Segue abaixo entrevista do quinteto paulistano de choro Cochichando aos seus caros amigos Marcello Laranja e Luiz Pires, diretores do Clube do Choro de Santos Fundado há oito anos, o Cochichando é um dos expoentes do choro contemporâneo paulista. Formado por André Hosoi, no bandolim e guitarra, Paulo Ramos, no violão 7 cordas, João Poleto, no sax e flauta, Ildo Silva, no cavaquinho, e Ricardo Valverde no pandeiro, o grupo foi criado no berço do samba-choro de São Paulo, na Vila Madalena, bairro onde convivem duas gerações de chorões: a mais nova, ansiosa por aprimorar-se no gênero, e a mais velha, formada por mestres como João Macacão, Zequinha, Izaías, Zé Barbeiro, Luizinho 7 Cordas, Jane do Bandolim e o falecido Carlos Poyares. Lá, os integrantes do grupo tiveram a oportunidade de vivenciar o choro com grandes mestres que até hoje freqüentam as rodas do bairro. Confira:
MARCELLO: Paulinho, dentro dessa nova maneira de se tocar o Choro, dentro dessa nova concepção, como vocês se sentem compondo e interpretando obra inédita? Aumenta a responsabilidade ante o fato de que vocês representam a nova geração do Choro e que, além disso, tem em Callado, Chiquinha, Nazaré, Pixinga, Radamés, Altamiro e outros como seus magníficos…? Como fica pra vocês essa relação entre a nova geração e a velha guarda?
PAULO RAMOS: Hoje em dia, com o fácil acesso a músicas do mundo todo, o cara que entra no choro, já vem com influências contemporâneas e por isso o choro é sempre renovado. É claro que o choro tem uma linguagem própria. Acho que na composição, o legal é “brincar” com essa linguagem, flertando com ela: Ora afirmando-a, ora saindo um pouco dela. Na minha composição Dedeira com chocolate, faço isso na parte “B”. Coloco uma melodia modal, o que não é típico do choro. Mas é só um trecho. Pequeno o suficiente para receber críticas dos mais tradicionalistas. Mas essa relação entre a nova geração e a velha guarda tem uma pequena tensão que no fundo é natural e sadia. Por um lado eles querem preservar os arranjos, as melodias intocadas, a maneira como interpretavam um dado repertório, por outro lado eles acabam repetindo sempre da mesma maneira uma música que pode ser interpretada com vários arranjos diferentes. Por outro lado, a geração mais nova, que está de fato inovando, não pode já sair de cara improvisando em cima de clássicos do choro sem nem se dar ao trabalho de tocar o tema original pelo menos uma vez. Fica só a harmonia do choro, a melodia se perde. Em se falando de choro, a responsabilidade é sempre muito grande.
MARCELLO: Poleto, o Choro há muito tempo deixou de ser estilo musical para se tornar uma linguagem falada no Brasil inteiro. Carioca toca de um jeito, paulista de outro, gaúcho de outro e assim por diante. Acho que o jeito carioca usa muito sopro ao passo que o jeito paulista funda-se mais nas cordas. Você, como instrumentista de sopro,(entre vírgulas) acha isso também? Já havia parado pra pensar nisso…? Concorda com isso…?
JOÃO POLETO: Acho que não vejo muito essa diferença. Assim como no Rio temos grandes representantes de instrumentos de sopro no choro como Altamiro Carrilho, Paulo Moura, Luís Americano, e outros de uma geração mais recente como Humberto Araújo, Carlos Malta, Mário Seve e outros, em São Paulo também temos muitos sopristas que se dedicam ao choro, desde os mestres João Dias Carrasqueira, Carlos Poyares, até os mais recentes Toninho Carrasqueira, Manezinho da flauta e, talvez o maior músico da atualidade no Brasil, neste momento, o grande clarinetista e saxofonista Proveta. Da nova geração, posso destacar Alexandre Ribeiro, Thiago França, Daniel Alain, Zezinho Pitoco entre outros. Sendo assim, não concordo muito com essa diferença.
MARCELLO: André, como você é um dos integrante de um grupo jovem de Choro formado em Sampa, mais especificamente na Vila Madalena, onde semanalmente costumeiramente se apresentam, notadamente no “Ó do Borogodó, conte-nos ..! Eu pergunto: fora da Vila Madalena, onde mais vocês se apresentam e quais são as outras “bocas” boas de Choro da capital paulistana…! Trace para nós um pequeno roteiro musical…! Não se preocupe, pode fazer propaganda à vontade.
ANDRÉ HOSOI: Olha, o Cochichando já se apresentou em vários SESCs daqui de São Paulo e de outras cidades do Estado também. Além disso existem espaços como a casa de Iaiá e o Museu da Casa Brasileira, que são cenários agradabilíssimos, onde já tocamos também. Não sou o mais indicado para recomendar rodas alternativas aqui em Sampa mas vamos lá. Tem o Bar do Cidão em Pinheiros, que é onde conheci o Ildo e o João Poleto, do grupo. Lá foi e é uma verdadeira escola de choro onde vi tocar mestres como João Macacão, Joaozinho do Cavaco, Tigrão, Zé Barbeiro, Stanley, Poyares, Jane do Bandolim, entre tantos outros.
Hoje o Isaías comanda uma roda clássica em Perdizes na Rua Capital Federal e também tem a roda do Manoel de Andrade, que parece estar parada, não sei bem. Há bares como o Feira Moderna, onde os meninos da nova geração como o Henrique do Bandolim, Jean e Alê tocam às vezes. Tem choro no bar do Alemão e também na loja Contemporânea, na lá no centro na rua General Osório.
O Stanley, João Macacão e companhia estão no São Jorge, também lá no centro.
Bom, há inúmeras opções. Só no Ó do Borogodó tem som todos os dias, de segunda a segunda!
MARCELLO: E você meu caro Ricardo, como percussionista, como vê a percussão no Choro? Você também acha que percussionista de Choro tem que ser educado duas vezes, ou seja, tem que ser muito bem educado em casa e musicalmente também? Pandeiro e vibrafone são seus instrumentos, confere…? Então, quais suas maiores influências?
RICARDO VALVERDE: A percussão no choro é uma escola muito rica. O principal instrumento é o pandeiro, que é completo, tem a função da marcação, da condução e das variações rítmicas. Possui timbre grave (polegar) médio (tapa) e agudo (platinela ). Existem outros instrumentos utilizados como a caixeta, o afoxé, ganzá e às vezes um surdo ou timba. Mais recentemente no choro moderno, percussionistas vem utilizando vários instrumentos como o cajon e as congas. O vibrafone, que também é um instrumento de percussão, agora está bem utilizado no choro, com o papel de solista e também podendo harmonizar, devido à técnica de quatro baquetas.
A educação e dedicação são muito importantes para se tocar choro, pois é um estilo que requer boa técnica dos instrumentistas, portanto quanto mais estudo melhor. Sou percussionista e vibrafonista. Minhas influências são Jorginho do Pandeiro, Luizinho 7 Cordas, Pixinguinha, Jacob do Bandolim… No vibrafone, Milt Jackson e Gary Burton.
MARCELLO: O cavaquinho é o verdadeiro “meio campista” do Choro…? É aquele que faz a “ligação” entre a melodia e a harmonia com o ritmo…? Cavaquinho faz percussão também, meu caro Ildo…?
ILDO SILVA: O cavaquinho realmente faz o meio de campo. Ele é um instrumento harmônico, embora possa também fazer melodias (vide o grande Waldir Azevedo). Num grupo de choro, o cavaco é responsável pela condução do ritmo – assim como a percussão – fazendo a junção deste com a harmonia. No começo da história do choro, não havia percussão: os grupos eram na época conhecidos como “trio pau e corda”, com violão, cavaco e flauta (que na naquele tempo era flauta de ébano). Ao cavaquinho cabia, além da harmonia, fazer a parte de ritmo das polcas, xotis, maxixes, valsas, etc. Foi só mais tarde, quando apareceu Pixinguinha com sua herança africana, que a percussão entrou no choro – possibilitando ao cavaquinho ficar mais livre para fazer as levadas, deixando a música do choro mais rica.
II Parte da entrevista – Feita por Luiz Pires do Clube do Choro de Santos
LUIZ PIRES: Paulo, o que você achou do I Circuito Metropolitano do Choro realizado em parceria com o Clube do Choro de Santos, realizado no primeiro semestre de 2009?
PAULO RAMOS: Achei que deu ótimos resultados. Esta parceria das bandas de São Paulo com o Clube do Choro de Santos foi fundamental. Na verdade, ela sempre existiu, mas não com um projeto que envolvesse várias cidades ao mesmo tempo. Isso foi inovador. Primeiro por envolver, logo na primeira edição do Circuito, seis municípios da Baixada. Foi legal conhecer a infra-estrutura que cada cidade oferece. Não sabíamos que íamos encontrar teatros tão bons. Praia Grande, por exemplo, tem um teatro maravilhoso, o Palácio das Artes. Santos, tem o Guarany e assim por diante. Espero que essa parceria continue para fazermos novas edições desse circuito, mantendo a interação com esse público e o intercâmbio cultural entre municípios.
LUIZ PIRES: João, como você vê a relação do artista com o mercado e a liberdade criativa?
JOÃO POLETO: Quanto à relação do artista com o mercado, sinto que a evolução da tecnologia tem interferido bastante nessa relação. A partir do momento que as gravações de estúdio foram digitalizados, ficou viável montarmos pequenos (e quase profissionais), estúdios de gravação em casa. Um bom computador, um ou dois bons microfones e mais alguns periféricos, viabilizaram isso. Assim, o músico pôde gravar pensando mais em sua fé musical do que nas necessidades do mercado. Já a explosão do uso da internet e o uso dela para troca de músicas digitalizadas têm contribuído com a quebra de algumas gravadoras, que nos empurravam uma quantidade incrível de lixo, quase como se o departamento comercial mandasse no departamento artístico dessas gravadoras, obrigando o artista a seguir essa ou aquela linha. Sinto que um novo momento e uma nova relação do artista com seu público esteja chegando, talvez mais direta, sem a interferência desses “especialistas de mercado”.
LUIZ PIRES: Conte-nos sobre a tua ideia de inserir Jimi Hendrix no contexto do choro. Essa faceta rock and roll reflete o caráter universal do choro?
ANDRÉ HOSOI: A ideia surgiu inspirada no grande flautista e compositor Altamiro Carrilho. Gosto muito de seu bom humor ao compor e acho um dos maiores compositores de choro que já existiram. Ele é muito conhecido como instrumentista, mas sua criatividade e fluência composicional são de uma autenticidade fora do comum.
Uma música famosa dele me inspirou, o ” Aeroporto do Galeão”. Como idéia inicial dessa composição, ele pega o sinal de chamada do aeroporto e transforma no primeiro motivo melódico do choro. Eu fiz uma coisa parecida com “No pagode de Jimi Hendrix”. Jimi Hendrix foi revolucionário na história do rock e, principalmente, na história da guitarra elétrica. Uma espécie de Jacob do Bandolim da guitarra.
Depois dele mudou tudo, até mesmo na linguagem do jazz e da música instrumental. Miles Davis, John Malaughin, Herbie Hancock e outros grandes nomes do jazz foram influenciados por ele.
Na verdade, se pensarmos bem, até mesmo ícones como Armandinho e Hamilton de Holanda, de forma indireta, tem toques de sua revolução em termos de linguagem musical. Como guitarrista, quis prestar uma homenagem a ele. Fui pegar o riff de Voddoo Chile, uma música famosa de seu repertório e transformar na primeira frase do choro. O resto é choro mesmo! Com três partes e tudo. Na terceira é que, melodicamente, moderniza um pouquinho pois aparece uma frase descendente na escala de tons inteiros, não muito comum no universo chorístico (apesar de mestres como Garoto e Esmeraldino Sales a usarem com mestria e precisão).
Bom, é uma brincadeira que, a meu ver, o choro permite. Faz parte do meu modo de pensar música. Gosto de muitos estilos e linguagens distintas e fica impossível não se influenciar por isso. Procuro entremear novas idéias buscando o cuidado de não desfigurar a linguagem padrão. Acho que o choro é uma linguagem muito rica e não vejo nenhum problema em ele se misturar e ser fonte de inspiração para composições contemporâneas.
LUIZ PIRES- Ricardo, como você vê a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB)?
RICARDO VALVERDE: Acho primeiramente que os músicos deveriam ser mais organizados e ter uma associação que nos representasse bem. A OMB se tornou uma entidade burocrática, que teve um presidente que ficou muito tempo no poder. Isso não funciona bem. Mas sou filiado a ela pois em alguns lugares somos obrigados a ter a carteira para poder tocar, como, por exemplo, nos Sescs. Realmente, queria que a OMB representasse melhor os interesses dos músicos, vamos ver agora com a nova direção se temos mudanças. O músico tem o papel de fiscalizar e cobrar a OMB, pois pagamos uma mensalidade para ela. Uma saída são as criações de movimentos dos próprios músicos (que são quem sabe as necessidades da classe), como a cooperativa de músicos e os clubes de choros por todo país. Esse movimento do Circuito de Choro é um bom exemplo de uma iniciativa de pessoas que criaram um belo trabalho.
LUIZ PIRES – Ildo, como está o movimento do choro em São Paulo ?
ILDO SILVA: Vai muito bem, obrigado. Vários talentos vem aparecendo no cenário como os violonistas de 7 cordas Gian Correa, João Camareiro , Alexandre Moura, Wesley; os bandolinistas Danilo Brito e Henrique Araujo, o flautista Henrique, os pandeiristas Leo , Rafael, Yves; o clarinetista Alexandre Ribeiro; o saxofonista Thiago França, o cavaquinista Getúlio, as meninas do Choro das Três. Vários compositores a pleno vapor como Zé Barbeiro, João Poleto, Ruy Weber, só para citar alguns. E também o pessoal que vem segurando a bandeira do choro, que veio um pouco antes desses talentos que acabo de citar e que é a geração da qual faço parte com João Poleto, Roberta Valente, Fabricio Rosil, Rodrigo Y Castro, Paulo Ramos, André Hosoi, Adriano, Ricardo Valverde, Rubão, Ana Claudia, Vitor Lopes, Alex do Cavaco… Além dos mestres que nos embasam e são referência, como Ruy Weber, Isaias, Zé Barbeiro, Milton Mori, Alessandro Penezzi, João Macacão, Israel, Luisinho 7 Cordas, Joãozinho do Cavaco, Ítalo Peron, Edmilson Capeluppi, Lula Gama, Marcelo Gallani, Stanley Carvalho, Haroldo Capeluppi, Zequinha do Pandeiro, Betinho Sodré, Jane do Bandolim, João Macambira, Bombarda , Tigrão do Pandeiro … ufa … é muita gente. Estão aparecendo casas novas com espaço para o choro. O mais emblemático fato que evidencia como o movimento do choro está em alta é a casa Ó do Borogodó ter sido eleita pela revista Veja em setembro último como melhor bar de música ao vivo de São Paulo, ou seja, como diz carinhosamente nosso grande amigo e admirador do choro, o Sorriso: “O chorinho tá bombando!”.