Autoria desconhecidos. Acervo Clube do Choro de Santos.
Por Luiz Pires
Alegria e sabedoria são dois substantivos fartamente utilizados quando lembramos de Oswaldo Pasquareli Bartholoto, o “DADINHO”, alcunha pela qual era conhecido por toda boa música da Baixada Santista. Era um mito na história do choro em Santos.
Nascido no dia 13/10/1909 à Travessa Ribeiro Conceição, hoje rua Luiz Gama, no bairro do Macuco, em Santos, era o penúltimo filho de uma família de 10 irmãos. Filhos de italianos. O pai, Paschoal Bartholotto, da Calábria e a mãe Carmela Bartholotto, de Genova, tocava violino despertando nos filhos o gosto apurado pela música. “DADINHO” aos 9 anos já tocava cavaquinho nas programações infantis das emissoras locais de rádio.
Nas antigas PRB-4 (Rádio Clube) e PRG (Rádio Atlântica) o garoto prodígio dava verdadeiros shows com seu instrumento. Fez tanto sucesso, que chegou a tocar na Rádio Record na capital paulista, com o regional composto por ele no cavaquinho, Zeca Ferreira e Adolfo no violão. A partir daí, foi se aprimorando, sempre incentivado pelos manos João, Miguel e Raphael, que também tocavam muito bem.
Aos 14 anos foi trabalhar na Companhia Docas de Santos, mas não deixou a música. Tocava em bailes, nos principais clubes da baixada santista participando de várias orquestras. Quando essas orquestras passaram a ser preteridas pela chamada “música de fita”, DADINHO formou seu primeiro Conjunto Regional.
Em 1977 e 78 participou dos festivais promovidos pela TV Bandeirantes onde classificou 2 choros de sua autoria: “Na casa do Teco”, em 77 e “Impertinente” em 78, chegando a gravá-los. Foi neste ano, que recebeu convite para acompanhar o renomado pianista Arthur Moreira Lima (1) no Projeto Seis e Meia, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, que era apresentado por Albino Pinheiro (2). O Regional que foi ao Rio era composto por Dadinho no bandolim, Luizinho no violão 7 cordas, o também saudoso Zé de Barros no violão de 6 cordas, Milton no cavaquinho, Teco no acordeon e Carlinhos no pandeiro.
Na mesma época “Dadinho” e seus companheiros, conheceram o produtor musical Marcus Pereira (3), com quem viabilizaram a gravação de um disco; sonho que somente não se concretizou em virtude de problemas de saúde, que acabaram, inclusive, por precipitar o crepúsculo daquele festejado regional.
Recentemente em Santos convidado pelo Clube do Choro para participar das comemorações do “Dia Estadual do Choro” o bandolinista Izaías Bueno de Almeida (4) nos concedeu entrevista contando a seguinte história: “Não sei se vocês sabem, mas o Dauria (5) adorava Santos e mantinha um apartamento nessa cidade. O nome de “Conjunto Atlântico” não foi em homenagem ao tango de Nazareth, mas em homenagem ao oceano Aí mesmo perto do aquário ele passava todos os fins de semana, e claro, as rodas quase sempre aconteciam. Numa dessas, levou Jacob (6) para participar tendo convidado alguns chorões e entre eles “Dadinho do bandolim”. Ao ouvi-lo parabenizou o mesmo com algumas palavras, não me recordo exatamente quais, porém exaltando a sua interpretação, algo como assim “um exemplo de se tocar choro chorado, e parabéns pela sua magnitude interpretativa”, pelos menos essas duas últimas foram exatamente estas, e ficou muito encantado também por algumas composições do Mestre Dadinho, e é lógico pediu algumas partituras, inclusive com interesse em gravar”. (sic).
Autoria desconhecidos. Acervo Clube do Choro de Santos.
Seu aluno e dileto amigo o bandolinista Jean Teixeira (7) presta-nos emocionado depoimento: “Conheci o Mestre através de um amigo advogado de nome Willy Herzog numa das visitas que fiz a sua esposa Clara Miranda quando esta se recuperava de uma crise de bronquite no hospital. Ainda no quarto, em meio à visita, Willy me perguntou se eu ainda estava tocando violão, nos moldes daquelas noitadas de bossa nova que costumávamos promover em sua residência. Disse-lhe que estava me dedicando ao “choro” então ele me disse que se eu tocava “choro” então conhecia o “Dadinho”, ante a minha negativa ele foi categórico: “se você não conhece o “Dadinho”, então você não toca “choro”. Diante disso “interrompemos” a visita e nos encaminhamos para a casa do Mestre onde fui recebido por ele e por sua esposa Dona Carmem. Vendo-o tocar pela primeira vez naquele momento senti que estava diante de algo totalmente diferente de tudo que já tinha presenciado em termos de execução do instrumento e confessei-lhe que era daquela forma que eu desejaria tocar um dia. Diante disso o Mestre me convidou imediatamente para comparecer à sua casa no dia seguinte para iniciar meus estudos com ele. Ficamos mais algum tempo, depois nos retiramos para “completarmos” a visita à Clara, que nos “aguardava” ainda no hospital. Ao sairmos da residência do Mestre, minha primeira surpresa. Willy me confessou que não tinha entendido nada, que o Mestre jamais tinha aceitado qualquer proposta para ministrar aulas e eu era o primeiro que ele se propunha a ensinar. Fiquei emocionado e preocupado com a responsabilidade que tal fato trazia e no dia seguinte juntei meu bandolim e compareci ao primeiro de muitos encontros que me mostraram, ao longo dos anos vindouros, a qualidade do ser humano e a bondade da família que me acolheu. Esta a minha dívida impagável eternamente”. (sic).
Essa parceria também contagiou o subscritor destas linhas (8) que mourejando no universo do choro foi levado através do entusiasmo do companheiro Jean do Bandolim, em meados da década de 80, quando participava como violonista do “Conjunto Varanda”, a compartilhar de maneira privilegiada dessa preciosa amizade convivendo diuturnamente com os mestres Dadinho, Zé de Barros, Luizinho 7 cordas, Nelsinho (o malabarista do violão tenor), Moacyr Cardoso e Jorge Maciel nas muitas rodas de choro da rua Dr. Arnaldo de Carvalho, 99, no bairro Campo Grande, em Santos, onde encontrou espontaneidade e muito calor humano. “Foi emocionante a histórica homenagem que organizamos em comemoração aos 90 anos do Mestre Dadinho no Teatro “Brás Cubas”.(sic).
Jorge Maciel (9) emocionado relembra: “Conheci o grande Dadinho na década de 70 quando ele tinha o regional junto com o Luizinho 7 cordas, Téco, Zé de Barros, Carlinhos e Milton do cavaco, que hoje mora em Santa Catarina. Naquela época, eles foram classificados para os festivais da TV Bandeirantes: “Brasileirinho” e “Carinhoso”. Foi nessa época que começou a carreira vitoriosa de Luizinho. Bem! Logo após a saída do Luizinho para tocar em São Paulo com Evandro do Bandolim, o “Dadinho” ainda continuou tocando, só que com o Hugo Fernandes no violão, o Zé de Barros etc. Enquanto isso, vez ou outra, eu aparecia na Rua Arnaldo de Carvalho 99, para tocar um pouquinho com o mestre “Dadinho”. O tempo foi passando e um dia, o Jacarandá falou: vamos começar a ir ao Dadinho toda semana para ensaiar com ele? E assim foi. Primeiro eu e o Jacarandá do cavaquinho. Daí chamamos o Carlinhos do pandeiro. Achamos que faltava alguma coisa. Quem sabe uma flauta? Chamamos o Moacyr Cardoso que aceitou de pronto. Vamos chamar o Lutero? Alguém disse poxa era isso que faltava. Um cantor. Então veio o Lutero. Ali, nesses encontros, nasceu o conjunto “FLOR AMOROSA”. Depois disso convidamos o Zé de Barros para nos orientar nos ensaios e tocar com a gente. O Zé aceitou. Conversa vai, conversa vem, chegou a Guiomar com seu dodge dart e começou a fazer parte do grupo. Agora, depois disso, com a morte de alguns membros ou saída do conjunto, fomos recebendo outros amigos, como por exemplo: Abelar do violão, Miltinho e Jorginho do cavaquinho, Toninho Guedes, Salvador do violão, Idelfonso do surdo, Caio e Plínio Ganev da timba, Renato do violão, Mecha do surdo, entre outros. Quando o Dadinho resolveu parar de tocar em 1991, fizemos um show no Bar do Sesc para homenageá-lo. Aliás, nesse bar, o primeiro conjunto de choro que tocou lá foi o “Flor Amorosa”. Registro esse que se encontra no livro que o Sesc/Santos editou mostrando suas dependências. Tem uma história muita engraçada, que sempre me pedem pra contar. O Dadinho foi convidado com o seu conjunto para tocar na Ilha de Caraguatá, de propriedade de Walter Lanza, que era um dos sócios da Viação Santos-São Vicente. Naquela noite eles convidaram também o cantor Luiz Américo. E lá foram: Luizinho 7 Cordas, Zé de Barros, Carlinhos, Miltinho do Cavaco, Lutero, o velho Marreta, entre outros músicos.Lá pelas tantas da madrugada, quando vieram embora, uma turma veio primeiro e entre eles estavam os músicos do conjunto. Não se sabe exatamente ao certo o que aconteceu. Parece-me que o Lutero (com sua vistosa peruca) estava em pé no barco e um problema na hora do marinheiro ligar o motor com a cordinha, o barco deu uma arrancada e foi todo mundo pra água. A sorte é que era no começo e dava pé para todos, até para o pequenininho Miltinho… O Sr. Walter pagou um instrumento novo para cada músico. Felizmente ninguém saiu ferido dessa aventura da qual eu gostaria de estar também. Falando mais sobre “Dadinho”, eu particularmente acho que foi um dos maiores bandolinistas da Baixada Santista, além de grande músico, era um grande compositor, um grande cozinheiro (pois fazia um arroz com lula maravilhoso) e, um grande amigo”. (sic).
Valdo (10), conselheiro do Clube do Choro de Santos conta-nos que: “Conheci Dadinho por volta de 1970 na casa do violonista José de Barros (11), que era funcionário da Sorocabana e pai do meu amigo Waldemar de Barros. Moravam num chalé da Sorocabana, o qual tinha característica de um sítio e ficava bem ao lado da linha do trem no meio do mato e essas rodas de choro aconteciam sempre aos domingos à tarde. Nesse encontro de todos os músicos era escolhido um músico da antiga para ser logo em seguida visitado de surpresa como Atílio Bernardini (12) que na época morava em São Vicente ; Cenciano (13) que morava na rua Borges e era avô do Quido (14) ; Quinzinho da Motomar ; Fonseca da SMTC ; Zequinha do Cavaco ; o cantor Manoel Reis ; Bueno do saxofone dentre vários outros músicos e boêmios. Essa seresta surpresa era muita bem vinda, pois todos se emocionavam com as visitas Na casa do Dadinho naquela época também aconteciam os ensaios da Orquestra de Cordas “Melodia e Harmonia” do cavaquinista Zinomar Pereira (15) e da qual também fiz parte… O bandolinista Jorge Cardoso (16) fez questão de vir de Brasília a Santos conhecer Dadinho, motivo de sobra para aquela peixada no quintal da Rodrigues Alves, 190 … (sic).
Seu último regional foi o “Flor Amorosa” trazendo “Dadinho” no bandolim, Moacyr Cardoso na flauta, Jorge Maciel no violão de 7 cordas, Carlinhos no pandeiro, Jorginho no cavaquinho, os cantores Lutero e Guiomar, além de Jacarandá e Abelar, na formação original do grupo.
“Dadinho” também compôs inúmeros choros, valsas, boleros e polcas, dentre as quais, destacam-se “Nosso Romance” (gravada por Leila Silva), “Choro pra Carlinhos” (homenageando seu pandeirista e amigo Carlos Pinto), “Nelsinho na Polca” (homenagem a Nelson Baptista Campos – o malabarista do violão tenor), “Carmem” (homenageando sua dileta esposa dona Carmem), “Melodia”, “Impertinente” e “Na casa do Teco” (em homenagem ao amigo e parceiro Teco do Acordeon). Em 1962 participou da gravação de um compacto simples tendo em uma das faixas o samba-canção “Cigarra Noturna” do compositor José Leopoldo (Buíque), interpretada pelo cantor Ari Borges.
A obra deixada por “Dadinho” continua praticamente inédita a espera de gravação, existindo alguns registros feitos pelo violonista Luizinho 7 cordas a pedido de Jean Rodrigues Teixeira. Oxalá sejam estes choros e valsas um dia editadas!
Em reconhecimento aos relevantes serviços prestados ao choro na Baixada Santista e em prol do enriquecimento da Música Brasileira, o Clube do Choro de Santos encaminhou ao então Vereador à Câmara Municipal Professor Fabião proposta de outorga da Medalha de Honra ao Mérito “Brás Cubas”, cujas fotos acompanham este artigo.
1.Arthur Moreira Lima – Considerado uma das mais importantes personalidades da nossa cultura projetou-se internacionalmente no Concurso Chopin de Varsóvia. Laureou-se também nos Concursos de Leeds (Inglaterra) e Tchaikovsky (Moscou). Desde então tem feito turnês em todos os continentes, lotando as principais salas de concertos do mundo.
2. Albino Pinheiro – (1934-1999) Crítico, jornalista, pesquisador da MPB, fundador da Banda de Ipanema e idealizador do projeto “Seis e Meia”, que deu início à tradição de apresentações musicais populares.
3. Marcus Pereira – Ex-publicitário que fundou seu próprio selo em 1973 na luta contra as multinacionais do disco. A longo de seus 15 anos de existência o selo independente Discos Marcus Pereira lançou um total de 144 álbuns de música brasileira. Entre estes se destacam o disco Cartola de 1976, que ocupa a 8ª posição na lista Os 100 maiores discos da Música Brasileira da “Rolling Stone”, e as coletâneas de musica regional, sendo dedicados quatro volumes a musica tradicional de cada região do Brasil num total de 16 volumes.
4. Izaías Bueno de Almeida – Izaías do Bandolim, como é conhecido, é o maior chorão paulista em atividade e representante do Instituto Jacob do Bandolim e Presidente do Clube do Choro, em São Paulo.
5. Antonio D’Áuria (1912-1998) – Violonista e líder do Conjunto Atlântico, que acompanhou artistas como Canhoto da Paraíba, Pixinguinha e Chico Buarque dentre outros.
6. Jacob Pick Bittencourt – (1918-1969) Mais conhecido como Jacob do Bandolim foi um dos mais importantes compositores e bandolinistas de choro. Além de ser um instrumentista próximo a perfeição, também era um incansável pesquisador, responsável pelo resgate e preservação da obra de vários mestres, tais como Ernesto Nazareth, Candinho do Trombone e João Pernambuco.
7. Jean Rodrigues Teixeira – advogado e fundador do Conjunto Varanda do qual era bandolinista. Junto com Netinho, Guiomar e Vado foram os únicos alunos de “Dadinho”. Jean é considerado o herdeiro musical da obra do Mestre “Dadinho”.
8. Luiz Antonio Pires – Integrante dos conjuntos “Varanda” e “Sapeca Choro” foi introdutor do violão de 7 cordas no Festival “Música Nova” (mais antigo e importante evento dedicado à música contemporânea do País criado por Gilberto Mendes), fundador e vice-presidente do Clube do Choro de Santos.
9. Jorge Maciel – Violonista 7 cordas, compositor e fundador dos conjuntos “Flor Amorosa” e “Os Cinco Companheiros”. Vencedor do Prêmio Talentos da Maturidade do Banco Real em 2007. É diretor artístico do Clube do Choro de Santos.
10. Adilvaldo Domingues Peres – Membro do Conselho de Administração do Clube do Choro de Santos é carinhosamente conhecido pela alcunha de “Zé do Camarim”.
11. José de Barros – Considerado um dos maiores harmonizadores de violão 6 cordas na região e que trabalhava na manutenção das linhas férreas da Sorocabana, cuja ocupação era popularmente conhecida como “tatu de linha”. Curiosamente esses profissionais por força de seu ofício tinham as mãos rudes e grosseiras e todos ficavam admirados pela suavidade e destreza com que Zé de Barros tocava as cordas de seu instrumento.
12. Atílio Bernardini – Introdutor da “Escola de Tarrega” no Brasil e professor de Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto.
13. Cenciano Benedito Alves – luthier e avô do violonista Euclydes Mattos.
14. Quido (Euclydes Mattos) – formado em Direito era conhecido na juventude como “Quido”. Atualmente o violonista e compositor santista Euclydes encontra-se radicado em Barcelona na Espanha.
15. Zinomar Pereira – autor dos clássicos “Diabólico”, choro gravado por Waldir Azevedo e “Caixinha de Música”, valsa gravada pelo Conjunto Época de Ouro, por ocasião das comemorações dos 50 anos de carreira do violonista Dino 7 cordas. Zinomar criou a Orquestra “Melodia e Harmonia”, cujos ensaios aconteciam na casa do Dadinho, onde foi recebido o pianista Artur Moreira Lima na época do Festival de Choro da TV Bandeirantes selando a amizade que propiciou a ida de Dadinho e seu regional ao Teatro João Caetano no Rio de Janeiro para participar do Projeto “Seis e Meia” ; e da Choroteca “Waldir Azevedo”, tendo realizado inclusive durante 10 anos seguidamente homenagens póstumas a Waldir, com a presença inclusive de sua esposa Olinda que sempre prestigiou aos eventos.
16. Jorge Cardoso – bandolinista, compositor e arranjador cearense radicado em Brasília-DF.
Referências bibliográficas
Andrade, Cícero – Revista Brasil Seresta.
Caldas, Jaime Mesquita – Pesquisa feita por ocasião das comemorações de 75 anos de idade e 50 anos de casamento do Mestre “Dadinho”.
História oral: depoimentos colhidos de Jean Rodrigues Teixeira, Jorge Maciel e Adilvaldo Domingues Peres.