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EMBUÁ E COBRA CORAL

Saci“As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender”.                                 (Paulinho da Viola)

Cresci ali, bem no fundão do Marapé, num chalé encravado no pé do morro, entre muitas histórias contadas pela Vó e pela Mãe. Naquele pedaço surgia não se sabe como, no portão das casas no final de tarde, no balcão do Bar do Seu João ou ainda na Barbearia Dois Irmãos, histórias, disse me disse e muitas conversas pra boi dormir.  Cresci sim ouvindo, no fundão, muitas histórias, algumas completamente amalucadas outras nem tanto. A Vó, entre tantas conversas, dizia para quem quiser ouvir que o grande cantor Caco Velho, era primo dela. Não sei não, mas se a Vó falou tá falado e pronto.    

Confusa e estranha história, das mais doidas por sinal, eu sei, lenda ou sei lá o que mais e que se espalhou pelo pedaço, trazida pelos antigos moradores do bairro, dizia que, o poeta e parceiro de Carlos Gardel, Alfredo Le Pera tinha nascido ou vivido no Marapé. Diziam esses moradores que Alfredo Le Pera era conhecido, inclusive, como o “Milongueiro do Marapé”. Hoje é sabido que o homem nasceu mesmo foi em São Paulo. Eu cá no meu canto fico com a versão dos moradores do fundão. Lá pelos anos 60, vindo do Vale do Jequitinhonha, vem morar no chalé número 8 da Alberto Veiga, a família do Seu Cazuza. Família grande de muitos irmãos e de muita música. Todos, bons cantores, tocavam violão, viola e mantinham um afinado Terno de Reis que encantava as crianças quando, depois do Natal, desfilavam suas cantorias e suas bandeiras pelo quarteirão. Seu Cazuza, violeiro de muitos dedos, contava que, pra tocar bem a viola e manter a velocidade nos ponteios, bastava deixar um embuá (centopeia) ou uma cobra coral passear entre os dedos. Não sei se o truque funcionava, mas que o Seu Cazuza era um grande violeiro, isso era mesmo. Um pouco mais adiante, lá pelos lados do campo do Ouro Verde Futebol Clube, num chalé de esquina, quase coberto pelo bambuzal, morava o Seu Lili, exímio violonista. Além de grande violonista, Seu Lili dava aulas de violão e cavaquinho para a molecada da rua e arredores. O chalé do Seu Lili era o solo sagrado dos Chorões e Seresteiros, quando nos domingos se reuniam por lá na mais famosa roda de Choro do bairro. Seu Lili, um às nas baixarias do 7 cordas, mantinha um segredo conhecido por poucos. Para proteção do violão, contra mau olhado, melhorar a “voz” das cordas ou ainda dar “tino” ao instrumento, guardava um guizo de cascavel dentro do instrumento. Era tiro e queda e, se funcionava ou não, não sei, sei, porém que os violões e cavaquinhos do mestre ainda vivem até os dias de hoje. Outra história, misteriosa, sem sombra de dúvidas, era a do Seu Landulfo, velho mestre de Aruanda. Bom violeiro, Seu Landulfo andava com o violão dependurado nos ombros pra cima e pra baixo, companheiro inseparável e não guardava o violão com as cordas viradas para a parede e explicava, “o violão fica constipado”. Seu Landulfo só desconversava quando algum desavisado perguntava sobre o pacto que, porventura, teria feito com o Diabo. Essa conversa aborrecia o Seu Landulfo por demais, porém, contava a boca pequena, aos amigos mais amigos que, no duro mesmo, tinha feito era um “pacto” com o Saci, pois que guardava um deles bem “velho” em uma garrafa que lhe prometia “inspiração divina” para compor suas lindas valsas desde que, “em troca”, desse o nome das filhas, Zaíra, Zaida, Zenaide e Zilá para as valsas. Seu Landuldo, mestre de Aruanda, sabia da vida. Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte da bateria do Bloco do Boi, foi integrante do grupo de choro Regional Varandas, formado por jovens amantes do Choro. Desde 1986 toca cavaquinho e solta a voz na roda de samba e choro do tradicional Ouro Verde e diretor do Clube do Choro.


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