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O SAMBA E OUTROS BICHOS

“Reconhece a queda e não desanima”
Paulo Vanzolini junto com Adoniram Barbosa, de nome João Rubinato, formavam a dupla maior dos chamados cronistas da cidade de São Paulo, é claro. Souberam como nunca traduzir a alma de uma cidade que, aliás, nem existe mais.
Paulo Vanzolini, cientista de renome internacional, tinha seu trabalho científico reconhecido e respeitado no exterior muito mais do que no seu País e como compositor era igualmente conhecido e respeitado, principalmente pelos boêmios e solitários. Suas canções ganhavam vida pelas madrugadas, pelos botecos, boates e cantores da noite que sabiam traduzir como ninguém a beleza dos poemas do, às vezes, ácido compositor.                  
Vanzolini amava a boemia tanto quanto amava as matas e as  florestas onde passava longo tempo pesquisando e compondo. Uma frase, uma palavra ou uma situação, pronto, surgia assim os motivos para mais um poema que muitas vezes já vinha com a melodia. Tudo muito simples como a vida do poeta, pois, como afirmava, não conseguia distinguir tom maior de tom menor e sem arrogância dizia também que tinha a música como passatempo.
Vivia a maior parte do tempo, como dizia, em sua casa, dentro do laboratório entre cobras e lagartos, nascendo também aí muitas melodias que caíram na boca do povo.
Amava as palavras e rimas. Dizia que alguns poemas ficaram prontos na hora, outros levaram seis meses e alguns até dois anos para serem terminados matutando que ficava para encontrar a palavra certa e a forma perfeita.
Tudo produzido com muita calma, sem pressa e com a sabedoria dos que sabem sem precisar saber. Paulo não era apenas um compositor, era muito mais que isso, era um sábio que, dentro de sua simplicidade comovente, podia freqüentar altas rodas e ao mesmo tempo visitar, no mais absoluto anonimato, as rodas de Choro do Q’Frango aqui em Santos, quando muitas vezes chegava sozinho, pedia uma cervejinha e ficava ali quetinho, na maciota, ouvindo um Choro dos bons.
Ficava apenas chateado quando algum desavisado, sabendo que ele estava ali, mandava a tal Ronda, musica que ele chamava de o supra-sumo da pieguice.
Vanzolini, porem, abria o sorriso quando alguém cantava:
- “Já me acostumei, já não ligo, até exibo certa naturalidade. Amei, perdi, senti saudade, rui osso muito duro e arrastei bonde pesado, hoje sou homem mudado, faço planos de futuro, não penso mais no passado.
- Já meu acostumei com o dia a dia invés de vida inteira, relógio invés de retrato na cabeceira, posso lhe dizer que olho pra ela e nada sinto, posso lhe dizer, com a cara limpa enquanto minto, posso lhe dizer.”
São Paulo, a cidade, era o amor maior do poeta. A cidade calma dos bondes e da garoa, dos botecos e rodas de Choro. Caminhar pela madrugada sem pressa e sem medo. Pela sua amada cidade escreveu:
- “Longe de casa eu choro e não quero nada/Que fora do chão ninguém quer e não pode nada/Sinto falta de São Paulo de escutar na madrugada uns bordões de violões e uma flauta a chorar prata.
Dor de amor não me magoa/A saudade da garoa é que me mata/E eu saio pra rua assobiando comprido um samba comovido que Silvio Caldas cantasse e me iludo que a garoa vem molhar a minha face.
Mas é pranto e choro tanto/Quem me dera que hoje mesmo eu voltasse pro chão que eu adoro/Pois, longe de casa eu choro e não quero nada.”
Verdadeiramente Paulo Vanzolini não era homem de cinqüenta por cento.


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  1. Carlos Bittencourt Ferreira #
    1

    Lindo texto do Renê. Aos costumes.



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