GILBERTO MENDES: Com 20 anos, eu estava em São Paulo, na Faculdade de Direito, nas Arcadas, fiz dois anos lá…
MARCELLO: Você é oriundo da Faculdade de Direito também? Essa eu não sabia.
GILBERTO MENDES: Fui colega da Lygia Fagundes Teles…
MARCELLO: Não sabia deste detalhe, Gilberto, que você foi aluno da Faculdade de Direito…
GILBERTO MENDES: Exatamente, ela fez 91 anos, ela é um pouquinho mais velha do que eu que vou fazer 91 agora. Eu era estudante de Direito, aí um cunhado meu na época disse assim: “o que você está fazendo, está estudando Direito em São Paulo? Você sofre de asma, tá passando mal lá”…(risos)…porque ele era advogado e sofria de asma também, quer dizer, tá perdendo a saúde. “Você não percebeu que você é músico”? Ele falou assim pra mim. “Volta pra Santos, entra no Conservatório, o Conservatório aqui era muito bom, na época, era propriedade de Antonieta Rudge , uma das três maiores pianistas brasileiras, que não sei por que tinha um conservatório em Santos e não em São Paulo onde ela morava, nunca entendi essa. Mas ela não mora em Santos, ela era somente dona e diretora, ela vinha só no fim do ano para olhar os exames e só dava aula para o último ano, aperfeiçoamento. Menino que estudou 15 anos de piano… aí ia estudar com ela. “Mas entra pro Conservatório e entra pro Saldanha, você está perdendo a saúde”. Eu sempre tive asma, mas não me matou, acho que fez até bem…(risos)…! E às vezes quando a gente tem uma doença a gente se cuida, né?
ADEMIR: Mas o senhor chegou a se formar em advocacia?
GILBERTO MENDES: Não, não, eu larguei pelo conselho desse meu cunhado eu larguei a faculdade. Fiz o que ele mandou, entrei para o Conservatório e para o Saldanha, comecei a estudar música e a nadar…
MARCELLO: Só faltou, então,eu citar seu nome num programa que eu fiz na Rádio Litoral,falando, curiosamente, sobre os grandes compositores brasileiros, músicos oriundos de Faculdades de Direito, não só os que abandonaram a Faculdade durante…
GILBERTO MENDES:…Stravinsky foi advogado, considerado o maior compositor do Século XX, foi estudante de Direito…
MARCELLO: Como os que se formaram e trabalham até hoje como advogados,e tem uma porção de gente…
GILBERTO MENDES: Caio Pagano, pianista, era advogado, estudou Direito…
MARCELLO: Tem uma porção deles, Edu Lobo, Emílio Santiago, até o Raul Seixas, Alceu Valença, pega uma porção de gente que veio de Faculdade de Direito…o Silvio Cesar é um cara que até hoje…
GILBERTO MENDES:…mas eu não cheguei a terminar…
MARCELLO:…mas boa parte deles também não completou o curso…
GILBERTO MENDES: Eu fiz os dois anos que se chamavam “Pré”…antigamente você acabava o Ginásio você ia para uma Faculdade fazer um “Pré”, na própria Faculdade, Pré-Médico, Pré-Engenharia, Pré-Jurídico, eram os três principais. Depois criaram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, criaram a Universidade de São Paulo depois, que não existia, tinha as faculdades mas eram separadas. O Armando de Sales Oliveira, o pessoal do jornal O Estado de São Paulo, eles criaram a chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que deu uma outra abertura, todo mundo queria ser médico, advogado ou engenheiro, não tinha outra opção. Aí você poderia ser sociólogo, fisiólogo, tinha um monte…
LUIZ PIRES: Ampliou o leque…
GILBERTO MENDES: Física, também. Aliás, quando eu acabei o Pré-Jurídico,eu optei pela Sociologia, que eu ia fazer na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, mas eu fiz o exame e fui reprovado, não sabia direito aquelas coisas. Houve até, não sei por que razão, um direito da gente fazer o exame de novo, qualquer coisa foi lá irregular talvez, houve esse direito, mas eu nem fiz mais, aí já tinha o incentivo do meu cunhado, topei a parada…
LUIZ PIRES: Gilberto, você conheceu Garoto, Aníbal Augusto Sardinha?
GILBERTO MENDES: Conheci na casa de um dos Sion, sempre fui muito amigo da família Sion, os dois maiores amigos meus de mocidade, de passear no Gonzaga, Clube XV, essas coisas, eram os irmãosSion, maravilha de amigos que eu tive. Eles eram primos do Sion, o velho Sion…
MARCELLO: Do Moises, pai do Robertinho…
GILBERTO MENDES: O Moises, na casa do qual eu conheci o Stan Kenton, na casa do irmão dele, mas isso antes, durante a guerra ainda, no tempo do ‘black out”, numa festa que ele deu conheci Garoto. Ele trouxe o Garoto, tocou pra gente, conversou com a gente, foi muito legal…
MARCELLO: Ele vinha muito a Santos, ele tinha muita identidade com Santos, ele vinha na PRG-5, a Atlântica, no Cassino Ilha Porchat, do Guarujá…
GILBERTO MENDES: Não sabia, pena que não tenho uma foto disso. Do Stan Kenton eu tenho, tenho três fotos, uma delas tá lá no meu livro…o primeiro livro que eu escrevi…eu chego até esse momento, falo disso e falo noutro moço. A fotografia do Stan Kenton, um gentleman, gentilíssimo, ele quis cumprimentar um por um, perguntou o nome de um por um, conversou sobre música, deu uma aulinha pra nós…risos…sentou ao piano, estava lá o Robledo, era o pianista da época, lembra do Robledo? Ouviu falar dele?
MARCELLO: Sim, de nome, lembro sim…
GILBERTO MENDES: Ele veio com a Orquestra do Norton, no Parque Balneário Hotel que é uma coisa histórica maravilhosa…
MARCELLO: O Robledo não era diretor de orquestra ou estou enganado?
GILBERTO MENDES: Era pianista, ele veio com a orquestra do Norton…esqueço o nome agora…tocava na boate do Parque Balneário Hotel. E à tardinha, antes de passar para a boate, lá pelas dez da noite, eles tocavam no grill de verão, você ouvia da calçada, não precisava pagar…
MARCELLO: Esse eu conheci, eu era pequeno mas eu conheci…
GILBERTO MENDES:…pra sentar lá que era meio caro, você encostava no muro e fica ouvindo eles tocar. Robledo, que ficou por aqui quando a orquestra foi embora, lançou o piano moderno no Brasil. Depois dele começaram a surgir os bons pianistas modernos, mas ele já fazia tudo…tanto que lançou o piano brasileiro popular, tipo chorinho, um negócio meio Bill Evans assim, já outra coisa, né, ele lançou isso…
ADEMIR: O Robledo já é falecido…?
GILBERTO MENDES: Ah…tem que ser, né…se estiver vivo deveria estar com 105 anos…era bem mais velho do que eu.
ADEMIR:O senhor era, então, bem jovem quando escutava ele lá no Parque Balneário…
GILBERTO MENDES: Nesta altura eu tinha uns 23 anos, minha mocidade…
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