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ZÉ DE AURÉLIO

ZÉ NINGUÉMChegou cá nesta terrinha ainda muito menino o Zé de Aurélio fugido que foi da seca inclemente lá de cima no Crato, no Ceará. Veio morar na casa do seu Hélio, bem ali na Alberto Veiga no pé do morro e, que também já tinha vindo embora alguns anos antes fugindo de antiga seca, como todos naqueles tempos.
Também, como tantos outros Zés de Aurélio, o menino chegou sem saber ler nem escrever. O tempo era o dono da vida no fundão do Marapé, que às vezes passava muito rápido, outras vezes nem tanto. Zé de Aurélio, que era de pouco falares, logo se juntou a molecada, se tornando, porém, um garoto mais calado ainda, arredio. Na maior parte do tempo ficava parado de cócoras na porta de casa, em silêncio, fumando um cigarro vagabundo, pensando não se sabe em que, talvez na mãe, no pai.
Zé de Aurélio fugiu da miséria, chegou por estas bandas na mais extrema miséria, sem merda nenhuma, sem porra nenhuma de seu. O tempo, senhor da situação, logo transformou o Zé de Aurélio em jovem. Um jovem que não sabia ler nem escrever.    
Como naquele fundão ninguém tinha dinheiro pra porra nenhuma mesmo, o jeito encontrado foi o de ensinar o menino a engraxar sapatos lá no centro da cidade onde morava a felicidade e o dinheiro, vender gibi velho na porta do Cine Marapé e, ainda, quando possível, fazer carreto na feira com carrinho de rolemâ e assim conseguir uns caraminguás para comprar cigarros, afinal, único objeto de desejo do cada vez mais quieto e calado Zé de Aurélio.
Com muito custo conseguiram convencer o menino a ir para a escola e estudar, pois que precisava aprender a ler e escrever correndo o sério risco de viver e morrer analfabeto.
Com tantas dificuldades, Zé de Aurélio ficou três anos no primeiro ano. Desistiram e ele voltou pras ruas. Pelo menos já conseguia assinar o nome.
Um dia disseram a ele que precisava fazer um curso de datilografia, aprender a bater a maquina. Máquina de escrever. Não aprendeu nunca. Não conseguia gravar o alfabeto.
Quanto mais passava o tempo, mais calado ficava e a miséria grudava nele como tatuagem. Agora se encontrava sozinho no mundo, afinal, na casa do seu Hélio, todos já tinham morrido.
O agora jovem adulto Zé de Aurélio, além do cigarro, se bandeou para os botecos que em cada esquina tinha um.
Como bem dizia o sábio Didi Canela Grossa, o tempo “avuou” e todos, daquele pedaço, foram procurar outra vida, outros destinos.
O bairro mudou, os bondes se acabaram e um tempo escuro por demais se abateu sobre a cidade.
Depois desse tempo, dei de cara com o Zé de Aurélio lá pelo centro da cidade e o homem permanecia na mesma miséria, na mesma merda e sem porra nenhuma de seu.

Renê Rivaldo Ruas é escritor. Foi passista da Império do Samba, baliza da Embaixada de Santa Tereza, fez parte do Bloco do Boi, integrante do grupo de Choro Regional Varandas, desde sempre toca cavaquinho e solta a voz na roda de Choro e Samba do tradicional Ouro Verde e Diretor do Clube do Choro.


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