a 6a. em dó, que era pra dar aquele bordão né, que o 7 cordas…eu não tinha dinheiro pra comprar um 7 cordas. Mas o tempo foi passando, o tempo foi passando e eu levei um tempo até comprar o meu primeiro violão de 7 cordas…eu devo registrar aqui que o João Macacão me deu todo o apoio do mundo e ele foi o primeiro que eu vi tocar e, realmente, o primeiro que me deu a chance de tocar, me convidando aonde ele tocava né, ele já tocava na noite na época, e ele falou assim: “pô Zé, você tem condições de tocar choro bem, começa a frequentar as rodas de choro e tal…”! E eu fiz. Ele mandou comprar tudo quanto era relacionado a Dino (Horondino Silva)…


MARCELLO: Que sempre foi a maior referência de violão 7 cordas no Brasil…

ZÉ BARBEIRO:
De todos os 7 cordas…! Ele me deu inclusive nome de discos da época do vinil e eu procurei e comprei, fui comprando tudo relacionado a Dino eu comprei e fui estudar, ou seja, ficava o dia inteiro na barbearia, eu trabalhava na barbearia e ficava com o violãozinho ali, não tinha cliente eu ficava com o violão e aquelas…tú lembra aquelas vitrolinhas pequenininhas que era duas partes assim né, era vitrolinha de parque, o pessoal ia pro piquenique e tal…! Eu ficava o dia inteiro com aquilo ligado, ao ponto do meu pai encher o saco…meu pai falava assim: “você não enjoa disso, você só ouvi isso, você não enjoa…”!

MARCELLO: Seu pai era músico também…?

ZÉ BARBEIRO: Meu pai tocava acordeon, mas, “male male”, assim, um forró…! Ele sempre foi apaixonado por Luiz Gonzaga, até hoje…ele não exerce mais a profissão…meu pai ainda é vivo, graças a Deus, só que tá velhinho, 81  anos, não toca mais acordeon mas ele…não tocava nada, muito pouquinho…ele tocava forró. Mas ele pegava no meu pé, no bom sentido, assim, ele falava: “você não enjoa disso, você só ouve a mesma música sempre, todo o dia a mesma coisa…”! Aí é que tá né, o pessoal as vezes não vê o esforço que o músico faz pra poder aprender, a dedicação pra poder aprender aquilo que ele gosta, enfim…! E daí eu, até então, só estudava mesmo e comecei a frequentar a noite, eu ia…ninguém tinha carro naquela época né, era uma época difícil, ninguém tinha carro, eu pegava o ônibus velho lá e ia pra Pinheiros e, antes do último ônibus, que era por volta da meia noite assim, eu já ia embora, eu via pouco o João Macacão tocar…

MARCELLO: Senão você não chegava em tempo…você perdia a condução…!

ZÉ BARBEIRO: Perdia e tinha que ficar na rua né, até as sete horas da manhã…! Mas todas as vezes que eu ia na cidade, o João sempre deixava eu dar uma canja no violão dele, né! Então aquela música que eu ensaiei mais, tipo “Noites cariocas”, “Pedacinhos do céu”, “Sofres porque queres”, eu ensaiava…

MARCELLO: O repertório clássico do choro…!

ZÉ BARBEIRO: Clássicos do choro! Aí o pessoal tava lá tocando eu falava assim: posso dar uma canja aí…? E o João dava o violão e com isso eu fui me soltando, de uma certa forma, e o pessoal foi me conhecendo né, tinha um bandolinista, o Gentil do bandolim, o bandolim que tocava com o João, o velho Américo que era gente fina, que infelizmente já se foram, mas eles sempre me deram força…”pega o violão, toca aí, toca aí rapaz o violão” e eu até ser tido assim como profissional, demorou…! Demorou, foi tipo em 86! 84 eu já tocava no Clube do Choro mas era aos domingos, na Rua do Choro, em 84 também eu entrei no “Vou Vivendo”, senão me falha a memória foi a partir de 84, realmente, que eu ingressei na noite, que aí eu fiquei tocando no “Vou Vivendo” de segunda a segunda, com um time de respeito, que era o Carlos Poyares, Tavinho do cavaquinho, Rui do sax, Dárcio do pandeiro, Wilsinho do bandolim, o Xixa, pôxa era um time de respeito, infelizmente, já se foram todos, só ficamos eu e o Wilsinho.

MARCELLO: Você seguiu, curiosamente, os passos do Evandro, porque você é alagoano, veio pra São Paulo, está fazendo sua carreira em São Paulo, assim como o Evandro veio…o Evandro era paraibano, se não estou enganado, veio para o Rio de Janeiro, do Rio de Janeiro veio pra São Paulo, aqui se fixou, fez a carreira toda e se consagrou como um dos grandes bandolinistas de Sampa. Você conviveu muito com o Evandro, eu presumo…!

ZÉ BARBEIRO: A minha convivência com o Evandro foi pouca…! Eu frequentei muito a Del Vecchio, da qual ele era representante, músico lá né, eu frequentei muito a Del Vecchio, mas, em si, a minha história musical com ele foi mais do “oba-oba”, assim, “ô Zé Barbeiro, como vai…”, “ô Evandro, tudo bem…”, mas nunca tive oportunidade de tocar com ele em nenhum evento. Toquei sim, com ele, em roda de choro feita na Del Vecchio, mas eu poderia dizer pra você, com certeza, que o meu convívio musical com ele foi muito raro, muito pouquinho. Conheci muito ele, mas não tocando.

MARCELLO: E me diz uma coisa: o que você acha daquela manifestação que acontece há muitos anos na Contemporânea, que mantém essa chama acesa, a roda de choro mais tradicional de São Paulo. Você frequenta de vez em quando?

ZÉ BARBEIRO:
Eu frequentei já, hoje não frequento mais…! Não frequento mais por motivo de trabalho até, né! As vezes não coincide horário, como eu trabalho na sexta-feira a noite, chego em casa de madrugada e lá começa as nove da manhã. Nove da manhã tô num prego desgraçado e depois a tarde vou trabalhar também no sábado, aí não dá…! Mas frequentei muito a Contemporânea. Sobre a pergunta do que eu vejo daquela roda, ali é um espaço destinado – na minha visão – é um espaço que foi muito bem aceito e muito bem conduzido, vamos dizer assim, pelo “seo” Miguel (Miguel Fasanelli) e sob a batuta do Arnaldinho. O Arnaldinho é o cabeça, é o pensante ali dentro, né…!

MARCELLO: Ele é o que segura a roda…!

ZÉ BARBEIRO: Ele é o que segura a roda! E aquilo lá é um chamariz de todos os músicos de outros…de outras esferas da nossa…

MARCELLO: De outros estados, inclusive, que vem gente de todo o lado…!

ZÉ BARBEIRO: Exatamente! Do Rio, de Pernambuco, de Brasília, pergunta-se: “onde tem uma roda de choro, Contemporânea, onde tem uma roda de choro, Contemporânea”, e o pessoal vai lá! Infelizmente, hoje, o pessoal pode falar que eu não tenho papa na língua, mas não é isso, é o real. Infelizmente foi aberto de uma forma estranha, eu acho. Abriu-se muito o espaço para amigos e esses amigos, no final, embora todos queiram o mesmo objetivo que é o choro, mas esses amigos, no final, andou dispersando aqueles músicos que, realmente, tinham valor maior, vamos dizer assim, com toda a honestidade, não menosprezando esse ou aquele, mas nós temos na música uns degraus! Tem uns que estudam mais e outros que estudam menos, tem uns que trabalham e outros que trabalham menos. Então a roda de choro, há um tempo atrás, eu diria, tipo assim, uns dez anos atrás, vamos dizer assim…

MARCELLO: Ela tinha mais qualidade do que tem hoje…?

ZÉ BARBEIRO: Muito mais…! Ali era frequentado constantemente por Carlos Poyares, pelo Izaías, pelo Luizinho, pelo Israel, Edmilson, o Zequinha e o pessoal do Rio que vinha ali, dizia: “onde vou, vou lá, porque? Porque lá tem uma baita roda de choro”! Eu cheguei a presenciar o grupo Época de Ouro inteiro, cheguei a presenciar o Dino tocando, o pai do Paulinho da viola, o Cesar Faria, o Jorginho tocando ali numa roda incrível, presenciei o Ronaldo do bandolim tocando lá…

MARCELLO: Aliás eu estive com ele uma vez lá…!

ZÉ BARBEIRO:
Então, mas a partir do momento que o espaço foi aberto para muito amigo…você sabe que amigo é legal, mas espera, só que o amigo, as vezes, prejudica a gente, sem querer, porque ali, tudo bem é uma roda, mas o cara não tem o tal “semancol”. Como que é esse “semancol” que eu vou falar? É assim: tá tocando lá Dino e Luizinho, com todo o respeito a meus amigos, então, tudo bem…! Aí chega um cidadão, amigo também, mas ele não está naquele grau e aí ele chega, simplesmente tira o violão da capa e entra. Porque? Porque o espaço foi abeto pra eles e não teve alguém aí, não teve alguém que chegasse e falasse: “olha, deixa o pessoal tocar, depois vocês entram…”! Não teve! Que aconteceu…? De alguma forma foi passando o tempo e esse pessoal foi se afastando e aí você chega hoje lá continua a roda – eu as vezes indico pra gente que vem de fora – mas, com todo o respeito, já não tem a mesma categoria de antes.

MARCELLO: Aliás, eu vou dizer uma coisa pra você, não é diferente de outras rodas que acontecem em outros locais. O problema é exatamente o mesmo. É sempre assim! E eu acho que aconteceu na Contemporânea – essa abertura – foi dada justamente pelo Miguel que era um sujeito amigo de todo o mundo, sorriso largo, era incapaz de dizer “não” pra alguém, era um cara amoroso pra caramba…!

ZÉ BARBEIRO: O Arnaldinho – o Arnaldinho também – não tem boca pra falar nada de ninguém, ele segura as pontas…lá as vezes, eu já cheguei assim só pra olhar, de passagem, ia comprar algumas cordas, estava lá ele e mais quatro violões do lado, três cavaquinhos, três pandeiros, tudo tocando ao mesmo tempo, e eu olhando ele com aquela categoria dele…e outra: o cidadão…aí, por exemplo, vem o Ronaldo do bandolim, do Rio de Janeiro, vem o Maurício Carrilho, eles vão lá na roda, eles olham aquilo, eles não vão entrar, eles não vão entrar porque eles veem que, realmente, é uma roda de amigos né, que poderia ser melhor como era antes! Infelizmente tá assim hoje. Porque o Arnaldinho é uma figura muito querida e não vai falar nada de ninguém, ele não fala, toca pra caramba…!

ADEMIR SOARES: E na Praça Benedito Calixto, não tem uma roda de choro?

MARCELLO: Tem uma roda de choro aos sábados…!

ZÉ BARBEIRO: Mas não é roda, não é roda…! Lá já é profissional, eles tem cachê…

ADEMIR SOARES: Eles são contratados…!

ZÉ BARBEIRO: Aquele grupo que toca ali já faz muitos anos que está lá, sai um, morre outro…

MARCELLO: Não é roda espontânea…

ZÉ BARBEIRO: Não é, não é…! Eu chego lá se eu quiser e dou uma canja também! Mas tem aquele time que ganha, né, tem um cahezinho! Tem uma roda hoje, boa, essa é boa, que é a roda…

MARCELLO: Do Silvinho…?

ZÉ BARBEIRO: É, exatamente! No estúdio do Silvinho onde é encabeçada pelo Izaías. Essa roda é boa porque o pessoal que vai lá respeita muito o Izaías e ele, por ser meio, vamos dizer assim, meio “Caxias”…

MARCELLO: O Izaías é muito rigoroso…!

ZÉ BARBEIRO: É, e com razão!

MARCELLO: Também acho!

ZÉ BARBEIRO: Com razão, porque ele é um baita músico, tem uma história pra contar, inclusive de São Paulo, e aí não tem cabimento um cara que está estudando hoje, que não sabe o que é um bandolim, por exemplo, pegar no instrumento na frente dele e sair tocando tudo errado…

MARCELLO: Aí é problema…

ZÉ BARBEIRO: Não tem cabimento, né…! Então, ele mantém, ele é rígido mesmo…!

MARCELLO: E a roda do Manoel de Andrade, você recomenda também?

ZÉ BARBEIRO: Eu recomendei uma vez, mas parou…! Não parou a roda, parou a roda de choro, porque o Manoel é violonista clássico e é luthier também, aliás, bom violão, esse meu violão é dele.

MARCELLO: Aliás, o cavaquinho do meu filho é um Manoel de Andrade…!

ZÉ BARBEIRO:
É muito bom luthier…! Ele por ser um violonista clássico…os violonistas, pelo menos os violonistas que conhecem a ele, vão lá todos os sábados pra tocar, trocar figurinhas, tocar junto…! Antes os chorões iam todos lá, mas por motivos assim que ninguém sabe…tipo, eu mesmo não fui mais lá porque eu tinha trabalho, outro também tem trabalho, aí foi dispersando…o Danilo Brito era um assíduo frequentador e ele chamava músicos pra lá…”eu vou lá no Manoel de Andrade”…! Porque…! Nós vamos tocar lá, o Danilo Brito tá lá, vamos fazer um chorinho legal…”! Então, a partir do momento que ele começou a trabalhar muito, só tá viajando por aí, ele não tem ido mais lá. O choro é assim, cara, o choro vai se dispersando aos poucos, aqueles elementos que…uns morrem, outros tem trabalho e os que tocam…

MARCELLO: As rodas espontâneas vão dispersando e diminuindo…!

ZÉ BARBEIRO: Vão diminuindo…ela não diminui, mas a qualidade vai acabando, porque aquela garotada nova…

MARCELLO: Ainda não tem experiência…

ZÉ BARBEIRO: …para encarar aquilo e os que ficaram estão…vamos dizer, numa faixa etária igual à nossa, deixa por motivos de trabalho, vamos dizer assim…

MARCELLO: Eu acho que é o principal motivo, é trabalho…!

ZÉ BARBEIRO: Não estudou direito ou então é muito hobbie, o violão é hobbie, o choro também…o cara é apaixonado, mas o cara levou aquilo como brincadeira e ele vai hoje numa roda e entra lá por brincadeira, não é, tipo assim, vai chegar o Izaías, o Ronaldo do Rio de Janeiro, vai chegar lá o Jorginho do pandeiro…! Se eles veem um pessoal que, realmente, é amador mesmo, eles não entram. Então, por esse motivo, a roda não acabou…! Acabou foi a qualidade, eu acho. Até essa molecada nova que está estudando pra caramba chegar e encarar, vai demorar um pouco, né! Porque tem muita molecada boa hoje…

MARCELLO: Tem, realmente, tem…! E isso que eu queria te perguntar: o nível do choro, não só em São Paulo, como em outros estados, em outras localidades, vem melhorando e vem vindo uma moçada muito boa que, dentro de muito pouco tempo, eles vão estar arrebentando. Você acha isso também?

ZÉ BARBEIRO:
Eu acho que vou mais além ainda…! Eu estive em Belém do Pará – isso faz algum tempo já – com o Altamiro Carrilho e o prefeito, era uma festa – o prefeito levou o Altamiro Carrilho num bar e nesse bar não toca outro tipo de música, só choro! Ele começa sete horas da noite e termina sete horas no outro dia.

MARCELLO: Como é que é…!

ZÉ BARBEIRO: Sete horas da noite começa e termina no outro dia as sete horas…!

MARCELLO: Não me diga…! Doze horas de música…?

ZÉ BARBEIRO: Doze horas…!

MARCELLO: Direto…?

ZÉ BARBEIRO:
Se não tiver ninguém, os caras ainda fazem uma saideira lá pelas quatro horas da manhã, eles fazem uma saideira para ir embora, mas nunca não tem ninguém, sempre tem gente e eles só fecham quando não tem mais ninguém. Então, normalmente é assim, sete horas já começa o bar…! E nós, eu e o Miltinho Tachinha do bandolim, estávamos com o Altamiro; eu, ele e o Marcelinho Galani do pandeiro. A gente que acompanhava o Altamiro nessas ocasiões! Nós chegamos lá depois do nosso show, por volta de umas onze, onze e meia, mais ou menos, e nós saimos de lá oito horas da manhã, tocando choro…!

ADEMIR SOARES: Onde é, em Belém…?

ZÉ BARBEIRO: Em Belém do Pará…! É um bar que só toca choro, não toca outra coisa, não. Só choro! Se mudou hoje, mudou hoje! Mas porque eu estou falando isso já de uns quatro anos atrás, três-quatro anos atrás…!

MARCELLO: Não, não mudou, inclusive o movimento de choro, pelo que a gente tem notícia, em Belém é muito forte…!

ZÉ BARBEIRO: Então esse bar continua, porque a gente queria tocar algo diferente, então o Miltinho tocou uma bossa-nova, o pessoal não deu muita atenção, ninguém falou nada, mas deu pra perceber que estava fora da praia. Eles querem choro…! Eu tenho conhecimento, por exemplo, pelo Armandinho da Bahia, que lá o Edson 7 cordas, dos Ingênuos, ele tem presenciado a criação de alguns grupos de choro jovens, de gente jovem, estudando pra caramba e ele é tido lá na Bahia como o veterano do 7 cordas, todo mundo vai lá com ele pegar dicas; então, ele falou que está muito forte o movimento de choro. Em Pernambuco a gente tem o Marcos Cesar que é o maestro da Companhia de Cordas, o choro lá tem o Adalberto do bandolim, lá está forte pra caramba, e o ponto maior, como todos sabem, o pessoal fala do Rio mas não é o Rio, o ponto maior é Brasília…!

MARCELLO: É Brasília, sem dúvida…!

ZÉ BARBEIRO: Eu estive lá também em Brasília, no Clube do Choro, tem, sem dúvida nenhuma, duzentos alunos…!

MARCELLO: Tem até mais, lista de espera, inclusive…!

ZÉ BARBEIRO: Então, mas duzentos alunos em condições de tocar…! Tem mais, tem uns quatrocentos alunos. Mas assim, já em condição de tocar, de não fazer feio, tem uns duzentos! Tem aqueles que se sobressaem, já tocando, já viajando para o exterior, inclusive o Reco que é o presidente do Clube do Choro, o filho dele tem um grupo bom que acompanha todo mundo que vai do Rio pra lá. São eles que acompanham, molecada nova, molecada com dezoito-vinte anos.

MARCELLO: Eu acho que Brasília com a Escola de Choro Rafael Rabello e a Escola Portátil de Música do Rio de Janeiro, são as duas melhores escolas que estão formando muita gente. Da mesma maneira que tem esse contingente grande de alunos se formando em Brasília, tem muita garotada se formando no Rio. São dois trabalhos belíssimos, os que eu mais conheço, e devem existir outras escolas por aí fazendo esse mesmo trabalho, mas me parece que as duas são as mais destacadas. Você acha isso também…?

ZÉ BARBEIRO: Com certeza, eu acho mais ainda…! Por exemplo, eu vou citar um lance pra você: na década de…até 80, que foi onde eu ingressei mesmo nesse negócio de choro e tal. Eu comecei a perceber que, de 1995 pra cá, o pessoal começou a estudar e a música baiana, eu vou dizer assim, a música do norte e nordeste em geral, ajudou muito! Aí você me pergunta porque que ajudou? Pois elas são ruins de doer. Aquela música lá me mata! Axé, aquele negócio ruim, muito ruim…! Então se eu sou um cara que estou a fim de estudar um clarinete, sou a fim de estudar um bandolim, um violão, eu não vou aprender aquilo…! Não tem nada…o professor, todo professor vai falar assim: “vai estudar choro, você tem que estudar choro…”!

MARCELLO: Se quer aprender música…!

ZÉ BARBEIRO: Se quer aprender música, porque choro? Porque choro tem o que você aprender. Então eu acho que a música do norte-nordeste, no geral, ajudou muito porque a partir de 1995 pra cá, todo mundo está estudando! Você vê essa molecada que está aí, eles leem tudo! Quantos anos tem esse rapaz aí, o Rodrigo…! Tem trinta anos, o outro tem vinte e seis anos, o do pandeiro, o Léo, tem vinte e quatro anos, eles leem tudo. (Aqui, Zé Barbeiro faz referência aos integrantes do seus conjunto). Então, quer dizer, eles se importam em estudar, ao contrário de 95 pra trás, creio eu, que o pessoal ia tocar choro como prazer…”- não, que estudar nada…vamos chegar lá, choro é tudo improviso…”! Porque teve uma frase, se não me engano, do Jacó do bandolim que o Danilo Brito se batia muito comigo sobre isso. O Danilo Brito eu o aconselhei a estudar um pouco, estudar música, porque ele tem um potencial espetacular, pra estudar um pouco. Ele falou: “Ah, isso não precisa! Você não vê o Jacó, ele falou que choro é improviso, tem que vir da cabeça…”

MARCELLO: Isto sem dúvida, mas…!

ZÉ BARBEIRO: Claro, meu amigo, mas a partir do momento que começaram a me chamar pra gravar e colocaram a parte na minha frente aí eu vi que eu não era nada. Eu não sou nada ainda porque eu estudei pouco! A minha carreira toda foi dentro de uma barbearia porque o meu pai exigia que eu trabalhasse e, se eu tivesse alguma hora de folga, eu fazia o que eu queria, algum tipo de esporte ou algum tipo de música, alguma coisa…mas no outro dia eu tinha que estar na barbearia naquela hora. Essa era a regra do meu pai! Não estou falando mal do meu pai, eu agradeço a ele até hoje porque me considero um homem, e isso eu devo a meu pai. Só que o meu pai, ele via um baterista chegar lá na barbearia falando assim pra mim: “Zé, temos um baile pra fazer lá em Mairinque…! Cara precisava ir hoje, será que não dá pra você ir lá…”? Eu falava: “puxa, ô pai, eu vou sair mais cedo hoje”…! “Porque você vai! Você não tem vergonha, não? Você sair com esse vagabundo aí, você tem que trabalhar…”! E falava assim na cara do músico…(risos)! Então, quer dizer, a gente foi criado…eu mesmo fui criado, tipo assim, a música pra mim é hobbie, pega o violãozinho aí vinha uma garota e falava: nossa como você tá tocando bem! Pra mim já era o tal, né! Agora, hoje não! Eu não estudei, hoje não, todo mundo está estudando. A partir do momento em que eu fui ao estúdio e o cara falou: “ó, tem um samba pra você acompanhar aí, o cahê é tanto, dá pra você ir…”? Pô, legal, eu vou, claro! Como é que é o samba…! É do Paulinho…? Não! É do Noite Ilustrada…? Não! É do Martinho…? Não! É novo o samba, tá aqui a parte! Ih, meu Deus do céu, e aí…! Eu falava assim: “canta aí só pra eu ver como é”…! O cara falava: “Não! Aqui não tem esse negócio de “canta aí”…! A parte tá aí, ó…”! Aí eu me ferrei, eu não sabia nem pra onde ir. Aí é que eu comecei. Isso faz tempo, rapaz! Comecei a estudar com amigos…”olha, como é que é isso aqui, me explica…”! Comprei livros, por minha conta mesmo fui indo, estudando e tal…! Hoje eu não vou falar que chego em um estúdio e gravo. Não! Mas também não passo vergonha, entendeu! Já não passo vergonha. Se o cara falar assim: “ó, tem uma gravação lá”…eu já falo antes…o que é pra gravar”…! Ah, é choro! Mas qual é a linguagem, é Radamés? É! Então não dá pra mim, porque é muita encrenca, é muita nota, eu já saio fora. Agora, se for um choro meio que…  “dá uma olhada na parte”…! Aí eu vou lá olhar. Eu já não passo vergonha hoje, mas porque eu estudei e é o que tá fazendo essa molecada. Antigamente…quantos músicos que a gente conhece – uma grande parte já se foi e temos que relevar isso pela honestidade que temos com o elemento – o Carlos Poyares não sabia uma nota. Por esse motivo ele passou vergonha, um músico daquela qualidade, ele foi motivo de chacota, porque naquela época o cara ouvia e já saia tocando. “Você é bom pra caramba…”! Ele ouvia uma frase e já saia tocando. Só que é o seguinte: ele era bom mesmo, mas pra tocar assim, vamos ensaiar e vamos gravar lá, porque se pegasse uma parte…!

ADEMIR SOARES: O Zé levantou um aspecto interessante. Vou anotar e passar a olhar com outros olhos. E ratifica o ditado: “há males quem vem pra bem”…! Quando você falou esse negócio do axé e da lambada que foi um grande incentivo para o choro, porque o cara que escuta e quer aprender a tocar direito, é uma visão interessante! Que a gente sempre critica e continua criticando, mas teve esse lado bom dessa porcariada aí.

ZÉ BARBEIRO: Nunca ninguém falou sobre isso, eu é que analisei…!

ADEMIR SOARES: Exatamente, você está me dando uma visão que nunca imaginei que pudesse acontecer…! Isso leva as pessoas que gostam a dizer: eu não vou tocar essa porcaria, pois não precisa estudar pra tocar…!

MARCELLO: Eu também nunca pensei nisso…!

ZÉ BARBEIRO: Então veja bem! Hoje, por exemplo, a morte do Michael Jackson…! Ele morreu e aí é que eu fiquei sabendo, juro por Deus, aí é que eu fiquei sabendo que ele esteve no Brasil…

MARCELLO: Ele gravou com o Olodum…

ZÉ BARBEIRO: Aí eu te pergunto: o cara que é fã do Michael Jackson vai aprender aquela música…cadê a harmonia daquela música…

MARCELLO: Aquilo é percussão, ritmo…

ZÉ BARBEIRO: A Bahia, meu amigo, hoje tem uma voz, tem lá uma guitarra e tem vinte caras tocando só percussão…! Então, o que eu estou falando – nada contra eles, pelo amor de Deus – cada um faz o seu trabalho. Em termos de riqueza que o elemento aprendeu um instrumento, o que ele vai aprender ali…! Se um cara vier aprender comigo violão de 7 cordas, eu vou falar: “olha, meu estilo é esse, você quer aprender o que…”! “Eu quero aprender choro…”! Ah, sim…! “Eu quero aprender qualquer coisa…”!  “Qualquer coisa, não, meu amigo…”! Qualquer coisa, então você vá aprender axé, que é qualquer coisa, na minha visão. Porque ali o elemento ele vê…isso é norte e nordeste, não é só na Bahia, veio lambada, veio axé e depois veio ainda uma desgraça, que na minha visão é uma desgraça, que foi o Tchan…! Aquilo pra mim, realmente, foi uma desgraça…!

MARCELLO: Para mim também…!

ADEMIR SOARES: Isso tudo é modismo, muda de ritmo, mas some…!

ZÉ BARBEIRO: Some…! Só que para a nossa música, para o bem do choro, inclusive, isso foi de uma valia…!

MARCELLO: Eu nunca tive essa visão, eu nunca tive essa leitura…

ZÉ BARBEIRO: Se você tiver um filho e ele falar: “pai eu quero estudar piano…”! Jamais você vai falar: “vai estudar axé…”! Jamais! Você vai aprender choro. E o próprio professor também, que é onde você vai aprender mesmo. Então, porque o cara vai olhar…depois que ele pega um pouquinho de noção do que é a música, ele vai olhar e dizer: “pô, não tem nada isso ai…”! Não tem harmonia, não tem melodia, não tem nada…!

MARCELLO: Então, para encerrar…! E aí o que você está achando desse Circuito Metropolitano de Choro e a vinda de vocês a Santos…!

ZÉ BARBEIRO: Para nós e para mim, particularmente, é uma honra participar…!

ADEMIR SOARES: Sábado passado foi ótimo…!

ZÉ BARBEIRO: É, eu estava comentando…! A gente foi pela primeira vez no Q-Frango…só que o Q-Frango é conhecidíssimo pra caramba. Falam muito nele e eu já tinha sido convidado! Sobre o Circuito, é uma idéia espetacular, embora eu acho que…eu não sei como se passa a coisa aqui politicamente, mas é uma coisa que eu acho que deveria ter um pouquinho mais de apoio, eu diria assim de Prefeitura, alguma coisa parecida, porque está vindo de cabeças de vocês do Clube do Choro de Santos, mas é uma honra mesmo estar aqui fazendo esse trabalho e o Circuito é bom porque está vindo gente…já vieram Luizinho e Euclides Marques, o Cochichando, o Fogo na roupa, olha só o nível…!

MARCELLO: Você com esse time maravilhoso…!

ZÉ BARBEIRO: É um prazer enorme fazer aqui no Guarany que é a primeira vez que eu estou vindo aqui, espero vir outras vezes…

MARCELLO: Você vai gravar mesmo o DVD aqui…?

ZÉ BARBEIRO: Pretendo…!