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Claudia Matarazzo

MARCELLO: Bom gente, hoje é o dia 1. de julho de 2009, quarta-feira, no Café Spazzino, no Shopping Parque Balneário, a jornalista Cláudia Matarazzo acabou de fazer a noite de autógrafos do livro “VAI ENCARAR” que é um novo desafio e eu queria saudá-la em nome de todos os nossos companheiros de diretoria e conselheiros do Clube do Choro de Santos. Bem-vinda Cláudia a Santos mais uma vez…!

CLÁUDIA: Obrigada Marcello, obrigada a todos pela acolhida que é sempre muito boa aqui em Santos.

MARCELLO: Cláudia esse livro pra você é um novo desafio, é um assunto até muito delicado de se tratar, precisa ser lidado assim com muito cuidado, com muito jeito. Com foi pra você essa experiência…!

CLÁUDIA: Olha, primeiro foi…realmente foi um desafio proposto pela Mara Gabrilli, que é tetraplégica, e que me falou “você escreve tanto sobre comportamento, você tinha que escrever sobre comportamento com pessoas com deficiência, que ninguém sabe se comportar com a gente”…! Achei a idéia boa, realmente nunca tinha parado pra pensar nesse assunto, só que quando eu comecei a fazer a pesquisa, eu percebi que não era uma questão de “comportamento” mas sim de “perceber essas pessoas”, porque a gente não percebe, não quer enxergar na verdade, que é uma nação de trinta milhões de pessoas no Brasil, ou seja, um em cada oito pessoas no Brasil tem algum tipo de deficiência crônica ou grave. Então eu acho que falta o “olhar inclusivo” e se a gente não está percebendo essas pessoas eu acho que está errada a maneira da gente olhá-las, a maneira do país acolhê-las, no sentido de que, se elas não saem à rua, está errada a malha urbana, está errada a acessibilidade dos lugares, então…além de estar errado  o nosso olhar. Agora, como trinta milhões é uma nação…a gente está falando de três portugais, dois Chiles, uma Austrália, que é um país grande, eu acho que é imprescindível que a gente, realmente, comece a olhar da maneira…de maneira mais inclusiva pra todas essas pessoas, porque ganhamos nós. É um universo muito interessante, é um universo riquíssimo que nos propõem alternativas muito criativas para diversos problemas que eles mesmos vivem, então eu acho que a gente precisa sim, se interar, mudar a atitude, acho que quebrar a barreira de atitude que a gente tem construída até por uma questão cultural. A gente tem aquela educação que é assim – “meu filho não olha que vai incomodar”, “não meu filho, não pergunta” – então a gente tem parar com isso, tem que olhar sim, tem que perguntar, tem que questionar e tem que interagir, principalmente, tem que interagir.

Nesse momento chega à nossa mesa a vereadora Mara Gabrilli e é saudada por todos. Importante ressaltar também a simpatia e a amabilidade da vereadora com todos os presentes.

MARCELLO: Você acha que ainda, não somente atendo-se ao tempo que você pesquisou, que você se dedicou ao livro, mas você como pessoa, como cidadã, você já vinha percebendo, quero crer, ainda existe muito desrespeito em relação a essas pessoas…!

CLÁUDIA: Não! Eu acho que é assim: como pessoa e como cidadã eu não percebia isso, justamente porque a gente tem uma tendência a não perceber, até porque você não quer entrar em contato com um assunto que você acha que não lhe diz respeito – e na verdade diz respeito – mas então eu não percebia e até por isso, por de repente me dar conta do quanto eu não percebia e do quanto eu teria que estar percebendo, eu acho que a idéia desse livro é descortinar esse universo pra que as pessoas que não percebem – como eu não percebia – comecem a perceber, que é uma catequese mesmo. Eu espero conseguir – devagarinho – conscientizar as pessoas disso.

MARCELLO: É até interessante porque eu, recentemente, fiz uma cirurgia grande de quadril e acabei ficando com uma deficiência, embora não seja deficiente. Mas enfrento alguns problemas – dificuldade de locomoção, para subir escada, descer escada, não posso andar muito – e assumo com absoluta franqueza que também não percebia isso…!

CLÁUDIA: Não, a gente não percebe…!

MARCELLO: Você acaba não percebendo, de repente, até um lado nosso, talvez, egoísta, não sei se seria isso…!

CLÁUDIA: É um pouco de tudo! É egoísta, é culpa, porque você entra em contato com o sentimento de assim “ai, nossa, eu não tenho nada e como essa pessoa que tem alguma coisa está lidando com isso” e você fica com culpa, que é natural as pessoas terem esse tipo de culpa e não querem entrar em contato…acho que é um pouquinho de tudo, junta tudo isso e você cria uma barreira assim “não quero pensar no assunto”, “tenho mais o que pensar”, tem muito disso também.

MARCELLO: Quando eu peguei o livro, andei dando uma sapeadinha, e por acaso achei exatamente o ponto que eu queria sacar que é aquilo que eu comecei a observar e não obvservava, ou seja, eu tenho um crachá que utilizo no meu carro e me facilita o estacionamento em vagas para deficientes, pra evitar que eu tenha que andar muito, pois não posso. E eu comecei a perceber uma coisa, um grande desrespeito em relação a essas pessoas, porque noventa por cento dos carros que estão estacionados nessas vagas não tem identificação, não tem crachá e você toca nesse assunto dando ênfase…

CLÁUDIA: É uma vergonha…

MARCELLO:
É uma vergonha o que as pessoas fazem…”ah! dá licença, eu vou estacionar…”

CLÁUDIA: Não, “mas é só um minutinho”…não, mas outra pessoa que sai de casa com a maior dificuldade, também tem coisa pra fazer…

MARCELLO: Exatamente…! Eu tenho que as vezes me identificar com o crachá e pedir pra pessoa que está parada que me permita estacionar. O sujeito está ali tomando conta…utilizando essa vaga que é preferencial e tomando a vaga de alguém que efetivamente precisa, de um cadeirante, qualquer pessoa que tenha qualquer necessidade especial. Então existe um grande desrespeito ainda com relação a esse tipo…é um comportamento…eu acho péssimo isso e me parece que é bem típico de brasileiro…

CLÁUDIA: Isso é falta de conscientização…!

HERLINHA: Isso é deficiência moral…! Nós brigamos por um time de futebol, mas não brigamos pelo direito dos outros.

MARCELLO: É verdade…!

CLÁUDIA: É verdade…!

MARCELLO: Cláudia, eu quero lembrar agora quando a gente esteve junto pela primeira vez na Rádio Litoral, quando você lançou o…

CLÁUDIA: Era um deles…!

MARCELLO:
“Negócios, Negócios, Etiqueta faz parte”, exatamente, foi muito legal, uma experiência maravilhosa e me parece que, um ou dois anos depois, você voltou a Santos para lançar…

CLÁUDIA: O Visual, pode ser…?

MARCELLO:
Isso, exatamente! Era o que eu queria lembrar. E agora você está lançando o “VAI ENCARAR”. Esse aqui…pelas minhas contas…

CLÁUDIA: Décimo-segundo…!

MARCELLO: Décimo-segundo livro, então, exatamente! E aí, como você se vê como escritora já com doze lançamentos!

CLÁUDIA: Então, estou muito contente! Nesse décimo-segundo é um outro assunto, quer dizer, o mesmo assunto que é comportamento, mas é de uma outra ótica, uma outra maneira. Então estou contente que de uma certa forma, deu uma guinada numa coisa que eu já vinha pensando, que precisava contar, aprofundar certos olhares, não ficar só na moda, na etiqueta, que é bacana, tem o seu glamour, mas eu já tinha falado muito sobre isso. Estou contente, é um assunto onde a gente pode se expandir mais, aprofundar mais, vai ter muito chão ainda nesse assunto.

MARCELLO:
E agora pra descontrair um pouquinho: qual foi a maior saia justa que você se colocou…?

CLÁUDIA: No livro?

MARCELLO: Não, durante a tua vida toda!

CLÁUDIA: Bom, durante a minha vida toda tem muitas…!…risos…agora no livro, o que me ocorre foi uma tremenda saia justa porque foi assim: você imagina eu jornalista, entrevista e tal…

MARCELLO: Sempre acontece alguma coisa…

CLÁUDIA:…então, tô assim feliz, novo livro, novo projeto, vamos entrevistar as pessoas, tem um monte de gente com as mais variadas deficiências e, na minha pouquíssima prática ainda do universo, fui entrevistar um rapaz
que é esse aqui, o Gustavo, tem 32 anos (nesse momento Cláudia aponta para a foto dele na capa do livro)
que tem paralisia cerebral. Então, ele fala com muita dificuldade, não fala, na verdade, não fala, muito, muito difícil de entender o que ele fala. Mas entende tudo, escreve livros, tem um instituto (Open Dorth) de capacitação profissional para pessoas com baixa visão e lá fui eu entrevistar o Gustavo, que fala muito, apesar de falar com muita dificuldade. Ele fala muito, ele se mexe muito, ele é muito expressivo. Aí eu chego com o gravador em punho, um monte de perguntas e faço a primeira e percebo que não estou entendendo nada do que ele está me respondendo. E aí eu falei…eu entrei em pânico…eu falei: “não vai dar, não vai rolar, não vou conseguir”! Foi uma coisa que até hoje eu me lembro e começo a suar de novo. E a mãe dele interpretava, ela traduzia pra mim. A certa altura…aí foi indo, eu fingindo que estava entendendo e ela bacana, traduzindo pra mim e tal. Bom, a uma certa altura ela saiu da sala e aí eu falei: vou ter que continuar essa conversa! E ele continuava falando e eu não entendia. Aí, na hora em que ela saiu da sala, eu tinha que continuar e não adianta, você tem que se virar e se vira. Aí, de repente, percebi que eu estava começando a entender e que eu estava começando a terminar a frase por ele, que no meu desespero, estava começando a terminar. E aí começou uma conversa, mas naquele momento…na hora em que eu percebi que eu estava entendendo, que eu estava indo e vindo, aí foi o contrário, foi assim, ufa…vai rolar!

MARCELLO: Saiu da saia justa…!

CLÁUDIA: Mas foi uma coisa assim que…aí eu percebi uma coisa que depois eu vim a perceber que é o negócio da percepção alargada. Foi o primeiro momento que eu percebi que caiu a barreira de atitude, foi naquele momento. Enquanto você não se desarma, não rola mesmo. Aí tinha que entender, tinha que conversar, tinha que rolar. E eu perguntava…não entendi! E aí ele se desesperava, respondia de novo. E foi! Uma hora ele ia. Então, foi uma tremenda saia justa, que eu lembro da minha sensação que falei: não vai dar! E a primeira entrevista você escolher uma pessoa que não consegue falar? Imagina! Foi falta também de eu pensar. Não sabia! Porque você tem uma maneira de funcionar, achando que, sei lá, nada daquilo…outra coisa!

MARCELLO: E saindo um pouco agora do foco do livro, trazendo para o nosso metiê que é a Música Popular, você ouve música desde menina, desde pequena, acredito, e sempre teve sua predileção. Então eu queria saber qual é a tua identidade, qual é a tua identificação com a Música Popular Brasileira, em especial com o Choro. Existe essa ligação? Você tinha hábito – e tem hábito – de ouvir, por exemplo?

CLÁUDIA: Eu tenho hábito de ouvir muito menos agora, mas assim, quando eu ouço é uma coisa que é muito familiar, eu gosto muito, é uma coisa que fala logo, tem uma identificação muito rápida. E eu brinco que sou meio jurássica (risos)…! As músicas que eu me identifico são essas mesmo, são todas de trinta anos pra trás, talvez, ou até mais! É uma época de música no Brasil com muita qualidade…

MARCELLO: Sem dúvida nenhuma…! Me parece que é o que acontece de algum tempo pra cá e, dentro desses trinta que você falou pra trás, eu posso colocar aí no mínimo vinte que nós estamos num processo comercial, de mesmice, de descartável muito grande, pouca coisa se aproveita, a coisa é imediata, é o imediatismo; tem que rolar muita grana pra que a coisa vingue, não tem mais aquele compromisso que as pessoas tinham antigamente. E surgiu também a possibilidade – até em conversa com a Ruth – da gente fazer um trabalho juntos, a Cláudia Matarazzo com o Clube do Choro de Santos. Existe essa possibilidade?

CLÁUDIA: Existe…!

MARCELLO: É um desafio tremendo…!

CLÁUDIA: Mas é um desafio de agenda até, mais do que de identidade…

MARCELLO: Sim, claro…!

CLÁUDIA: Mas claro que existe, podemos pensar numa coisa objetiva, até assim, o que vai ser, vamos gravar, uma coisa com começo, meio e fim…

MARCELLO: Escolher um repertório, ver exatamente o que a gente tem em mente, para desenvolver um projeto…!

CLÁUDIA: Mas eu precisaria até…preciso começar a ouvir mais então para me familiarizar…!

MARCELLO: Quando a Ruth falou comigo eu confesso, fiquei com certo receio. Eu falei: olha, uma responsabilidade tão grande, mas, ao mesmo tempo, com certeza, uma coisa absolutamente prazerosa pra gente, principalmente pra nós que estamos desenvolvendo um trabalho há sete anos com uma dificuldade tremenda, nós não temos recursos, acabamos de perder a nossa sede por um problema. Ela foi vendida e a gente teve que sair e ficamos sem norte. Então estamos juntando os caquinhos…então a gente fica nessa expectativa de, quem sabe, para o ano que vem a gente bolar alguma coisa, seria um prazer muito grande para nós, e o universo talvez, de repente, tanto pra você quanto pra nós, e aí acho que rola legal porque criatividade e competência não faltam.

CLÁUDIA:
É desafio…!

MARCELLO: Sem dúvida…! Eu acho que vai ser uma experiência muito legal. Queria te agradecer pela simpatia mais uma vez, uma alegria poder bater esse papo com você, uma coisa super informal que a gente vai botar no site, no blog, logo, logo! Nós estamos repaginando, reescrevendo, tá mudando tudo…! Muito obrigado pela tua atenção. Valeu!

CLÁUDIA: Obrigada gente…!

Sinceros agradecimentos à empresária Ruth Teixeira, filha do nosso malabarista do violão tenor, Germano da Costa, o Cacique que, muito gentilmente, nos permitiu o encontro e a entrevista com a jornalista Cláudia Matarazzo.