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91 ANOS DE UM GÊNIO CRIATIVO (parte 1)

Ainda são relativamente poucos os brasileiros que, pelo gênio criativo, conseguiram ir além das fronteiras do nosso imenso país para se afirmar no resto do mundo. Gilberto Mendes é um deles. Pioneiro daMúsica Concreta é considerado um transmodernista, termo que talvez consiga classificar o universo e o seu pensamento em constante transformação e em contínuo aprendizado.

Foi ao final de uma tarde fria e chuvosa de inverno (23/07/13), que o compositor e novel escritor Gilberto Mendes nos recebeu, com muito bom humor, ao lado de sua mulher Eliane e da cadela Mel, em seu apartamento no bairro Boqueirão, em Santos, para um agradável e descontraído bate-papo, regado com cafezinhos e canapés.

Gilberto Mendes disse que até pensaria em compor um “Choro” em homenagem ao Clube do Choro de Santos, embora esse estilo não seja sua especialidade…

Festejou a 47ª edição do Festival Musica Nova, que celebra os 50 anos do Manifesto Música Nova, publicado pela revista de arte de vanguarda “Invenção”, de 1963, que afirmava que a música nova tinha “compromisso com o mundo contemporâneo”. O documento foi assinado por Rogério Duprat, JulioMedaglia, Willy Correia de Oliveira e o próprio Gilberto Mendes, dentre outros.

A entrevista que gravamos é uma homenagem do Clube do Choro de Santos aos 91 anos de vida e arte (completados neste domingo -13/10/13), deste fantástico compositor santista, um dos principais idealizadores do Festival Música Nova de Santos, a mais antiga mostra internacional de música contemporânea da América.

Participaram da entrevista Marcello Laranja, Ademir Soares e Luiz Pires. Confiram!!!

MARCELLO: (…) Não sei se você é a favor disso, se chegou a pensar nisso, mas, o Villa Lobos, há muito tempo, eliminou aquela diferenciação que existia entre música popular e erudita, tanto é que depois de muito tempoeu vi pessoas, maestros, enfim, muitos usando a expressão “música de concerto”. Você acha também que tudo é música ou faz a diferenciação entre a música popular e erudita, ou, clássica, como queira?

GILBERTO MENDES: Isso é uma controvérsia que existe até hoje. Uma controvérsia que não desmerece nem uma nem outra. Tanto que os melhores caras que estudaram, realmente, gostavam tanto de uma como de outra. Há quem diga que música é música, que é uma coisa só. Agora, quem pesquisou isso foiVincent d’Indy, um compositor francês do Século XIX.Ele era um compositor bastante bom, mas, não tão bom…é que a França teve os maiores,e ele acabou ficando mais famoso como professor, tinha a “ScholaCantorum”, escola famosa que todo mundo queria estudar. Ele pesquisou esse assunto, e concluiu queé uma coisa só. A música popular é a música eruditafeita pelo povo, pelas pessoas que não vão estudar música, assim, profissionalmente. Mas, que como linguagem, arte, é uma coisa só, é que o “não letrado”, o “não musicado”, faz a música com muito menos conhecimento, vamos dizer, teórico-técnico, mas faz. E o que faz é a mesma música, na opinião dele, D’ Indy. O Bartok, que foi outro grande compositor, no Século XX ( realmente,um dos maiores, se botarem os três maiores, seriam  ele, o Stravinsky e o Ravel, né, lá em cima), foi compositor de vanguarda, na época dele, com Stravinsky, mas, ele gostava muito do folclore. Ele pesquisou nos anos 20, com aqueles gravadores enormes, grandes, andava com aquilo no mato, na Hungria, na Rumania, na Bulgária. Acho que foi o primeiro pesquisador sério disso, gravava “in loco”, lá com o camponês, e ele concluiu a mesma coisa: que a música chamada popular – no caso, a música folclórica – era a mesma música erudita, mas, feita por uma pessoa que não é músico profissional…

MARCELLO: De uma forma mais simplista, mais artesanal, podemos dizer assim?

GILBERTO MENDES: É, exato, da forma que era possível para os festejos naturais de folclore, mas era a mesma, em geral feita por gente que vivia a Corte, ou era empregado lá. Então ele participava, via as festas, depois voltava para a vilazinha dele. A música deles era muito parecida, mais simples, mais festiva…

MARCELLO: Menos rebuscada, talvez?

GILBERTO MENDES: É, bem menos.  A música popular, o folclore, nasce, na opinião dele,do erudito.  A base de qualquer arte, de qualquer ciência, é muito baseada no esforço intelectual, no grande conhecimento das coisas; então, é um nome antipático à elite…os caras que tem dinheiro, vivem bem, podem estudar, pesquisam…

MARCELLO: Acadêmicos?

GILBERTO MENDES: Acadêmicos, sim, esses fazem, esses estruturam os fundamentos da música no seu todo. O popularfaz a mesma coisa, cada um com seus conhecimentos, até sem saber música, é outra conversa, ela se difere por esse lado. É uma opinião da qual eu participo, vejo isso como uma coisa lógica. Eu tenho até um artigo no jornal Estadão, onde abordei esse assunto. Eu pesquisei mais e verifiquei …tinha o Boécio (o maestro faz uma brincadeira)…não confundir com “Beócio” (risos)…um filósofo greco-romano, que dizia que “os gregos inventaram a música”. Olha a expressão:”os gregos inventaram a música”…e dizia mais, citava que Pitágoras inventou a música. Realmente, os gregos e, basicamente, Pitágoras, quenão era músico, era físico, masestabeleceu os princípios sobre os quais se poderia fazer uma música, estabeleceu as alturas, o dó, o ré, mas, fisicamente, como cientista, a vibração. Ele definiu os intervalos, os modos, criou os modos…modos são aquelas escalas…(em seguida o maestro entoa uma rápida melodia)…ele estruturou fisicamente a música, a música do Ocidente, em cima da qual iria renascer toda a música nossa. O Oriente é diferente, o Oriente tem uma forma parecida, mas, eles estruturaram de forma diferente…

MARCELLO: É umaoutraforma de leitura, não é?

GILBERTO MENDES: Não, de organização.  Por exemplo, nós, os ocidentais percebemos até o meio-tom, mas não percebemos o quarto de tom. Ooriental percebe, ele tem melhor ouvido do que a gente, então já fizeram as escalas deles, essa organização pra música deles, equivalente ao quePitágorasfez pra nossa música, mas com quartos de tom, uma coisa que, quando eles cantam, parece que estão desafinando. Você sabe o que é um meio-tom? (o maestro entoa o “dóóóóó”)…eles fazem menor, eu não sei, eu sou ocidental…então, a música deles não evoluiu como a ocidental, lá permaneceu mais ou menos igual. A ocidental teve um desenvolvimento muito grande, a gente passou por várias fases, períodos, né, toda a Idade Média, se divide em Período Gótico, Período ArsAntiqua, Ars Nova, depois Renascença, Barroco, Clássico, Romântico. O Oriental, pelo que a gente ouve, não deve ter passado por isso, por essas diversificações, ficou uma música extremamente charmosa, bonita, atraente, mas, limitada por este lado, ea ocidental muito desenvolvida.

GILBERTO MENDES …em cima da música grega nasce a música do ocidente. Os gregos foram terríveis, até aquele cineasta francês Jean-Luc Godard dizia que o mundo deveria pagar “royalties” para a Grécia. Eles fizeram a filosofia, o teatro, a democracia, a música, tudo. Os gregos estruturaram tudo isso naquela época, né, impressionante. Uma música da qual se tem muito poucos documentos e textospara contar a história da música erudita. Mas,eu mesmo já usei um deles, o“Hino à Apolo” que está num museu…escrito numa pedra… estou me lembrando…Delfos, onde tem o Oráculo. Pois fiz uma música a partir deste nível, que eu chamei “Ulisses em Copacabana surfando com James Joyce”…risos… eeu começo com o “Hino a Apolo”. Eu estive na Grécia umas três vezes, inclusive essa música que eu fiz foi uma encomenda lá do Festival, então eu dei um pulo a Delfos, poisqueria ver essa inscrição. Oguarda foi logo dizendo: “é proibido fotografar”, mas já era tarde, minha mulher já tinha fotografado, não iria sair de lá sem a fotografia ao lado dessa inscrição que está na pedra. Acho que é a inscrição mais antiga que existe, eles escreviam em pedra as coisas. Então isso estabelece uma diferença que é natural, que existe em tudo, em toda a coisa, atividade artística, científica, o que for. Tem um lado mais complexo, mais trabalhado, querequer mais conhecimento e, consequentemente, está na alta classe, porque o cara tem dinheiro pra viver essa vida, estudar, pesquisar, viajar, essas coisas todas, é natural, não é porque ele seja melhor do que o outro lá. Agora, uma coisa pitoresca disso, é um “feedback”: o povão, a massa, que nem sabe e não é obrigado a saber música, faz, toca de ouvido e tal, faz aquelas músicas e no fundo é porque ele vive a Corte, ele ouve aquilo lá, fica no ouvido dele, depois ele faz uma música parecida mas sai outra, ele faz uma outra também tão rica que acaba ficando tão diferente da outra apesar de ser origem dessa que aí encanta a classe alta, a classe alta vai beber em algo que saiu dela mesma. Isso é uma coisa engraçada. Aí é o caso das chamadas músicas nacionalistas que surgiram, muito assim, em séculos passados, 1700, 1600, 1500, era um pouco diferente dessas distinções, eram bem mais próximas, se você pega uma música da Idade Média – a gente vê pelos discos que a gente compra dessa época – no grupo que toca tudo isso, a gente não percebe essa diferença, o transito era muito grande entre as duas. E no Século XIX, na Europa de muitas emancipações e nacionalismos surge, muito naturalmente, essa música que é popular, todo mundo participa, entende, pratica, é fácil.  E ela passa, então, a influenciar muito a erudita, que não tinha mais o que inventar, já tinha estabelecido tudo.  Isso surge com o Romantismo, mais ou menos com a história da música ocidental, da Grécia. Na Idade Média começa a nascer uma senhora música, na Igreja (interessante que papas foram musicólogos, né!).  Santo Agostinho, e outros santos, estão envolvidos nessa história, fizeram teorias, estabeleceram coisas para a estruturação da linguagem musical. Santo Ambrósio – tanto é que eu me chamo Gilberto Ambrósio e eu vi a múmia dele lá em Milão, estava lá em uma vitrine -criou o “Canto Ambrosiano”, depois veio São Gregório, com o “Canto Gregoriano”. Foram papas, foram teóricos da música, estabeleceram, assim, linhas teóricas de construção da música, o que determinava um estilo. O canto da Igreja, e a música popular, a partir daí até a definição desses modos pelos gregos e pela própria Igreja – quando a Igreja domina a Europa-passou a influenciar muito o povo. Isso veio a acontecer, inclusive, na América, sobretudo no nordeste que teve maior proximidade com a Europa, com a Península Ibérica, que eles chamavam de Modalismo, sabem o que é Modalismo, música modal? A partir dos gregos e do desenvolvimento mais erudito, eles definiram em modo maior e modo menor, a música caminhou pra isso, porque antigamente as músicas eram feitas sobre escalas, que a partir de um certo momento se dividiram em duas só, a maior e a menor…em cada uma delas o meio-tom estava num lugar diferente, isso dava diferença entre elas. E sobre cada um desses modos – chamavam de modos – se construíam as músicas. Mas isso vinha da Igreja…módulos esses já criados na Grécia quando eles inventaram a música. Era de cima para baixo. Agora, os romanos que herdaram a cultura grega pegaram isso e fizeram de baixo para cima, era a mesma coisa, só que de baixo pra cima. Mudava só o lugar do meio-tom…e as músicas eruditas eram feitas em cima disso e as populares também. Só que as eruditas foram complicando de tal maneira e as populares ficaram em cima desses modos e começaram a ter um desenvolvimento meio à parte da outra. Então seduzia muito a outra, o que seduzia o erudito na popular era a comunicação, a força, porque as vezes era mais abstrata, mais intelectualizada, tinha um tipo de beleza que, vamos dizer, atingia a classe ilustrada, o povão não ligava. Quer dizer, até ligava, gostava dela, mas…

MARCELLO: Mas não tinha informação que permitisse maior acesso a isso?

GILBERTO MENDES: Quem?

MARCELLO: O povão, ele não tinha essa informação?

GILBERTO MENDES: Não tinha a informação, ele fazia de ouvido, o músico popular não sabe música nesse sentido, ele sabe tocar o seu instrumento, evidentemente. Mas ele não sabe música, nem escreve a música, é tudo de ouvido e vai passando de geração em geração. Essa é a chamada música folclórica, que vem assim, de tradição oral. Agora, no Século XIX surgem as músicas eruditas de volta à nacionalismos fortes…não estavam muito ligando pra isso, mesmo por que as nações não eram como as nações de hoje, eram outras nações, outros conglomerados, portanto era mais um eruditismo erudito (risos). No Século XIX, daí por força de Revolução Francesa, Polônia, todos os países estavam brigando querendo se livrar dos reis, imperadores, do país que dominava… aquela coisa…surgiu uma música erudita muito nacionalista, muito patriótica. Agora, esse patriotismo é 100% folclore…

GILBERTO MENDES: …esses nacionalismos aconteceram nos países mais atrasados da Europa. A Alemanha ainda tinha uma música altamente estruturada, passava até pelo Beethoven, né, a França também, aqueles países não tiveram esse problema do nacionalismo musical. Agora Polônia, Rumania, Bulgária, os mais atrasados da Europa, Rússia, eles tiveram uma fortíssima música nacionalista. A Rússia, principalmente, teve o chamado Grupo dos Cinco,Rimsky-Korsakov, Borodin e vários outros lá. A Polônia teve Chopin, ele bebeu muito nas fontes populares, no folclore da terra dele. E os países nascentes na América, Brasil, Argentina, Estados Unidos, eram “países-braço” da Europa. O índio, em termos de cultura, não pesou em nada na balança, nada, nada, nada. Puramente Europa,o seu canto de Igreja que vai fazer surgir uma outra música folclórica que não é mais europeia, se parece, mas não é mais europeia, já é outra coisa. Aí por causa de um fator novo, o negro. Aí entra o negro na dança. O negroescravo, uma raça muito musical e eles foram, aos poucos, criando não só a música folclórica, que é a música do campesinato, do cara que não sabe música, só de ouvido que passa de geração em geração, não tá escrita, quem vai escrever, depois, são os eruditos pra guardar pra posteridade. O canto de Igreja – que é um canto muito rígido – e em cima, rigidamente, desses modos criados pela Igreja, essas escalas,já tinha acontecido na Europa, música húngara, música rumena, música russa, música polaca, já era o centro-leste europeu. O lado mais francês, inglês, assim, foi mais intelectualizado, tinha uma aristocracia mais estabelecida, mais nacionalizada, melhor definida, estavam acima desses problemas, sobretudo a Rússia com uma escola nacionalista forte. E os países americanos. Mas aí com um fator novo nessa história.  A noção de escala é ligada à música, ninguém faz música em cima do nada, sempre em cima de uma escala, em cima de uma sequência de notas, enfim. Transportamos para um instrumento, instrumento é composto de maneira pra que possa fazer isso bem. Agora, o negro traz a sua cultura que também tem isso pelo lado de que tudo é homem, tudo é ser humano, tudo faz coisa igual…mas tem suas diferenças também, né. São negros, vivem na África, em outras condições geográficas, passam pela escravidão,são presos e levados pra trabalhar longe de sua terra.  Aqui no Brasil eles começam a ouvir música dos eruditos. Os primeiros compositores eruditos brasileiros eram quase todos negros, eram mulatos, fizeram a música barroca brasileira, principalmente a música barroca de Minas Gerais, da Bahia, um pouco de São Paulo, todos mulatos, alguns até negros. Ouviam música barroca europeia erudita e gostavam. Mas ao mesmo tempo em que acontecia um folclore natural, alguma coisa como acontecia na Europa.  No caso brasileiro, pra mim, a grande novidade do negro no Brasil é que eles inventaram a música popular de cidade, não era mais do campo, a música suja. Porque a música folclórica é muito pura, muito limpa, a música do campo, passa direitinho de pai pra filho, a mesmíssima, isso não muda. O negro inventou a música popular de cidade, música popular urbana. Tem música popular folclórica, que é do campesino e a música popular urbana, a “dancemusic”, uma música suja, misturadíssima. Porque?  Era pra dançar, pra farra, mas, magnífica, impressionante. Tem um livro muito bom sobre isso, da Oneida Alvarenga, chama-se “Música Popular”, ela faz bem essa distinção entre música folclórica e música popular urbana. A folclórica permanece a mesma, é pura, não muda quase nada. A urbana é misturadíssima e é feita pra farra, baile, festa. Veio dar na “dance music”, veio dar no “jazz” nos Estados Unidos, na nossa música popular…

MARCELLO: Sim, sim, exatamente essa origem, exatamente essa forma…!

GILBERTO MENDES: Veio dar nisso tudo aí. Eles introduziram esse ritmo (nesse momento o maestro bate na palma da mão simulando algo percussivo e diz:esse é um ritmo exclusivamente negro). Uma vez nos Estados Unidos, numa palestra, um negro musicólogo, africano, dividiu a plateia:lado de lá e lado de cá,  e deu o ritmo que queria que eles fizessem. O lado de cá, em que eu estava, ele pediu esse ritmo (bate novamente na palma da mão), era o ritmo que ele pedira pra fazer. Depois fui conversar com ele. Ele disse: o ritmo que eu fiz é da minha terra. Disse eu:eu sei que é da sua terra, mas esse é o ritmo básico de todas as músicas africanas na América, a música americana, a música do Caribe, a música brasileira … os negros   têm esse ritmo, de algum jeito (o maestro continua batendo na palma da mão e entoando melodias…) …no começo do Jazz americano, o Ragtime, o Tango argentino, depois vai dar no Chorinho. É um ritmo rigorosamente negro. Os países que não tiveram negros, como Venezuela, Chile, não têm isso, a música deles é espanholada…(gesticula)…é mais com esses ritmos…Espanha….(gesticula novamente)…não tem isso aí. Então o negro tem uma importância tremenda nesse jogo aí… Acho que eu fiz um resumo…

MARCELLO: Dentro desse universo da música clássica, erudita, você destacaria a França e a Alemanha como os principais?

GILBERTO MENDES: São os principais, a França mais ainda. A Alemanha se gaba muito por que tem o Beethoven, o Bach e tal, mas a França é mais antiga ainda, a presença, assim, bem culta na história da música, a França vai muito longe. Tem um período meio neutro, assim, em que você não distingue países, como se faz no Canto Gregoriano, simultaneamente, mais ou menos, por causa da igreja que domina a Europa, a igreja cristã, com um tipo de música e o Canto Gregoriano exerceu poderosíssima influência nas músicas folclóricas do mundo inteiro. Por causa da igreja, o povão vai na igreja ouvir aquela música antiga, toda em cima dos modos e vai fazer uma música em cima daquele modo, mas só que é popular, mas é em cima daquele modo. Então é uma música…o folclore deve muito à música de igreja por este lado. A influência se efetuava através basicamente da Igreja e da própria Corte porque o povão também era ligado à Corte, eram empregados, trabalhavam com os cavalos, serviam a mesa do patrão, eles veem às festas, eles ouvem as músicas, está tudo no ouvido deles, eles são atentos. Dizem que no Brasil, no tempo da escravidão, o maior auditório que tinha música barroca da Europa feita aqui no Brasil, era nos terreiros dos negros…

MARCELLO: Nas senzalas…

GILBERTO MENDES: Eles iam encostar nas grades dos cercados, todos ouvindo uma música que não era deles, ouvindo música europeia, o maior público que tinha…os outros eram mais abrasileirados, não estavam ligando muito. A própria Corte estava ouvindo, mas não estava ligando muito também, mas os negros…e eles foram se tornar os primeiros compositores de música barroca brasileira, música culta brasileira.

MARCELLO: E agora falando especificamente de você, e o Gilberto Mendes, maestro, compositor, arranjador…

GILBERTO MENDES: Tudo isso, menos arranjador.

MARCELLO:…com a idade que você tem, com a experiência, com a vivência, você se sente realizado com a sua obra?

GILBERTO MENDES: Graças a Deus, me sinto, vivi bastante, deu tempo…risos…! Passei por muitas fases, por diversas fases, quase todas…é uma coisa do compositor do Século XX, os compositores antigos não passavam por fases…

MARCELLO: É verdade, você pegou várias delas…

GILBERTO MENDES:…fazendo a música da época, barroco…encostando no Bach, no Haendel, no Vivaldi, qualquer um barrocão lá da época, ou discípulo dele, aprender com ele, fazer a mesma música. Só ficava diferente porque tinha outra personalidade, era bom músico, ficava diferente mas não tinha intenção nenhuma de fazer uma música diferente…eu já peguei uma época muito diversificada, você tinha que escolher o caminho, eu passei por várias fases. A básica eu comecei com a música depois de grande, com 20 anos, o be-a-bá…

MARCELLO: Ah…você só veio aprender música com 20 anos? Que gozado…

http://clubedochoro.org.br/blog/2013/10/12/91-anos-de-um-genio-criativo-parte-2/


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