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Hugo Fernandes

Matéria sobre Hugo Fernandes. Conversamos com dona Helenice e Lúcia Fernandes, esposa e filha do nosso querido amigo falecido. IN MEMORIAM para o site do Clube do Choro de Santos.

MARCELLO: Antes de qualquer coisa, que dia é hoje…26 de setembro de 2009 na Avícola Boa Esperança, do Nino, na Avenida Pinheiro Machado, Canal 1, onde tem a roda de choro e seresta, eu acho que á única avícola do mundo que tem roda choro, nunca vi…! Já vi roda de choro e seresta em todos os lugares, mas em avícola, essa é a única que eu conheço. Dona Nice, gostaria que a senhora me dissesse quando é que o Hugo começou a tocar. A senhora já o conhecia ou veio conhecer depois…?

DONA NICE: O Hugo começou a tocar pandeiro com 14 anos de idade! Daí, um padrinho dele de batismo tocava violão e ele fugia da casa do pai e ia no barzinho onde o padrinho dele tocava violão e ele ficava espiando. O padrinho dele comprou um violão, na época, preto, todo preto e falou para o pai dele: “seo” Fernandes, estou trazendo de presente para o Hugo porque eu sei que ele vai ser um violonista”! Meu sogro virou e disse: “que vai ser nada, isso é tudo fogo de palha”! E ele começou a tocar violão com 14 anos de idade.

MARCELLO: Legal…! Nós vamos fazer um bate-bola, eu vou fazer uma pergunta pra dona Helenice e uma pra Lúcia…! Lúcia como era que pra você ser filha de um cara como Hugo Fernandes, músico, um cara que agregava pra caramba nas rodas, como era pra você…!

LÚCIA: Bastante emocionada, respondeu: a coisa mais maravilhosa que eu sempre tive muito orgulho foi de ver as boas amizades, o carinho que todos tinham com ele, em qualquer situação, nas horas boas e nas horas ruins. O meu pai tinha um carisma que eu, como filha dele, eu vejo muito pouco, até hoje. Ele conseguia trazer as pessoas para o lado dele, com o respeito que tinham por ele, como se a palavra dele fosse Deus. Não tinha idade, era desde o pequenininho até o mais velho que ele, todos o respeitavam. Ele como músico, pra mim, na baixada santista, eu digo, baixada santista, não tem outro igual, ainda está para nascer. Pode ser até que eu seja uma filha boba, que eu papariquei muito ele, eu amava de paixão meu pai, mas para mim não tem músico em Santos igual a ele, ainda tá pra nascer. Pode ser até que eu esteja errada, eu sei que existem ótimos músicos, existem outros instrumentos que eu dou valor, pra qualquer músico eu dou, mas como violonista de seis cordas, pra mim, o meu pai sempre foi o melhor…!

MARCELLO: Perfeito, assino embaixo…! Dona Nice, a gente estava conversando antes, o Hugo foi assim meio que um paizão pra todo mundo, né…! Quem começou com ele, a senhora lembra…?

DONA NICE: Quem começou com ele…? Lembro…! Ele começou com o Cobrinha na Rádio Cacique em 1952…eu me casei em 53…

MARCELLO: Foi o ano em que eu nasci…!

DONA NICE: É, você tem a idade do meu filho, então…! Não, meu filho nasceu em 54. Ele começou na Rádio Cacique no Vesperal Feminino com Gentil, Cobrinha, Alípio e ele de violão. Eram, na época, todos garotos, jovens ainda, mas ele começou a carreira na Rádio Cacique. Depois foi para a Rádio Clube, depois Rádio Atlântica no Programa Dindinha Sinhá e assim por diante. Quando teve a inauguração da TV Tupi, se não me engano, não tenho bem certeza, eu acho que foi a primeira…

MARCELLO: Primeira televisão da América Latina, 1950…!

DONA NICE: Exatamente…! Ele foi tocar na TV Tupi…

MARCELLO: Que legal, não sabia disso…!

DONA NICE: Não sabia…? Ele foi na inauguração da TV Tupi, só que eu não me lembro quais foram as pessoas, entende, porque faz muitos anos também, muita coisa foge da memória, né…!

MARCELLO: Mas a senhora me falou também que o Luizinho 7 cordas e o Zinomar também começaram com ele, né…!

DONA NICE: Começaram com ele, os dois…! O Luizinho, inclusive, o Hugo tinha um grande orgulho pelo fato do Luizinho ser um excelente músico, uma boa pessoa nos primeiros acordes, assim dizia meu marido (risos)! Os primeiros acordes foi ele que passou para o Luizinho. E o Zinomar já arranhava o cavaquinho dele, a mãe dele só o deixava sair na noite sob a responsabilidade do Hugo , que ia buscá-lo e depois levá-lo de volta…!

MARCELLO: Lúcia, o Hugo dizia, ou melhor, ele não gostava que sua mãe nem você fossem com ele nas rodas de choro. Ele era chato assim…?

LÚCIA: Era…! O meu pai…uma que a gente sabia que ele gostava de ter a liberdade dele, ele como pai e como marido, tinha “olho de cobra”…! Ele sabia tudo o que estava acontecendo ao redor de todas as pessoas. Então ele levava por esse lado…! Não que fossem faltar com o respeito comigo nem com a minha mãe, mas ele queria tocar o violão dele a vontade, tomar a cerveja dele a vontade, sem se preocupar com a cria dele…!

MARCELLO: Será que isso não era um pouco de timidez, inibição da parte dele…?

LÚCIA: Não, era ciumes…! Meu pai era muito ciumento. Ele não demonstrava! Ele tinha ciumes da minha mãe como marido e de mim era um ciume um pouquinho mais possessivo, ou por eu ser filha única, ser nova, ou quando solteira, então, ele se sentiu…até ele ir embora, o meu protetor…! Ele achava que só ele podia me defender, ele não via que eu já sabia me defender, tanto é que eu falo, muita coisa que eu aprendi, ele foi meu professor…! Porque eu tenho muito…eu puxei muito dele malícia, maldade, observar…tô conversando, mas perguntava pra mim: “o que tá acontecendo, se tá acontecendo tudo ao redor…”! Isso foi ele que me ensinou. Então, os olhos dele estavam sempre girando, sempre…! Eu e minha mãe só íamos quando ele nos convidava. Ele queria ter a privacidade dele, não estar preocupado em tomar conta da filha e da mulher. Ele sabia, ele confiava em todos os amigos, todos os amigos eram casados…

MARCELLO: Havia muito respeito, não é…?

LÚCIA: Sempre teve muito respeito e ele sabia disso, mas era dele, da própria personalidade dele essa privacidade que ele gostava de afastar…!

MARCELLO: Era o momento dele, era a hora dele, ele queria tocar, estar com os amigos…!

LÚCIA: Aí ele chegava em casa, fosse a hora que fosse, aí ele ficava contando tudo o que tinha acontecido, desde o primeiro minuto que ele chegou, até a madrugada, ele contava tudo pra gente do que tinha acontecido…!

A partir deste momento, nosso vice-presidente Luiz Antonio Pires, assume o comando da entrevista.

LUIZ PIRES:
Dona Nice, é verdade que foi a senhora quem confeccionou o estandarte do Choro Carnavalesco “Primas e Bordões”…? O que a senhora lembra da época, foi muito difícil o Hugo organizar, o que a senhora nos conta…!

DONA NICE: O estandarte do Primas e Bordões foi feito por mim e pela Aurélia…! Eu já costurava na época, eu era costureira, então a Aurélia (esposa do Zinomar Pereira) ia pra minha casa e nós ficávamos bordando enquanto eles iam lá pro fundão do Canal 5 ensaiar a turma do Primas e Bordões. Quer dizer, fizemos com muito carinho…! Agora, a dificuldade de por o Choro na rua foi muita, porque não tinha dinheiro, então o que eles faziam: arrecadavam dinheiro entre eles e eu ia pra São Paulo, inclusive a roupa deles foi uma roupa de malandro, calça branca, camisa listrada e palhetinha na cabeça. Foi comprado tudo em São Paulo no lugar mais barato, no Brás, porque o dinheiro era curto. Mas foi feito com muito carinho e saiu tudo muito bom, na época!

LUIZ PIRES: Que beleza…! E os músicos que a senhora lembra que participavam das primeiras formações…!

DONA NICE: Não são todos que eu lembro não…! Eu lembro Zinomar, o Mauro 7 cordas, Perácio…ai meu Deus do céu, são tantos que agora assim de cabeça eu não lembro, que são muitos músicos…!

LUIZ PIRES: Isso foi em mil novecentos…

DONA NICE:
…e sessenta e quatro, né…!

LUIZ PIRES: A primeira formação…!


DONA NICE: A primeira formação, mas o Primas e Bordões já tinha em 1962, mas só foi colocado na rua em 64…

LUIZ PIRES: O Walter já estava, o Walter do bandolim…?

DONA NICE: Não, o Walter do bandolim, não…! Porque depois do Choro que o Hugo deu o nome de “Primas e Bordões”, os anos passaram e o Hugo formou o regional junto com o Walter do bandolim e o Mauro 7 cordas. Daí eles… que nome vamos dar, que nome vamos dar, daí ele lembrou que ele tinha colocado o Choro com esse nome e falou assim: “vamos por Primas e Bordões…”? Tanto o Walter como o Mauro gostaram, colocaram e aí ficou Primas e Bordões. Só que o Hugo ficou uns tempos com eles e depois saiu fora! Isso é normal entre músicos…

LUIZ PIRES: É, isso é normal, vão surgindo novos grupos, novas convivências…! Por falar em convivência, a convivência com Mauricí e Maurício Moura, a senhora lembra desse tempo…? O que a senhora nos conta de interessante…!

DONA NICE: Lembro…! Olha, na época, o Maurício…ele faleceu em 1964…mas o Hugo já tocava com ele há muitos anos, desde 1958, lembro bem o ano. Ele tocava junto com o Maurício e o Gentil do cavaquinho, que era a turminha deles, o pandeirista…agora não me lembro, não era o Perácio, não…era o Cobrinha e o Alípio de cavaco, depois, com o tempo, entrou o Zinomar.

LUIZ PIRES: Esse grupo tinha o nome…

DONA NICE: Não, eu acho que não tinha nome regional, não, era só o conjunto mesmo, né…! E nós íamos muito na casa do Maurício, em São Vicente, em muitas reuniões a noite e Mauricí descia…ele morava em São Paulo…ele descia, a gente fazia noitadas muito boas…

LUIZ PIRES: Silvio Caldas não andava por aí também nessas ondas…?

DONA NICE: Ah não, nessas não…! O Silvio Caldas quando vinha fazer show em Santos, isso meu marido tinha um orgulho muito grande, porque ele era fã de carteirinha do Silvio Caldas…! Os ensaios, quando o Silvio vinha, ele só queria o Hugo acompanhando nos shows e os ensaios eram na minha casa, inclusive eu tenho uma fita cassete, não de vídeo, né, aquelas fitinhas, de um ensaio deles na minha casa…

LUIZ PIRES: Com o Silvio presente…!

DONA NICE: Com o Silvio presente, ele ensaiando…ele tinha que fazer um show na Portuguesa Santista, eu acho que era, não me lembro bem, mas acho que era um show na Portuguesa Santista nessa época. E quando teve a inauguração do Chão de Estrelas, foi o Hugo que acompanhou Silvio Caldas…!

LUIZ PIRES: E isso a senhora lembra da data…?

DONA NICE: Ai meu Deus, eu não me lembro se foi em 72…não, foi antes…eu acho que foi em 70 – 71, por aí, não tenho bem certeza então não posso afirmar, né…!

LUIZ PIRES: O Hugo era funcionário público, né…? Ele era muito querido também do ex-prefeito eleito Esmeraldo Tarquínio, não foi…?

DONA NICE: É…! E era do José Gomes, que ele entrou na gestão do José Gomes na Prefeitura, inclusive foi Maurício Moura – que era muito amigo do José Gomes – que arrumou…bater um papo com o José Gomes e ele levou o Hugo para a Prefeitura.

LUIZ PIRES: Velhos tempos…! Vou voltar a palavra agora ao Marcello que está conduzindo a entrevista.

MARCELLO: Dona Nice, uma pergunta que eu queria fazer pra senhora, foi justamente quando se constatou a moléstia do Hugo, infelizmente! A senhora me dizia que foi uma coisa muito marcante pra senhora. Como é que foi isso, para a senhora ressaltar como é que era a cabeça do Hugo, como é que ele procedeu ante o mal que foi constatado, como é que foi isso…!

DONA NICE: Quando foi constatado – que nós fomos ao médico – que ele estava com câncer de bexiga, ela falou com o Dr. Monteiro se antes da cirurgia ele poderia comemorar o aniversário dele. E o Dr. Monteiro falou: “você comemora seu aniversário, depois vem para Santos e vamos tratar da sua cirurgia…”! E assim foi feito. Fomos para a Bertioga, eu e minha filha com o coração apertado porque a gente sabia que era uma doença grave. Foi feita uma bela de uma churrascada, com bolo, cerveja e vários músicos, todos amigos dele. E assim ele tocou violão e tomou cerveja a noite toda até cinco horas da manhã, comemorando os setenta anos dele. Viemos para Santos, voltamos, e aí tratamos da parte principal que era a doença dele. Na época, graças a Deus, correu tudo bem e ele aceitou numa boa porque ele tinha um astral muito pra cima…!

MARCELLO: Era justamente isso que a gente queria ressaltar, o despreendimento de dona Nice em falar sobre o assunto e também a forma muito bacana que o Hugo recebeu isso e encarou de frente, né…exatamente, isso que a gente queria ressaltar…! E você Lúcia, tem alguma coisa que você queria ressaltar da personalidade do Hugo, contar algum fato marcante, alegre, do que aconteceu durante essas anos todos.

LÚCIA: A coisa mais marcante foi sobre a primeira doença, porque é difícil um ser humano saber que está com uma doença grave e receber numa boa…! Pra todo mundo ele falava assim: “eu tô com câncer, mas o bicho não me pega…”! E ele continuou sorrindo, brincando, fez o tratamento durante muito tempo, fez químio, sofreu muito, mas sempre sorrindo, ele estava sempre vendo casos piores do que o dele e com isso levantava mais o astral dele. Aí fazia ele sorrir mais ainda. Então, essa foi uma fase muito marcante da alegria dele, por ser um problema grave e o astral dele estar muito lá em cima. Agora referente a última, que foi a do estômago, essa pra mim foi a fase mais triste que eu vi no meu pai, porque ele sabia que dessa ele não sairia. Ele tinha no seu íntimo que não tinha como se salvar, tanto é que ele não lutou, ele se entregou de corpo e alma. Foi feito tudo mediante a medicina, mas o “eu” dele, o Hugo, ele, lutar, não…! Ele se entregou mesmo, de corpo e alma, pois sabia que não sairia dessa. Então isso pra mim foi a parte mais triste, pois eu vi ele se entregando. E ele não era homem de se entregar atoa…!

MARCELLO: É, realmente, fica difícil da gente até comentar, de falar, porque só quem passou por isso é que tem, efetivamente, a noção, avalia o que é isso! Mas ressalta a grande tenacidade, a grande força interior do Hugo, realmente nessa manifestação que ele segurou até o final, infelizmente, faz muita falta pra nós, mas eu acho que ele cumpriu a missão dele aqui nessa vida com muita dignidade, deixou uma família maravilhosa, constituída, estruturada, com respaldo, com estrutura e isso que eu acho que é a grande coisa da criatura humana, que vem para plantar e fazer o bem eu acho que foi o que aconteceu exatamente com Hugo Fernandes, eu que tive o privilégio de conhecê-lo no início dos anos 70, no Chão de Estrelas, e foi um encontro assim muito interessante e vim com ele até o final da vida dele. Tive o privilégio de conviver com ele e hoje estou tendo o privilégio de conversar com dona Nice, que é a esposa e a Lúcia que é filha, nessa entrevista super bacana que a gente está fazendo para o site do Clube do Choro de Santos, “in memoriam” de Hugo Fernandes.

Muito obrigado a todos…!