“Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria…. Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos. Essa … a alegria que ele quer.”
(Guimarães Rosa)
Essa era senha que o garboso Nelsinho Boneca mandava para o Mário atacar no trombone a introdução quando ia cantar um daqueles sambas de breque que só malandro sabe fazer. Coisas do malandro Nelsinho Boneca.
Os intrépidos integrantes da Roda de Samba do Ouro Verde já soltavam a voz há quase vinte anos, porém, ainda faltava alguma coisa e não se sabia o que.
Em 2003, na festa de Bodas de Ouro do Seu Nelson Jumba, o “Jamelão do Marapé”, estava toda a rapaziada e, comendo solto pelo salão, boleros e muito chá-chá-chá, pois bem sabe a moçada que a turma é do tempo em que se dançava homem com mulher bem agarradinho que coisa melhor não há.
Na pequena banda que animava o baile da rola triste e que nem tinha mais dropes no bolso, soltava aos ouvidos o som de um mavioso e malandreado trombone de vara.
A turma, com o ouvido em alvoroço, foi se chegando para o lado do sorridente trombonista que logo foi convidado para dar uma canja lá pelos lados do Marapé onde rolava um samba que se encaixava nos sustenidos e bemóis do esperto trombone de vara.
O pessoal fez o convite, mas, com uma pulga atrás da orelha, desconfiou que o homem não fosse aparecer. Ledo engano, no sábado seguinte lá estava o homem e seu inseparável trombone. Pediu pra dar uma canja e nunca mais deixamos o homem em paz.
Mário, esse era o nome do homem. Ficou pra sempre Mário do Trombone. Onde estava o Mário estava lá o trombone, amigo de todas as horas. Não existe solidão pra quem toca um instrumento disse certa vez o Seu Nelsinho do Bandolim. Pura verdade.
E o Mário, mais que um amigo, virou irmão, irmãozinho. Risada escancarada, doido pra dançar e um prazer imenso na hora de tocar. Em pouco tempo caiu nas graças dos frequentadores da Roda de Samba do Ouro Verde. Em doze anos de convivência a turma logo descobriu que o Mário já estava com a gente desde o começo tal a cumplicidade e a amizade fortalecida nas andanças pelos palcos da vida.
Quando, às vezes, chegava mais feliz pedia um reforçado pré sal ou uma vela sete dias, sete noites (conhaque com mel) e queria porque queria sambar e sambava como quem dançava a Folias do Divino ou Folia de Reis que acompanhou muito criança lá pelos cafundós das Minas Gerais.
O Seu Mário nunca perdia a simpatia mesmo quando estava, raras vezes, chateado com alguma coisa. Pouca gente sabe, mas, durante o show de 25 anos da Roda de Samba, no Sesc, durante a primeira música, quebrou-lhe a ponte. O nosso anjo da guarda Michel logo percebeu e mandou alguém desesperado procurar um tal produto para colar de volta a traiçoeira ponte partida. Logo voltou a famosa gargalhada sincera.
E assim, depois de tantos anos de convivência o Mário do Trombone nos dá um passa moleque assim, sem mais nem menos que isso não é coisa que se faça. Se aborreça não mano velho que tens muito, mais muito crédito mesmo e teremos muitos cantares e dançares pela frente e você já faz parte indelével dos nossos mais que ídolos, mas, irmão, irmãozinho.
Um Si bemole pra você também, estamos por ai.
Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte do Bloco do Boi, integrante do grupo de Choro Regional Varandas, desde sempre toca cavaquinho e solta a voz na roda de Choro e Samba do tradicional Ouro Verde e Diretor do Clube do Choro.
E o Criador nos tirou o querido Mário do convívio. Sorriso largo, sujeito extremamente modesto e simpático, amigo de todos. Descansou. Saravá Mário, axé pra ti onde quer que estejas, descanse em paz.