“Meus erros são, em parte,filhos de meu tempo.
Obviamente os assumo, mas há vezes que medito com nostalgia.”
(José Mujica)
A recente morte de Norma Bengell, fez com que a mídia ressuscitasse sua história, que não se define apenas por sua profissão, mas também, por suas ações no campo da política e da luta pela liberdade. Detiveram-se em veicular sua frágil situação econômica e de saúde, bem como nominar os colegas que lhe foram fiéis nos tempos ruins que vinha enfrentando. A mesma mídia que poucos anos atrás a execrou como se fora uma bandida, ou um desses personagens ora envolvidos em polpudos atos de corrupção.
A mesma mídia que nos anos de chumbo estava sob o tacão da censura, e que se hoje respira com liberdade deve muito a Norma Bengell. É só olhar as fotos da época, quando as passeatas pela volta da democracia e contra a censura, como procissões se arrastando pelas ruas de São Paulo, Rio e outras capitais. Em quase todas elas vamos encontrar Norma Bengell na linha de frente.
É certo que todos vão lembrar das tomadas de nu frontal do filme “Os Cafajestes”. Tanto Norma quanto Leila Diniz carregam a responsabilidade de uma luta pela libertação da mulher. Libertação em termos de quebra de tabus e machismos que as relegavam a simples objetos. Há mais história na vida de Norma do que simples aparições cinematográficas, televisivas ou teatrais.
Relembro um comentário que escrevi em 1999, enfocando os trinta anos da ausência de Cacilda entre nós. Nesse comentário relembrei uma passagem da qual participei, e para a qual fui chamado por ela. Em função de sua atividade política contra o regime de então, Norma Bengell havia sido “sequestrada” pelas forças da repressão.
Na época, Cacilda transformou seu apartamento em um aparelho de resistência, onde vários integrantes da classe artística montaram dia e noite, uma vigília, até a soltura de Norma. Foram dias de intensa negociação por parte de Cacilda, junto aos militares e integrantes do DOPS. Relembro um episódio em que Cacilda foi ofendida por esposas de militares da época, e até ameaçada de ser detida, tal a veemência com que lutava pela liberdade de sua companheira de arte.
Após sua libertação, Norma voltou ao seu ativismo político, participando de vários trabalhos na luta pela volta da democracia. Norma não era apenas a mulher bonita, de corpo escultural. Era uma revolucionária que lutava a boa luta, e só por isso merece ser sempre lembrada. Razão pela qual torna-se até ofensiva, a situação a qual foi relegada não só pela mídia, mas também pela classe cultural.
Sua vida se aplica bem a uma célebre frase de Shakespeare, no texto “Júlio Cesar”: “O mal que os homens fazem, permanece após sua morte. O bem, esse quase sempre é enterrado com seus ossos.”
CARLOS PINTO
Jornalista
(11.10.13)