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HAROLDO LARA E A MEMÓRIA DA CIDADE

HAROLDO LARA“A grandeza não consiste
em receber honras, mas
em merecê-las.”
(Aristóteles)

Em 1952, durante a Olímpiada de Helsinque, aconteceu um fato inusitado envolvendo nadadores americanos e um brasileiro. O mundo vivia a chamada Guerra Fria, e uma certa madrugada o nosso Haroldo Lara, juntamente com dois integrantes da equipe americana, entre eles o Bud Spencer, protagonizaram uma cena que deu trabalho a KGB e ao FBI. Os três resolveram trocar as bandeiras dos alojamentos, ou seja: tiraram a bandeira americana e colocaram no lugar da russa, e a russa no lugar da americana. Pela manhã o bicho pegou, mas até hoje o episódio continua no anedotário esportivo. Nenhum dos dois serviços secretos conseguiu descobrir os autores e, se conseguiram, se fecharam em copas.       
Assim era Haroldo Lara, irreverente e brincalhão como todo nadador santista que se prezava. Davam trabalho nas competições onde participavam, sempre criando fatos para que os técnicos e dirigentes conseguissem solucionar os resultados dessas brincadeiras. Uma vez, durante os Jogos Abertos do Interior realizados em Sorocaba, os nadadores santistas se revezaram para “aliviar” umas dez melancias de uma mercearia em frente ao alojamento, já que a comida não andava satisfazendo ninguém. Enquanto eu e mais um companheiro distraiamos o comerciante, os outros carregaram as melancias para o alojamento. Foi um dia de fartura que os nossos dirigentes tiveram que pagar ao comerciante.
Daquela época alguns seguiram o caminho das artes. Haroldo foi para o canto lírico, após vencer um concurso de canto em uma emissora australiana, durante a Olímpiada de Melbourne. Ganhou uma bolsa de estudos para o Conservatório Santa Cecilia, de Roma, para onde se mudou logo após voltar da Austrália. Nunca mais voltou ao Brasil, a não ser para visitar sua mãe e passar férias. Como Haroldo, seu irmão José Paulo enveredou pelas artes cênicas como diretor de espetáculos infantis, e crítico teatral do Grupo Folha de São Paulo. Outro que seguiu tal caminho foi Plínio Marcos, que se tornou um dos maiores dramaturgos brasileiros.
Nunca perdi o contato com Haroldo. Mesmo morando na Itália nos correspondíamos ou conversávamos via telefone, em uma amizade com mais de sessenta anos. Haroldo foi brilhante como nadador, recordista brasileiro e sul-americano dos 100 metros livres, e um dos cinco maiores velocistas do mundo em sua época. Como barítono fez sucesso nos palcos europeus e no Estados Unidos, onde durante anos atuou na Ópera de Seattle, tornando-se amigo de Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr. Assim como Bud Spencer, que se tornou um astro do cinema italiano, trabalhando em filmes satíricos sobre o oeste americano.
Haroldo faleceu e não mereceu desta sua cidade natal, que sempre honrou como atleta e cantor lírico, uma mínima homenagem. Nem a presença de nenhuma autoridade dos esportes ou da cultura, compareceu para colocar uma pétala de rosa em seu caixão. Nem do único clube que defendeu em sua carreira esportiva. Uma cidade com autoridades sem memória. Até o governo italiano reconheceu seu valor, lhe conferindo a comenda de Cavalliere della República. Presentes em sua despedida, representando nossa época, somente eu e o professor Elny Camargo, que foi nosso grande técnico. Agora, restam as lembranças, que são muitas e divertidas.

CARLOS PINTO
Jornalista
(10.01.15)


1 Comments Add Yours ↓

  1. Renê Ruas #
    1

    Ora, caro amigo Carlos Pinto, o pessoal ai está mesmo é preocupado em criar dia do Hip Hop, dia do Seresteiro, dar título para o famoso quem, homenagens de gosto sempre duvidoso e coisa e loisa. Para esse povo não tem a menor importância se “A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las”. Carlos Pinto, velho amigo, a cidade
    está sitiada pela burrice.

    Abraços
    Renê Ruas



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