Artigo “São Paulo e a musicalidade do Choro” de João Tomas do Amaral*, publicado no Jornal AproFem – Informativo do Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo
Costumeiramente, são verbalizados nos mais variados momentos, épocas e locais que “o brasileiro, em geral, é um povo sem memória”, ou seja, não é muito afeito aos fatos que marcaram a sua história. Se essa afirmação remonta aos fatos econômicos e políticos, então imagine o tamanho do descaso que ocorre junto à cultura, principalmente a cultura musical e especificamente com o movimento do choro.
Certamente, alguns fatos são intrigantes quanto à musicalidade da cidade de São Paulo. A história dessa cidade começou pelos idos de 1532, com a instalação do primeiro povoamento com a chegada de Martim Afonso de Souza, sendo que em 25 de janeiro de 1554, foi elevado à condição de vila com o nome de São Paulo, na data em que foi oficiada a primeira missa, cujo dia é dedicado pela Igreja Católica à conversão de São Paulo.
A cidade de São Paulo foi agregando a sua pujante e significativa história um progresso vertiginoso nos mais variados campos de atividade, indo da política, do comércio, da agricultura, da indústria e da cultura, chegando a sua arte musical.
A partir da segunda metade do século XIX, a cidade de São Paulo passou a contar com modificações significativas com uma agilidade, que até o momento, nunca experimentadas e amparadas pela exploração da promissora cultura do café. Dessa época temos a instalação da Faculdade de Direito, do Correio Público, da Estrada de Ferro “São Paulo Train Way”, do calçamento de ruas, das indústrias de cerveja (Bavária e Antarctica), de vários bancos comerciais, de vários teatros, e do Viaduto do Chá entre outros fatos que já integram a nossa história.
Desse período podemos destacar que a Faculdade de Direito do Largo São Francisco era um pólo emissor de cultura, inclusive musical, com a participação de estudantes vindos das mais variadas regiões do Brasil. Dessa mescla de culturas regionais, em 1863, a cidade de São Paulo contava com a publicação e estava à venda a partitura da polca-lundu Nhã-Nhã. É importante ressaltar que a polca-lundu é um gênero híbrido que antecede ao surgimento do Choro. A partir desses dados é significativo afirmarmos que o Choro não surge como resultado de um instante, mas de um processo multicultural envolvendo a cultura negra, a européia e a de nossa regionalidade, bem como a cidade de São Paulo, indiscutivelmente, é passagem obrigatória para a definição desse nosso gênero genuinamente brasileiro – o CHORO. Portanto, o movimento do choro se constitui num importante objeto de estudo por suas concepções históricas e geográficas, bem como por sua importância e qualidade no âmbito da música brasileira.
Com o início do século XX, a cidade de São Paulo passou a contar com a vinda de imigrantes italianos, espanhóis e a ampliação do colonizador português. No tocante à musicalidade da cidade de São Paulo, essa mescla de culturas foi o solo fértil para prosperarem gêneros como a valsa, a modinha, a mazurca, a canção sertaneja e o choro, com características próprias da cidade, com a inserção do violino e do acordeom como integrantes dos conjuntos instrumentais, como contribuição do imigrante italiano.
Ao conversarmos com senhores e senhoras, cujas lembranças remontam a esse próspero período da capital paulista, é comum ouvirmos “naquela época, a cidade de São Paulo contava com construções coloniais, as pessoas estavam sempre bem vestidas, o chapéu era traje comum aos senhores, no período da tarde as pessoas conversavam sentadas na frente de suas casas, e à noite junto com a tradicional garoa, a chamada rapaziada dos bairros saiam em melodiosas serenatas”.
Com base nesses depoimentos, facilmente, podemos afirmar que as noites de garoa da capital paulista, em bairros distantes ou não do velho, mas sempre, tradicional e romântico, núcleo central e inicial da cidade, eram emolduradas pela musicalidade da denominada “Rapaziada de cada localidade”.
O registro da existência efetiva desses grupamentos de instrumentistas ficam por conta de melodias gravadas como “Rapaziada do Brás”, “Rapaziada do Bom Retiro”, “Rapaziada da Mooca”, “Rapaziada da Lapa”, “Rapaziada da Penha” e “Rapaziada de Santana”, provavelmente entre outras. Certamente, todas as melodias amparadas pela primeira valsa-choro “Rapaziada do Brás”, de autoria do violinista Alberto Marino, cuja composição data de 1917, quando tinha 15 anos de idade, para homenagear uma senhorita do seu bairro que anos mais tarde viria a ser sua esposa; a jovem Angela Bentivegna. A primeira gravação de “Rapaziada do Brás” data do ano de 1931 com o sexteto Piratininga e a segunda gravação, em 1934, com o sexteto Bertorino Alma (anagrama de Alberto Marino atribuído a Aristóteles Couto).
Curiosamente, essas melodias citadas formam um significativo mapeamento sobre a existência desses grupamentos de instrumentistas e foram concebidas no gênero valsa, certamente, para criar e motivar o clima romântico das serestas e serenatas. Porém, além do romantismo existente junto aos grupamentos parece que existia uma boa dose de rivalidade entre os jovens seresteiros de cada bairro (também conhecido na época como freguesia), por conta de paixões avassaladoras por jovens meninas pertencentes a outros bairros distintos do qual pertencia algum rapaz, bem como, por expressarem o melhor sentimento da musicalidade da capital paulista.
Esse tempo já possuía a marca da história quando se contemplava a cidade de São Paulo, como a terra da garoa, dos bondes (a cavalo ou a tração elétrica), do terno, dos vestidos longos, do chapéu e da sombrinha, com a musicalidade amparada pelas serenatas, valsas e chorinhos.
Contamos com os chorões de plantão!!!
Até a próxima!!!
(*)João Tomas do Amaral é produtor e apresentador do Programa Chorinho Brasil
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