“Eu sou vadio porque tive inclinação eu me
lembro era criança tirava samba-canção” - Wilson Batista (1933)
Não, amigo leitor, não vamos falar aqui da já tão famosa e manjada contenda musical entre Noel Rosa e Wilson Batista, mesmo porque essa polemica, arroz de festa, consegue, lamentavelmente, reduzir a obra de ambos a meia dúzia de composições, algumas, aliás, de gosto duvidoso. A obra, brilhante, de ambos, desmente, de uma vez por todas, a importância de tão pequeno número de composições consideradas na tal polemica.
Ao que tudo indica, aliás, é que a dita polemica começou mesmo foi quando o nosso Cabo Wilson chamou na paleta a famosa Ceci, namorada e musa do grande Noel Rosa.
Mais importante que tudo isso mesmo, na verdade, é comemorar o centenário de nascimento e contar um pouco da história desse magistral criador, um dos maiores de todos os tempos da MPB, Wilson Batista de Oliveira, o Cabo Wilson.
O homem nascido em 3 de julho de 1913, em Campos, Rio de Janeiro, compôs mais de 350 musicas, de samba a samba-canção, de marcha carnavalescas(ou não) a baião, boleros, fox e o escambau. Uma obra fenomenal, atemporal e de fino trato.
Sabendo ler e escrever muito pouco, sem conhecimento de musica e batendo apenas uma caixinha de fósforos, Wilson Batista produziu, em 35 anos, uma obra imensa de grande riqueza humana que bem poderia muitas delas, terem sido compostas hoje, sem uma vírgula de alteração. Cabo Wilson foi, sem sombra de dúvidas, um inspirado cronista do seu tempo e da alma humana.
Quase um menino, Wilson Batista, chegou ao Rio de Janeiro e logo descobriu a boemia da Lapa e de lá quase nunca mais saiu. Logo se juntou aos malandros, valentões e, claro, muita bebida e muita mulher, arranjando por isso alguns contratempos com a polícia. Ainda um garoto arrumou o primeiro emprego, acendedor de lampiões.
Aos quinze anos Wilson compõe seu primeiro samba chamado “Na estrada da vida”, que, para sua felicidade é cantado no teatro pela mais famosa cantora popular da época, Araci Côrtes.
Com muitos parceiros, alguns de primeira linha, outros nem tanto, Wilson produzia belas canções arranjando alguns parceiros apenas por questões financeiras, cedendo, inclusive parcerias em troca de almoço. Tudo que ganhava ou o dinheirinho que pedia, gastava tudo na boemia e nas noitadas da Lapa.
No contato com a malandragem, com a boemia, com a vadiagem e com a orgia, sua escola de vida, Cabo Wilson encontrou aí a sua maior fonte de inspiração.
Nos poemas e letras foi um autor pioneiro. Em Chico Brito, com Afonso Teixeira, em 1950 escreveu: “valente no morro/dizem que fuma um erva no norte”. Em 1956, com Jorge de Castro, escancara em “Dolores Sierra”: “com frio e com sede, só, na sarjeta/sorriu para um homem e ganhou sua primeira peseta”.
A lista de obras primas é longa, muito longa caro leitor. O homem foi um gênio da raça.
Para nós santistas uma honra. Em meados dos anos 30, Wilson Batista encontra o cantor Erasmo Silva com quem forma a dupla Verde e Amarelo e partem em temporada para Buenos Aires. No retorno, Wilson Batista fica em Santos onde fica em temporada na Rádio Atlântica de Santos, por um bom tempo.
Wilson Batista era muito modesto. Dá a todos o título de Major se contentando apenas, que o chamem de Cabo Wilson.
Na sua curta carreira Wilson Batista escreveu seu nome definitivamente na história da MPB. Em 8 de julho de 1968, aos 55 anos, o coração boêmio de Wilson Batista, já muito castigado parou. Poucos companheiros acompanharam o seu enterro. Como sempre acontece, morreu como quase todos os grandes compositores deste País, pobre e quase indigente.
De tantos poemas produzidos pelo grande Wilson Batista destaco um samba pouco conhecido que foi gravado por Jorge Goulart em 1950, chamado “No fim da estrada”.
“Quando chegar o fim da estrada,
Tu vais ver que não foste nada
Não tiveste ideal, nem razão para viver
Até quem te adorou, fingiste não compreender
Estou vendo esse fim bem perto
Tua vida é um deserto
Se tens as mãos vazias, não deves reclamar
Ninguém colhe sem plantar
Nunca quiseste na vida
Ter um teto, um afeto, um amigo
Chegas ao fim da estrada
Sem ter quem sofra contigo
Pra te perdoar é tarde
Quem semeia ventos colhe tempestade”
E como bem dizia o nosso afamado Mingão, o mais famoso animador de velórios lá do fundão do Marapé, na sua frase preferida quando cumprimentava a família dita enlutada: “É mano velho a vida nunca tem final feliz, afinal o siri anda de lado e o caranguejo anda pra frente!”
Salve Wilson Batista, o Cabo Wilson!
Meu cumpadi René Ruas, aqui representado pelo Zé do Camarim, é bom de pena, escreve bem, manso e pacífico, pega na veia a história e desenvolve com leveza. Me agrada muito seu jeito de fazer a coisa, tem talento, feeling de escritor, contador de causos e aqui mais um exemplo. Grande Wilson Batista, o Cabo, também bom de caneta, compunha como ninguém e também vendia como ninguém. Era duro, pouca cultura, caiu na Lapa dos capoeiras vindo de Campos dos Goitacazes, sua terra natal. Veio se aperfeiçoando com o passar do tempo. Não brigou com Noel, não, ao contrário, eram amigos, não eram de arenga e chegaram até a compor juntos, “Terra de cego” é exemplo típico. Trabalhando em Santos, na PRG-5, conheceu Telma, a santista, a última companheira. A levou para o Rio, lá ficou famosa, apelidaram-na de “Paulista”, encrenqueira como ela só, batia até em homem, armava cada barraco que não era mole, não. Mas, na hora do amor, era caliente. Pra ela, Cabo Wilson compôs “Nega Luzia”, aquela mesmo que “recebeu um Nero e queria botar fogo no morro”. Valeu cumpadi, desculpe, deu na telha, não foi combinado, nasceu, brotou. Abraços.