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BYE, BYE CARNAVAL.

sapeca_choro_1931_0001“Carnaval, desengano deixei a dor em casa me esperando e brinquei e gritei e fui vestido de rei, quarta-feira sempre desce o pano.”                                      (Chico Buarque)

Eu sei leitor amigo, estou cansado de saber, Carnaval não há. Não, não vou, de forma alguma, num discurso saudosista, falar da beleza dos antigos carnavais cá da terrinha, não vou, mais uma vez, falar que fomos o segundo melhor carnaval do País. Não me iludo com ufanismos jecas e bobalhões. Afinal, quem nasceu primeiro o ovo ou galinha? Isso ninguém pode responder, porém, posso afirmar sem medo de errar que, o carnaval nasceu muito antes do aparecimento das Escolas de Samba. Mesmo no Rio de Janeiro, capital do samba, as Escolas de Samba vão surgir, embrião das grandes escolas de hoje, somente em 1928, onze anos depois da gravação do primeiro samba, “Pelo Telefone”, em 1917, composição de Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos – 1890/1974) e Mauro de Almeida – (1882/1956). Ainda na Bahia, as autoridades da época, descontentes com os rumos do Entrudo(1) (trazido pelos portugueses), conseguem organizar seu carnaval a partir de 1884, tomando como exemplo as novidades vindas do Rio de Janeiro, iniciando o processo para conter os agressivos entrudos, realizando os primeiros bailes de salões, festas a fantasia, corsos, blocos e sociedades carnavalescas. A partir de 1950 é que a Bahia, na contramão de outros centros, vai dar forma ao seu carnaval que, ainda sofria com os últimos suspiros dos entrudos, com a “invenção” do primitivo “trio elétrico” de Dodô e Osmar, chegando aos dias de hoje com os famigerados, gigantescos e altamente lucrativos (para poucos) “Trios Elétricos”. Porto Alegre foi e é também uma capital muito carnavalesca e, como tantas outras cidades, sofreu muito com o Entrudo que foi proibido naquela Capital ainda em 1847, desaparecendo, entretanto, somente no final do século XIX.    No início do século XX, os gaúchos de Porta Alegre brincavam o Carnaval nos grandes bailes, porém a patuleia brincava mesmo era nos blocos, tribos, cordões e ranchos carnavalescos e somente em 1960 é que vão surgir as primeiras Escolas de Samba, naquele Estado. No Rio de Janeiro, com relação ao entrudo, não foi diferente, aliás, festejo muito apreciado pelos dois imperadores, entusiastas do vulgar folguedo, porém nas últimas décadas do século XIX é que o carnaval do Rio passa a ter aspectos coloridos e menos agressivos. Em 1835, no dia 07 de fevereiro realiza-se o primeiro baile de carnaval e, neste mesmo ano começam a surgir as primeiras máscaras. Com algumas divergências nas datas, 1846 ou 1852, é certo, porém, que é através do sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes, que surge a figura do Zé Pereira. Reunindo alguns companheiros, José desfila na tarde de segunda-feira de carnaval tocando bumbos e promovendo verdadeira esbórnia. Em 1855 surge também a sociedade Congresso das Sumidades Carnavalescas que promove a primeira passeata. Na verdade, o carnaval do Rio de Janeiro começa a tomar forma no final do século XIX com aparecimento dos Ranchos, Blocos, Sociedades Carnavalescas, Cordões, e, bem no finalzinho desse século, em 1899, Chiquinha Gonzaga (Francisca Edwiges Neves Gonzaga – 1847/1935), maestrina, compositora, compõe para o Cordão Rosa de Ouro, a marcha imortal “Ô Abra Alas”, considerada a primeira marcha de rancho do carnaval brasileiro. As primeiras Escolas de Samba vão surgir apenas no século XX, no final dos anos 20. Como bem diz o saudoso compositor Seu Jair do Cavaquinho (Jair Araújo da Costa – 1922/2006), sócio número um da Portela: “A Portela no início desfilava com violões, cavaquinhos, pandeiros e porta-estandarte”. O surdo e o tamborim vão surgir apenas em 1932, levado pelo compositor Bide (Alcebíades Barcelos – 1902/1975) um dos fundadores da Escola de Samba Deixa Falar – a primeira Escola de Samba. Cá em Santos, os primeiros festejos carnavalescos, não podia ser diferente, surgiram também com o Entrudo e uma forte influência das festas religiosas, São Gonçalo e Folia de Reis que, junto com as várias formas de ritmos e mais o batuque dos escravos, vão desaguar nos primeiros agrupamentos musicais que desfilavam pelas poucas ruas da cidade. Para combater e banir de vez o agressivo Entrudo dos festejos é que em 1857, alguns foliões criam a Sociedade Carnavalesca Santista para organizar, como se fosse possível, a incipiente folia carnavalesca de Santos. Mesmo com toda crítica que se possa fazer ao Entrudo, não se pode negar, porém, que foi através dele que o Brasil formou seu Carnaval. Pode-se afirmar que, o primeiro Carnaval de Santos acontece no ano de 1858, tendo em vista a criação da Sociedade Carnavalesca Santista em 1857. Em 1860 surge o grupo dos “Encamisados” acompanhados de banda musical. Dai em diante o Carnaval Santista segue com Grupos, Clubes, Tribos, congressos, bailes a fantasia em teatros, Zé Pereira e Vilões. O Carnaval Santista, de rua, ganha um grande impulso no final do século XIX, quando surgem conjuntos chamados “Vilões”, afamados pela elegância e garbo na realização de uma dança, conhecida como jogo de pau, que toma por base uma melodia bem rudimentar e, como tantas manifestações carnavalescas, tem vida efêmera. Mesmo fora do período carnavalesco, meados do século XIX, alguns conjuntos musicais faziam serestas tocando musicas românticas, canções e “dengosos” lundus. Durante o carnaval alguns desses grupos se apresentavam nas ruas, como por exemplo, em 1903, o Grupo dos Boêmios que se apresenta em frente ao jornal O Diário com bandolins, guitarras e violões, tocando quadrilha, lundu, maxixe, polca, modinhas e até o chamado tanguinho brasileiro. No ano seguinte, em frente ao jornal A Tribuna, se apresenta o Grupo dos Pierrôs com violões, guitarras, bandolins, cavaquinhos e pandeiros. Mas é em 1919 que, como consequência desses agrupamentos musicais, surge o primeiro conjunto de Choro, o Choro Carnavalesco Sapeca Choro que vai desaguar numa infinidade de Choros Carnavalescos que só vão desaparecer lá pelos idos de 1970. Tudo leva a crer que, os Choros Carnavalescos são agrupamentos únicos e exclusivos do carnaval santista, pois, não são encontrados, em lugar algum do País, manifestação similar. Os primeiros Blocos carnavalescos surgem a partir de 1917, quando é criado o Bloco dos Cariocas dando o pontapé inicial na formação clássica do mais rico e exuberante carnaval de rua da cidade. Outra criação do Carnaval Santista, que embelezou maravilhosamente o carnaval de rua, foi a dos Ranchos Carnavalescos – o primeiro Rancho fundado em Santos foi o Rancho Filhos do Dever, em 1923. O último desfile dos Ranchos foi em 1974, com a despedida do Rancho dos Boêmios que foi fundado em 1931, sendo, inclusive, o último campeão. Os batuques, em Santos, eram sobejamente conhecidos pela população, pois que, em 1866, já se reclamava de “um batuque de negros que, todos os sábados, lá pela Vila Nova, irrompe pela noite adentro, importunando os moradores das ruas Áurea (General Câmara) e do Rosário (João Pessoa).” Ao que tudo indica seria apenas um ensaio carnavalesco de uma Comuna de Gente Preta, conforme nos conta o escritor e pesquisador Bandeira Junior no seu indispensável “História do Carnaval Santista”. Pelo jeito, esse tipo de reclamação, em Santos, é bem antiga. Ainda em seu livro, Bandeira Junior, explica que, o primeiro agrupamento com o título de Escola de Samba, em Santos, só vai surgir em 1939, com a Escola de Samba do Mestre Moura que animava os bailes do Clube “6 de maio”. Em 1941, a Escola de Samba “163” disputa como bloco no concurso promovido pelos comerciantes do Gonzaga – informação também contida no livro “História do Carnaval Santista” – mas é somente em 1944 que surge a Escola de Samba X-9, que completa, neste ano, 71 anos de vida, sendo, portanto, a Escola de Samba mais antiga em atividade na cidade, além de estar entre as mais antigas do País. A questão que se propõe aqui é a de tentar esclarecer que, o carnaval de rua, tanto lá, quanto cá, tem sua origem, sem dúvidas, na chegada do grosseiro Entrudo trazido pelos colonizadores. Os excessos, na agressiva brincadeira do entrudo no século XVII já provocava a reação policial. Essa vulgar brincadeira só vai terminar ou diminuir no final século XIX, com a criação de organizações que tentavam disciplinar o carnaval – no Rio de Janeiro o Congresso das Sumidades Carnavalescas (1855) e em Santos, a Sociedade Carnavalesca Santista (1857). Mas a evolução do carnaval cá na terrinha, principalmente, foi e sempre será a vocação da cidade para o carnaval, queiram uns ou não. O crescimento do carnaval santista se dá a partir de 1920, e, dos anos 40 até o final dos anos 60 do século passado, o carnaval de Santos torna-se o mais importante carnaval do Estado de São Paulo, entre os maiores do Brasil, provocando, inclusive, um afluxo significativo de turistas para a cidade, não só no período de carnaval, como também nas férias de meio e de final de ano. Por coincidência ou não, sintomaticamente, a decadência do carnaval santista se dá a partir do início dos anos 70. Nesse mesmo período, junto com a decadência explícita do nosso carnaval, a cidade também perde os bondes, o Parque Balneário, o Samba Danças, Daniel Feijoada, Maurici Moura, “Dona Dorotéia vamos furar aquela onda?”, Bailes de Carnaval de Clubes e por pouco não vai o Coliseu e outras tantas histórias e tradições. De tudo, ficou apenas a resistência e a luta das Escolas de Samba para se manter íntegras com um pouco de dignidade, porém, com profunda tristeza, posso afirmar que, Carnaval, de rua, não há.

(1) ENTRUDO – Entrada. São os três dias que antecedem a Quarema. CONSULTAS. “História do Carnaval Santista” – Bandeira Junior “O Carnaval carioca através da música” – Edigar de Souza

Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte da bateria do Bloco do Boi, foi integrante do grupo de choro Regional Varandas, formado por jovens amantes do Choro. Desde 1986 toca cavaquinho e solta a voz na roda de samba e choro do tradicional Ouro Verde e diretor do Clube do Choro.


3 Comments Add Yours ↓

  1. Marcello Laranja #
    1

    Perfeito René, louva-se somente a fibra e a persistência dos sambistas que tentam, com extrema dificuldade, manter acesa a chama dos desfiles em suas Escolas. No mais, Carnaval em Santos, há muito tempo, não existe mais, veio morrendo aos poucos durante esses anos todos. Não adianta insistir, isso não volta nunca mais. Abraços.

  2. Renê Ruas #
    2

    É isso Presida. Eu tentei mostrar que, na verdade, o carnaval de RUA, tem muito pouco com o desfile de Escolas, pois o carnaval nasceu muito antes dos desfiles, porém no último parágrafo eu falo sobre o esforço das Escolas em se manter dignas e integras. Devo, dias desses, prosseguir com o apaixonado tema e meus temores de se transformar o carnaval de rua em novo entrudo.

  3. Marcello Laranja #
    3

    Carnaval de rua, hoje em dia, nem pensar. Faz tempo que acabou a criatividade e o compromisso com a folia. O que existe é um pacto com o demônio traduzido nessa violência desmedida e totalmente sem nexo. Sinal dos tempos, infelizmente.



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