RSS

OLEGÁRIO SI BEMOL

Clarinetista

O grande Jumba, lendário seresteiro e sambista, no alto dos seus oitenta e tantos anos, carobinha branca por inteiro, numa das muitas lenhas regadas a muito samba e cachacinha é quem lembrou e contou a história invocada do Olegário Si Bemol cantor de samba canção e valsas seresteiras.    
O tal Olegário Si Bemol, era arroz de festa, carne de vaca, não faltava em festa nenhuma fosse convidado ou não. Festa no bambuzal, quintal do Seu Lili ou no boteco do Seu Mendes, lá estava de prontidão o nosso nem sempre bem vindo Olegário Si Bemol, que, como o próprio apelido confessa, ia logo pedindo um si bemol:
“Se Deus um dia olhasse a terra”. È isso mesmo meu camarada, a linda valsa Caprichos do Destino do Claudionor Cruz e Pedro Caetano.
Quando o Olegário acabava de cantar, sem mais delongas, o Seu Zequinha do Bandolim logo emendava um Choro, pois se ficasse por conta, é, isso mesmo, a Deus dará, ninguém cantava ou tocava mais, pois só dava o si bemol do Olegário.
Meu velho amigo como ninguém aturava mais o tal Olegário e o seu si bemol, a turma se revezava nos solos até esquecer o insistente cantor seresteiro e até esqueciam, porém o Olegário não esquecia e tome mais um si bemol e uma fieira de valsas.
E assim caminha a humanidade e os chatos de plantão. Depois de uma rodada grande de Choro a turma dá uma pausa pra tomar uns birinaites e salgar a boca, e, pensando em estar livre do Olegário que, por essas e outras corria o sério risco de tomar uma traulitada do Valter Bambu, eis que reaparece e pede pra cantar e leva logo uma comida de rabo do velho Lili:
- Olegário meu filho, canta, mas canta em silêncio!
O homem desistiu de cantar por um breve momento e ficou por ali rondando esperando uma nova brecha.
A fama do Olegário Si Bemol era grande. Os músicos, claro o pessoal do violão, do cavaquinho e do bandolim, é que sofriam na mão ou na garganta, sei lá, do Olegário. Era só o homem pintar no portão pra turma olhar atravessado. Conta o Jumba que até que ele cantava direitinho, o problema, porém, era o tal si bemol que dava um trabalho do cacete pra turma, no braço dos instrumentos. O Valter Bambu reclamava:
- Porra porque ele não canta em Dó maior ou Lá maior? Porque Si Bemol? Deve ser pra encher os colhões da gente. Só podia ser. Não tem outra explicação! Esse filho da puta, qualquer dia, vai rebolar sem bambolê na minha mão. A turma até tentava enganar o Olegário e no lugar do Si bemol pedido, mandava um Lá maior ou um Dó maior, mas o homem, diziam, tinha ouvidos de tuberculoso e logo estrilava.
Na verdade amigo leitor o pessoal não conseguia se livrar do Olegário Si Bemol nem com reza braba. Tinha função lá estava o homem. E, tem mais, podia fazer um sol de rachar ou chover de balde, que lá estava o Olegário de paletó e gravata, que roda de choro é solo sagrado.
Depois de tanto Si bemol eis que é tempo de carnaval. E, assim, em pleno domingo de carnaval, depois do desfile do Bloco Carnavalesco Cantinho do Céu pelas ruas do Marapé, no final da tarde, a turma se reuniu no bambuzal, quintal do Seu Lili, para mais uma tarde sagrada de choro e valsa. A lenha comendo solto e a roda de choro seguindo o ritual dentro dos conformes. Uma beleza. Como sempre.
E tome choro, tome valsa e tome cachaça (muita). Lá pelas tantas eis que surge no portão o nosso sempre surpreendente Olegário Si Bemol, de terno e gravata, e sem falar com ninguém ficou calado encostado no tanque perto da bebida, só de butuca. Valter Bambu disse a boca pequena:
- Mano Lili se ele pedir um si bemol eu quebro as cordas do bandolim.
O choro rolando, o tempo passando, a turma morrendo de ansiedade e o Valter Bambu decidido a quebrar as cordas do bandolim.
Na primeira pausa entre um choro e outro, acontece o inesperado. Olegário Si Bemol se aproxima, e pede, quase implorando:
- Lili, meu bom, me de aí um Sol maior!
A turma sem entender nada, estranhando o pedido inesperado, atacou de Si bemol e o Olegário Si Bemol emendou:
- “Reside no subúrbio do encantando, num barracão abandonado, João de Tal cabra falado.”

Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte da bateria do Bloco do Boi, foi integrante do grupo de choro Regional Varandas, formado por jovens amantes do Choro. Desde 1986 toca cavaquinho e solta a voz na roda de samba e choro do tradicional Ouro Verde e diretor do Clube do Choro.


Your Comment