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FOFINHO DE OGUM

guerreiro

Pois é, naquele pedaço, no fundo do Marapé, acontecia de tudo, parecia até que o mundo começava ali e terminava ali mesmo. A vida não ia além do morro. O pessoal sempre brincou dizendo que não tinha vida inteligente depois do canal 1. Brincadeirinha. Se alguém fosse procurar um médico, não precisava, pois, todos tinham à disposição o Seu Romeu, farmacêutico e conselheiro. Era o grande sábio do bairro. Tratava desde unha encravada até os males do coração (amor, por fazer ou por desfazer). Aquela vida tranqüila, pacata, vida de interior, o pessoal na calçada jogando conversa fora, dormir de janela aberta e porta escancarada. A molecada jogava bola na rua de terra, de chão batido. Final de semana, era batata, roda de choro atrás do bambuzal no chalé do Seu Landulfo, no final da Alberto Veiga, colado ao morro. O pessoal chamava de chalé quilombo, pois moravam por lá, além do Seu Landulfo, o patriarca, Dona Zilda, o Joãozinho da Zaida, Valdir e Zaíra, Zenaide, Zilá e Paulo. Ali naquele chalé azul se ouvia as valsas e muito choro. Nas rodas de choro no quilombo do Seu Landulfo, Diamantino Cavaco, Canhoto, Seu Euclides e algumas vezes o bambambam Daniel Feijoada.                  

A caminho de casa, de madrugada, podia se ouvir acordes de violão, uma flauta chorar prata, ou uma voz cantando uma canção seresteira. Nesse mar de rosas, morava um negrão forte, mais pra gordo, chamado Leopoldo, nego Leo e, como tinha a cintura bem avantajada, larga, a turma dizia que ele era mais alto deitado do que em pé. A turma chamava pelo apelido, Fofinho de Ogum. Fofinho de Ogum, Babalorixá, receitava ervas, poções, garrafadas e, curandeiro, adivinhava o passado, presente e o futuro através dos búzios, das cartas e até da borra de café. Não tinha erro, toda sexta-feira o pessoal que ficava tomando a caiana no bar do Trinta ficava na espreita e quando chegava meia-noite lá estava o Fofinho de Ogum deitando o despacho pro Santo na encruzilhada. E, quando, o Fofinho, na dele, preparava o despacho, aparecia um gaiato da turma gritando: “Aí Fofinho macumbeiro, diga lá Fofinho macumbeiro!”. Esse carnaval, amigos, era toda sexta-feira. Dia seguinte, lá estava o nosso Fofinho de Ogum com o pessoal no Bar do Trinta tomando cachaça e comendo lasquinha de bacalhau, numa boa. Convenhamos, as consultas no terreiro eram, afinal de contas, o ganha pão do Fofinho de Ogum e não pegava bem, pra sua reputação de Pai de Santo, aturar tanta gozação. Pensando nisso, resolveu tomar uma decisão, digamos, além de bizarra, infeliz. Sexta-feira, como sempre, lá estava a turma toda no Bar, esperando o Fofinho cumprir a obrigação e para surpresa de todos no seu lugar apareceu uma mulher negra, gorda, de peruca loira, sapato de salto alto e, claro, um vestido mais justo que boca de bode. Um tanque de guerra podemos assim dizer. A rapaziada, desconfiada, foi conferir e não deu outra, era o Fofinho de Ogum de peruca loira. Pois é, agora, além de Fofinho de Ogum, macumbeiro, passou a ser conhecido também como a loira gostosona do bairro. O amigo ouvinte bem sabe que Fofinho de Ogum jogava búzios e que previa o futuro, porém, apesar da grande clientela, raramente acertava as previsões, prova disso era a imensa cicatriz que carregava na barriga, uma avenida, esburacada, que ia do canal Um ao canal Dois, provocada por uma afiada e certeira navalha.
Todos, naquele pedaço, já sabiam da fama de garanhão do Fofinho de Ogum. Peçanha que era Ogam do terreiro, junto com a patroa e, também já sabia da fama do homem, vacilou e o Fofinho de Ogum não brincou em serviço e nem marcou bobeira, porém, como sempre, errou feio em mais uma previsão e se deu mal.
Num mês de Abril, festa de Ogum, eis que o nosso Ogam Peçanha, precisando preparar o terreiro, chegou mais cedo e deu de cara com a patroa recebendo o santo todinho do Fofinho de Ogum, não esperou desculpas e navalhou o homem sem dó nem piedade. Por essas e outras é que o nosso estimado Fofinho de Ogum se mandou do bairro, pegou o trinta e sete e sumiu no mundo.
Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte da bateria do Bloco do Boi, foi integrante do grupo de choro Regional Varandas, formado por jovens amantes do Choro. Desde 1986 toca cavaquinho e solta a voz na roda de samba e choro do tradicional Ouro Verde e diretor do Clube do Choro.

 


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