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LUIZ PIRES: Izaías, por acaso, ouviu alguma manifestação do Jacob do bandolim sobre o bandolinista Dadinho daqui de Santos…?
IZAÍAS: Não sei se vocês sabem, mas o Dauria adorava Santos e mantinha um apartamento nessa cidade. O nome de “Conjunto Atlântico” não foi em homenagem ao tango de Nazareth, mas em homenagem ao Oceano aí mesmo perto do aquário e passava todos os fins de semana por aí, e claro, as rodas quase sempre aconteciam. Numa dessas, levou Jacob para participar tendo convidado alguns chorões e entre eles Dadinho do bandolim. Ao ouvi-lo parabenizou o mesmo com algumas palavras, não me recordo exatamente quais, porém exaltando a sua interpretação, algo como assim “um exemplo de se tocar choro chorado, e parabéns pela sua magnitude interpretativa”, pelos menos essas duas últimas foram exatamente estas, e ficou muito encantado também por algumas composições do Mestre Dadinho, e é lógico pediu algumas partituras, inclusive com interesse em gravar. Daí por diante não sei se conseguiu, pois não se falou mais no assunto. Aliás eu também tive muito interesse em tocar algumas músicas de Dadinho e até agora não tive acesso a nenhum material, mesmo com promessas do nosso ilustre amigo Luizinho Sete Cordas, que o acompanhou durante alguns anos. Bem essas são mais ou menos as palavras do Mestre.
LUIZ PIRES: Você chegou a conhecer o compositor Garoto…? Chegou a conviver com ele…?
IZAÍAS: Conheci Garoto em 1952 na Casa Del Vecchio, velho ponto de encontro de chorões. Participei com Garoto varias vezes em rodas, as vezes nas Casas do Dauria, e de Atílio Bernardini e uma vez numa memorável feijoada na residência do luthier Romeu Di Giorgio, onde se reuniram alem de Garoto, Conjunto Atlântico, Índios Tabajara, Amador Pinho, Atílio Bernardini, e Jacob Thomas (notável bandolinista erudito, na época contratado pela Radio Gazeta). Convivência mesmo não tive, pois como se sabe Garoto morava no Rio de Janeiro e aparecia por São Paulo esporadicamente para visitar alguns parentes.
LUIZ PIRES : Izaías, gostaria que vc comentasse sobre duas personalidades importantes do bandolim tocado em São Paulo: Amador Pinho e Mário Moretti…!
IZAÍAS: Bem lembrado meu caro Pires. Importantíssimos. Amador Pinho foi um espécie de mentor dos bandolinistas da época. Aprendi muito com ele, não tomando necessariamente aulas, mas informações. Jacob reverenciava sua alta performance técnica, e na minha opinião foi um dos mais perfeitos executantes de bandolim. Tocava com muita facilidade, um verdadeiro “virtuose”. Mario Moretti é meu contemporâneo. Estudou com o grande Mestre Atílio Bernardini, o mesmo professor de Garoto. Aliás, nascemos no mesmo Bairro – Tucuruvi, embora eu tenha sido criado na Casa Verde, portanto Somente vim conhecê-lo através de audições na Radio São Paulo – PRA-5, por volta de 1958, quando ele mantinha um programa aos domingos pela manhã sendo anunciado como o mais jovem bandolinista do Brasil. Mantinha um conjunto com grandes elementos, como Adelmo Colauto e José Pinheiro nos violões (falecidos), Waldomiro Santana no cavaquinho, recém chegado de Belo Horizonte, desistindo após algum tempo do cavaquinho para tocar guitarra numa época em que começava a proliferar o Rock. Uma pena, pois tocava muito bem – (um perfeito chorão) – e nunca mais tivemos notícias. Naturalmente deve ter retornado á sua Cidade de origem. Finalmente o Alaôr do pandeiro, não sei se continua tocando. Mantém a sua barbearia no bairro de Jaçanã a mais de 50 anos. Mario Moretti tem sido uma referência. Sempre o admirei muito, por sua técnica e pela facilidade em criar variações melódicas, aliás foi o primeiro bandolinista que me inspirou a partir para as aventuras dos improvisos. Deveria ter sido bem mais divulgado pelas suas excepcionais qualidades. Conservo muito sua amizade e sou admirador também de seu temperamento modesto e extrovertido. É também autor dentre inúmeras composições da “Valsa do Além”, gravada por mim no CD ”Pé na Cadeira”.
LUIZ PIRES : Quais chorões de Santos vc se recorda que participaram também do famoso programa “Noite dos Choristas” onde vc foi apresentado por Jacob do Bandolim…!
IZAÍAS: Lembro-me somente do Jacozinho, grande bandolinista, que me colocou em contacto com alguns famosos chorões de Santos, como o
Dadinho do bandolim e Mauricio Moura, excepcional violonista, irmão do cantor Mauricí Moura.
LUIZ PIRES : Vc acha que o gênero musical “Choro” poderia ser ensinado nas escolas públicas?
IZAÍAS: Poderia e deveria, pena que as autoridades políticas não dão valor algum a isso, aliás tenho quase certeza que eles nem sabem o que
é isso – “A mais pura manifestação musical brasileira”
LUIZ PIRES : O que vc achou da iniciativa do Clube do Choro de Santos em criar o Dia Estadual do Choro em homenagem à Garoto…!
IZAÍAS: Vocês estão de parabéns, e faço votos que tantas outras idéias venham coroar e iluminar o glorioso Clube do Choro de Santos. Aliás é
o único em São Paulo muito embora eu tenha tentado fundar um Clube aqui na Capital e não houve interesse algum. Tenho até o registro no
CNPJ, que após tantos anos de luta sem nenhum resultado estou tentando fechá-lo neste momento.
MARCELLO: Izaías, com sua larga experiência e vivência dentro da Música Popular Brasileira, como você analisa hoje os movimentos de
Choro existentes não só em São Paulo, mas no Brasil…!
IZAÍAS: Aqui na Capital temos excelentes chorões, porém tocando em ”botecos” trocando o trabalho em porcentagens de “couvert artístico”,
nem “convert” integral eles pagam, portanto não existe movimento algum. Geralmente em casas noturnas a grande maioria dos habitués a
freqüentam para comer e beber, para paquerar, tratar de negócios, e outras coisas mais – o que menos fazem é ouvir música. Os chorões não
se valorizam como deveriam, mas fazer o que ? São raros os espaços em teatros, auditórios e casas de cultura, que mais apresentam gêneros
musicais diversos e quase nunca musica instrumental mormente o choro, e como comentei acima, somente vocês estão trabalhando em prol desse trabalho. Continuem com esse vigor…! Em Brasília, o Clube do Choro teve melhores momentos. Eu mesmo fui convidado numa época em que se apresentava choro, agora pelo que sabemos, aquele Clube passou a ser uma “Casa de espetáculos” apresentando gêneros diversos, contratando artistas de maior renome em detrimento dos menos famosos. Isso aliás, eu já disse em entrevista ao meu amigo Ruy Godinho, notável escritor, radialista, divulgador de MPB entre outras qualidades, atualmente produtor do programa “Roda de Choro” na Radio Câmara FM de Brasília. Me perdoe meu amigo Reco, que tenho certeza, sempre primou em conservar um verdadeiro Clube de Choro com as melhores das intenções … Sinal dos tempos. Fazer o que ?
MARCELLO: Como você vê a presença dessa garotada que vem se interessando pelo Choro, além dos grandes músicos que já integram essa
chamada nova geração de chorões…!
IZAÍAS: Tenho a maior admiração por certos jovens que cultuam o verdadeiro choro. Ouçam o jovem Bruno Rian, filho do grande bandolinista Deo Rian. Bruno toca um choro de verdade com uma categoria ímpar, sem exagerar nos improvisos, porém demonstrando mais um lado interpretativo do que virtuosístico no sentido mecânico e técnico que aliás, não esqueçamos, virtuosismo também faz parte da emotividade de cada artista. É uma pena ouvir certos jovens que tocam um turbilhão de notas e não dizem nada, já outros com poucas notas, nos contam histórias maravilhosas. Há também os jovens que nada criam. Ouvem os mestres antigos e tentam copiar o que ouvem, são os que eu tenho chamado de “papagaios” – e tocam por aí sem constrangimento e sem citar o autor do arranjo, e os que não conhecem o verdadeiro autor do tal arranjo ou improviso ficam extasiados, acreditando que a criação é própria. É bem verdade que todos os artistas tomam como modelo o seu ídolo, porém chega uma hora em que devem tomar o seu próprio rumo para não cair em ridículo. Ainda há aqueles que eu chamo de “atores”, que tentam tocar interpretando, fingindo uma emoção inexistente. Em música não dá pra enganar, nós chorões sabemos quando a interpretação natural é verdadeira.
MARCELLO: Izaías, foi você – na casa do D’Áuria – que falou ao Jacob do bandolim a respeito da utilização de três violões nos conjuntos de
Choro e que, a partir daí, ele utilizou no Época de Ouro essa mesma formação…?
IZAÍAS: Não fui eu quem deu a idéia dos três violões e sim o Dáuria. Aliás essa idéia não era tão nova assim, pois o flautista Mauro Silva já se
utilizava de três violões em seu conjunto nos tempos da Rádio Cruzeiro do Sul, PRB-6 em 1951, Mario Cocenza, Plínio Ribeiro e Jairo França
(todos seis cordas – não se tinha ainda notícia dos violões de sete cordas). Assim também o Conjunto de Antonio Rago se apresentava na Rádio Tupy de São Paulo, PRG-2, com o próprio Rago, Jucy Alves e Hudson Gaya “Petit”. O Conjunto Atlântico tinha o Dáuria no sete cordas, Israel e Waldomiro nos seis cordas. Jacob em seu conjunto original contava com Cesar e Carlinhos, os dois de seis cordas, e na ocasião da gravação do LP Vibrações o Dáuria, fã ardoroso de Dino, saiu com a proposta de colocá-lo como o outro violão, cuja idéia foi rejeitada, pois Jacob não admitia um conjunto de choro com três violões. Muito se discutiu até a aprovação de Jacob, e cujo resultado foi satisfatório, e perpetuado mesmo após o seu falecimento.
MARCELLO: Com relação à expressão “RONDÓ”, poderíamos dizer que ela tem a ver com o Choro composto em três partes…? Explique isso pra nós.
IZAIAS: Marcelo, devo confessar minha ignorância com referencia a esse negócio de “Rondó”. Tenho a impressão de nunca ter ouvido um “Rondó”, porém se a história diz isso, deve ser verdade, daí a razão do choro conservar em grande parte de composições o sistema AA, BB, A CC e A, que o torna completo, diferentemente do “jazz” por exemplo, que tem em média oito compassos em uma única parte e o resto é improvisação.
MARCELLO: Conte para nós como eram aquelas famosas rodas de choro na casa do D’Áuria lá na Barra Funda…! Muita gente importante
frequentou, aliás, você mesmo começou lá nos anos 50, confere, meu caro…?
IZAÍAS: Foram memoráveis noitadas que me deixam muita saudade. Foi onde conheci os grandes mestres do choro, graças a Deus. Por lá passaram Pixinguinha, Benedito Lacerda, Sivuca, Waldyr Azevedo com o seu conjunto completo, na época Jorge Santos, Francisco Sá e Risadinha do pandeiro, Radamés Gnattali, Garoto, Orlando Silveira, Altamiro Carrilho, sem falar é claro de Jacob que freqüentava assiduamente a Casa do Dauria, principalmente na época que foi contratado da Rádio Record. Além dessas rodas, eram também freqüentes as reuniões com Jacob, na casa de Alberto Rossi e Oswaldo Bittelli. Eram amigos inseparáveis Jacob, Rossi, Dáuria e Oswaldo Bittelli.
Fotografias Luiz Fernando Costa Ortiz.
LUIZ PIRES: Israel, a coletânea “O Choro e sua História” é uma ampla retrospectiva do choro brasileiro (de 1870 aos dias atuais). Os três
CDs que compõem a série são pura memória viva, já que vocês mesmos são parte dessa história. Conte-nos, então, como seu deu a escolha do
repertório e como foi a experiência com o selo CPC-UMES…!
ISRAEL: A escolha do repertório para “O Choro e sua história” foi feita por mim e o Izaias. Muitas peças mais poderiam ser incluidas neste
trabalho, já que a música brasileira é riquissima desde o seu ínicio.
Foi uma decisão difícil e muita coisa boa ficou de fora. Quem sabe se uma outra oportunidade surgirá para podermos gravar outras peças de
igual valor. A CPC UMES nos deixou completamente livres para colocar o repertório que quiséssemos e a relação com a gravadora foi ótima.
LUIZ PIRES: Israel, que dica você dá pra quem está querendo iniciar o estudo do violão 7 cordas…! Que encordoamento você usa…!
ISRAEL: A dica que eu dou para iniciar no violão 7c é ouvir muito as gravações do grande mestre DINO 7C. Foi ele quem criou o modo de tocar, que fez história na MPB. Hoje em dia existem bons 7c pelo Brasil, mas todos eles ouviram muito o DINO. O Dino usava cordas da marca PYRAMID com a sétima de violoncelo. Mas, houve uma mudança no modo de tocar dos violonistas que passaram a usar cordas de nylon. Então eu uso as cordas pesadas Gianini de nylon.
LUIZ PIRES: Israel, a mesma pergunta que fiz a teu irmão Izaías, faço a você agora. Você acha e entende que o Choro deveria ser matéria nas
escolas públicas…?
ISRAEL: Eu acho que as escolas públicas deveriam fazer um apanhado geral da boa música brasileira para fazer com que pudessem ouvir melhor o que nós temos de bom, que está se perdendo para os modismos da época atual.
MARCELLO: Você também concorda que o Choro – há algum tempo – já deixou de ser um estilo ou gênero musical para se tornar uma linguagem ”falada” no Brasil inteiro…?
ISRAEL: Claro, as vezes a gente viaja pelo Brasil e pensa “Aqui ninguém conhece Choro”. Mas de repente aparece uns dois ou três que tocam
choro. Uma vez nós fomos a Campo Grande (MS) e para surpresa nossa tinha lá um clube do choro, pequeno mas tinha.
MARCELLO: Você também chegou a participar das famosas rodas de choro na casa do D’áuria…? Fale-nos algo a respeito.
ISRAEL: A casa do D’Auria foi o principal local de choro em S.Paulo. Lá estiveram os maiores nomes do Choro do Brasil. Era uma pequena
garagem nos fundos da casa do D’Auria e as vezes o pessoal se apinhava no corredor para ouvir de longe a música.
MARCELLO: Em qual músico você se inspirou para tocar o violão 7 cordas…!
ISRAEL: Eu tive três influencias principais: João Gilberto, pelo seu jeito inconfundível ao violão, Garoto, pelas harmonias muito avançadas
para a época em que viveu e no 7 cordas, claro, o mestre DINO.
MARCELLO: Fale-nos algo a respeito da presença feminina no Choro…! Antigamente existiam poucos mulheres, tanto é que depois de Chiquinha Gonzaga, salvo engano de minha parte, pulamos para Ademilde Fonseca e depois a Baby do Brasil (ex-Consuelo). Creio que a partir da década de 80 é que começaram a surgir grandes instrumentistas, Nilze Carvalho, Luciana Rabelo e Roberta Valente, por exemplo, e grupos de choro formados só por mulheres, Choronas, Choro das Três, Roda de Sania, além dos grupos mistos, Sururú na Roda, Choro Rasgado, Rabo de Lagartixa etc…! Caso eu tenha esquecido – e, com certeza, esqueci mesmo – lembre-nos de mais alguns nomes…!
ISRAEL: É muito boa a presença das mulheres no choro. Se antigamente só tinha a Chiquinha Gonzaga era por causa do preconceito. Hoje em dia
não existe mais isso e elas são muito bem vindas. Além das que você citou temos: Jane do Bandolim, as pianistas Dudah Lopes e Rosaria Gatti e a clarinetista Angélica.
MARCELLO: Muito bem lembrados os nomes de Jane, Dudah, Rosaria e Angélica, meu caro Israel. Quero pedir licença para incluir o nome de
Magdalena Pesce Vitale, a fantástica compositora e pianista paulista Lina Pesce.
MARCELLO: Finalizando, pois, e aproveitando o ensejo, gostaria de saber também sua opinião a respeito dos músicos estrangeiros que pesquisam e tocam o Choro, como por exemplo, a clarinetista israelense Anat Cohen, a flautista japonesa, Naomi Kumamoto, o violinista francês Nicolas Krassik e o nosso festejado John Berman, o “Gringo do Choro”…!
ISRAEL: O choro deveria ser como o jazz que é tocado por músicos de todo o mundo. Mas infelizmente o Brasil não teve a força de mídia que tiveram os norte americanos ao lançar discos de jazz pelo mundo inteiro. Mas os estrangeiros já estão ouvindo e tocando um pouco mais de choro.
CONJUNTO ATLÂNTICO
A identificação da foto foi feita por Izaías Bueno de Almeida…!
A autoria é desconhecida e foi batida por volta do ano de 1978…!
EM PÉ: (da esquerda para a direita) Izaías (bandolim), Jayme Soares (cavaquinho). Antonio D’Áuria (violão 7 cordas), Israel (violão), Waldomiro Marcola “Miro” (violão) e Oswaldo Bitelli (pandeiro).
SENTADOS: Waldir Guidi (ritmista) e Renato Petra (voz)
Fiquei muito feliz devido a citação de meu tio avô Amador Pinho, um músico maravilhoso e o sujeito mais bem humorado que tive o prazer de conhecer em minha vida!
Muito obrigado.