QUINTETO VILLA LOBOS
Marcello
Qual a proposta do Quinteto Villa-Lobos e como se deu a ligação com o choro?
PAULO SÉRGIO
A ligação se deu com um dos nossos integrantes, um dos fundadores do Quinteto, que era o Airton Barbosa, que tinha um contato muito forte com o pessoal da música popular, os artistas. O mais difícil foi em 1975 - da parte que eu entrei no Quinteto, porque antes eu não sei.
Marcello
O Quinteto foi fundado, foi criado em 62, não é?
PAULO SÉRGIO
Em 62, é. Quer dizer, antes disso aí eu não sei como é que foi, mas acho que foi por aí. O Airton era um jornalista também, era um cara muito...que tinha muitas outras atividades além de música, e ele que...ele junto com esses fundadores que idealizaram essa coisa da música brasileira, repertório de música brasileira.
Marcello
Ainda existe uma barreira entre a música popular e a música erudita?
CARRASQUEIRA
É existe...bom existem muitos preconceitos em relação a muitas coisas e um deles é essa coisa...insistem em classificar ou dizer que uma coisa é superior a outra, ou então só gosto disso, só gosto daquilo, mas para nós essas barreiras são falsas, para nós que somos músicos, a gente adora...desde garoto vi meu pai tocando Bach, Patápio Silva , Pixinguinha, para mim era tudo músico como para minhas filhas é assim também, você vai tocando, você gosta, músico é um pouco como ator. O ator uma hora está interpretando Shakespeare, outra hora está interpretando Plínio Marcos, aliás aqui de Santos, então a gente é tudo isso, a gente se identifica com a música do Pixinguinha, se identifica com a música do Villa-Lobos, se identifica com a música do Bach, ainda mais nós brasileiros que somos essa mistura de europeus, indígenas, africanos, árabes, orientais, então nós, mais facilmente ainda nos identificamos com tudo isso. Mas esse preconceito existe por aí, é um preconceito que impede, muitas vezes, as pessoas de serem felizes, de curtir, de ficar a vontade e apreciar a riqueza que a música tem, mas o caso...uma das características do Villa-Lobos, do Quinteto Villa-Lobos, é justamente não ter essas fronteiras que a gente...enfim...principalmente, não só com música brasileira, embora não só, mas nós gravamos música brasileira pra mostrar né, tem tanta coisa linda aqui que não se conhece, existe esse boicote terrível das rádios, das gravadoras, então a música brasileira de qualidade tem dificuldade de chegar...!
Marcello
Está totalmente afastada dessa...!
CARRASQUEIRA
É, não só a música brasileira, mas música erudita também não se ouve em rádio, do Bach, do Mozart, esses grandes caras a gente não ouve na rádio; Stravinsky é uma ou outra rádio que toca. E nós somos músicos, gostamos de música de qualidade, não interessa se popular ou erudita, a gente gosta de música boa.
Marcello
Uma pergunta eu queria aproveitar nesse gancho. Será que existe uma preocupação, que rola um preconceito entre os acadêmicos com relação aos não acadêmicos. No caso de vocês, músicos de excelente formação – eu já percebi isso várias vezes, os acadêmicos não gostam dos caras que não são acadêmicos, então, ou seja - como é que vou me explicar – vocês viram isso obviamente, muitos já viram isso, o sujeito que começou a tocar intuitivamente e que depois de vinte anos ele foi estudar música e, simplesmente, aprimorou o que já fazia. Então eu tenho a impressão que existe...vocês acham isso, que esse preconceito existe, dos acadêmicos, e muitos deles, as vezes...!
PAULO SÉRGIO
Existe preconceito de ambas as partes. Não é só dos acadêmicos para os populares. Mas dos populares para os acadêmicos também. Então, é uma coisa que é difícil, esse relacionamento, essa ponte aí é difícil. Mas é aquele caso, eu transito nas duas áreas, eles também. Então eu gosto das duas coisas, mas que tem um preconceito, tem. Agora, a questão de tocar intuitivamente eu acho que a música é intuitiva, a verdadeira música ela é intuitiva, ela não é racional, pelo menos a música que eu gosto, seja ela erudita ou popular, quer dizer, a intuição é a bússola entendeu...!
DOYLLE
Os próprios compositores clássicos de antigamente eram improvisadores. Todos eles improvisavam e a gente perdeu isso...!
ALOYSIO
Têm fundamentos racionais também, que toda música, a boa música têm fundamentos racionais. Você pode até...eu acho que assim...na questão da intuição como o Paulo falou, mas também toda música é, como tudo, tem um componente racional né, você pode analisar e montar, enfim, definir as estruturas, um lado mais formal, vamos dizer assim, acho que isso também...a questão do preconceito é...não é só da música, isto é, toda a atividade humana existe essa coisa da...uma relação meio que quase...não vou dizer que inerente ao ser humano, mas dentro da inveja, da raiva...e a música é mais um dos componentes.
Marcello
Qual a importância da obra do Villa-Lobos para o choro. No início de carreira ele aprendeu a tocar com os chorões do século XVX. O que vocês acham da importância do Heitor Villa-Lobos para o choro.
DOYLLE
É verdade. Villa-Lobos começou no violão, tocava violoncelo também, clarinete também, um pouquinho. Mas ele compunha mais no violão, então muitas obras você vê isso na escrita dele. E, com certeza, na época tinha preconceito com isso. Ele sofreu muito com isso. Acho que na obra fica claro que tinha essa raiz assim, do choro, fica evidente na escrita dele.
Marcello
E uma das obras mais importantes dele são “Os Choros” não é? Uma obra clássica do Heitor Villa-Lobos, que muitas vezes – eu já li inclusive depoimentos escritos – que ele mesmo se aborrecia com os jornalistas que perguntavam a ele onde ele tinha aprendido a tocar. E ele dizia: aprendi a tocar com os velhos chorões do Século XVX. Aí ele citava aquele rol...Candinho Trombone, Quincas Laranjeira, João Pernambuco, enfim, aquelas pessoas que, de alguma maneira o influenciaram, independentemente do instrumento que tocavam. Ele aprendeu com esses caras.
ALOYSIO
Interessante que tem um depoimento do Pixinguinha sobre o Villa-Lobos nas rodas de choro, que ele falava assim: “Villa-Lobos ia lá, freqüentava mas...Pixinguinha com jeito todo assim...suave dele, em casa dele, dando a entender que Villa-Lobos gostava mais de ouvir do que, propriamente, teria condições de participar da verdadeira roda de choro. Interessante esse tipo de depoimento, que dizer, mostra um compositor que está integrado mas não era propriamente um chorão, ele gostava de estar com os chorões, isso também é importante...
PAULO SÉRGIO
Ele não era um instrumentista, a força de Villa-Lobos não está em ser instrumentista, e sim compositor.
CARRASQUEIRA
O Villa-Lobos tem uma coisa muito interessante em relação ao preconceito. Sempre houve um preconceito muito grande contra a cultura popular no Brasil, o choro, enfim, o Brasil sempre foi dominado por...a classe popular no Brasil sempre foi escravizada, maltratada...e a cultura popular até a Semana de 22 foi um marco nessa coisa, começou a se valorizar a cultura popular, mas o Villa-Lobos era uma pessoa que gostava da cultura popular, gostava das modas-de-viola, gostava dos batuques...!
Marcello
Ele tinha esse lado rural, não é?
CARRASQUEIRA
É. E da música popular, da música...batuque de terreiro, da música dos índios, ele percebia que tinha música em todo o canto e ele ia atrás,
ele não tinha esse preconceito. Ele vendeu a biblioteca do pai e foi ver o povo, ele gostava de ver as festas populares, as congadas, os moçambiques, as rodas de choro, de samba. Ele bebia nessa fonte, era uma coisa que ele gostava. Ele gostava do povo brasileiro, misturado, do jeito que a gente é, sendo um compositor erudito, digamos. Ele não se considerava erudito, mas ele usava as técnicas do erudito, ele bebia de tudo. Onde tivesse informação ele estava aberto e misturava aquela coisa, aquele jeitão antropofágico e transformava na música dele. E ele dizia: “minha música, eu canto os rios, canto as matas, canto o Brasil, minha música é...a intenção dela é essa.
Marcello
Eu queria aproveitar Toninho, a última vez que você esteve em Santos foi 2004/2005 no SESC?
CARRASQUEIRA
Puxa, nem lembro. Estive na Igreja do Embaré, depois em Guarujá no ano passado...
Marcello
Bom, foi por aí , porque eu estava lá, eu assisti a tua apresentação e você falou uma frase...
CARRASQUEIRA
No SESC, foi com o Edmilson e o Guello?
Marcello
Isso, exatamente. E você falou uma frase que me marcou e eu utilizo muito, e eu não assumo a paternidade, eu digo que foi você quem disse. Eu achei genial, que você definiu, na minha opinião, magnificamente bem. Queria que você comentasse sobre isso. “O choro é um produto do namoro da polca com o lundú”. Achei genial isso.
CARRASQUEIRA
Bom, é que...no Brasil tinha a...nem sei direito o que tinha...tinha o lundu, tinha a modinha, tinha aquelas coisas todas, os batuques, as danças que estavam por ali e aí chegou a polca, por volta de 1850 – se eu falar bobagem vocês me corrijam – e a polca trouxe uma forma muito definida, a forma rondó, com o A – B – A – C – A, o “abaca”, e de repente aquela forma foi um sucesso danado, inclusive porque a polca foi a primeira dança de salão a se dançar abraçado, segurar na cintura das moças, era um sucesso danado né? E a polca virou a coqueluche e se adequou perfeitamente pra quem? Pra aquela música brasileira que estava nascendo ali e tal, procurando, de repente, uma forma...então a polca justamente serviu, se encaixou como uma luva pra expressar aquele sentimento. Quando a gente gravou há poucos anos atrás os Princípios do Choro, coleção do Maurício Carrilho, e aquelas músicas todas estava escrito polca ou polca-cateretê...
Marcello
Identificava como polca, né. Praticamente tudo...
CARRASQUEIRA
Tudo era polca. Você vê que uma coisa era diferente: tinham as valsas também, as mazurcas, tinha as quadrilhas, mas ali já era choro ou já era um quase samba, um quase maxixe, tinha coisa que parecia um forró, né. Mas era tudo polca. Então, quer dizer, esse namoro...!
Marcello
Mas eu achei absolutamente definitivo, não sei se é porque, modéstia à parte, eu estou bem por dentro do assunto, mas aquilo bateu, sabe, quando o cara falou – mas é isso aí, ele definiu, pra mim, magnificamente bem, até estava com Herlinha que é nossa diretora e ela falou: “eu também acho isso, exatamente isso”. Você define como o Sérgio Cabral definiu Pixinguinha: “o homem que deu identidade para a Música Popular Brasileira”. Eu falei: não precisa falar mais nada, basta isso. Eu me dou por satisfeito de ouvir, como eu achei interessante essa tua colocação, por isso que eu fiz lembrar. Agora aqui tem uma pergunta endereçada a você Paulo Sérgio. Em seus cursos de pós-graduação em universidades norte-americanas e européias, há destaque para o choro?
PAULO SÉRGIO
Eu faço, de vez em quando, as master class, congressos também. É claro que eu dou destaque, porque o choro é uma coisa muito forte na minha vida. Eu peguei muito esse universo, então...assim como essa coisa também é muito forte, a música de câmara. Quinteto Villa-Lobos que eu entrei em 75...então essas duas coisas são...aliás são três coisas: a música de câmara, o choro e o ambiente sinfônico, porque eu toquei dezoito anos também em orquestra, então são coisas muito fortes. São as únicas coisas que eu posso falar, são a minha vida, praticamente essas três coisas.
Marcello
E uma pergunta agora, quero ver quem responde. O choro é mais erudito do que jazzístico ou vice-versa? Ou não tem nada a ver. Porque todo mundo costuma dizer que o choro é o jazz brasileiro. Eu abomino essa expressão. Mas em todo o caso, quero ouvir a opinião de vocês.
CARRASQUEIRA
Também não gosto.
Marcello
Eu não gosto, nunca gostei, inclusive.
PAULO SÉRGIO
Eu acho que as pessoas se referem mais ao espírito do que propriamente a coisa em si, quer dizer, a postura, a relação é realmente muito semelhante da coisa da improvisação, a coisa da descontração, uma coisa que você, as vezes, tocar uma música que você não sabe direito, sai tocando...é muito parecido com as jam-sessions, quer dizer, o cara nem sabe o tema direito e cada um toca de um jeito, no choro acontece muito isso. Cada um toca uma música notas diferentes e tal...nesse sentido é que é semelhante ao jazz. Agora, estruturalmente e harmonicamente, não tem nada a ver uma coisa com a outra.
ALOYSIO
Eu já ouvi alguém falar, não me lembro quem, mas também não endosso as palavras, mas as vezes se fala que o jazz seria mais rico do ponto de vista harmônico e o choro do ponto de vista virtuosístico.
Marcello
Mas eu já acho o contrário.
PAULO SÉRGIO
Quando se fala em choro você tem vários universos. Você tem o choro tradicional, até o choro jazzístico...
Marcello
Choro jazzístico. O Hamilton de Holanda faz isso atualmente. O Yamandú...
PAULO SÉRGIO
Guinga! Mas eu acho o interessante, eu acho o seguinte: eu acho que tem que ter duas coisas importantes, uma de preservação, isso que aconteceu e acontece e aí eu acho que os clubes locais onde se cultua o gênero (aqui Paulo Sérgio faz alusão aos Clubes de Choro existentes), tem Brasília, tem no Brasil todo. Então eu acho importante fazer esse trabalho de divulgação e catalogar o que foi feito, as pessoas que foram importantes...
Marcello
É o que nós estamos tentando fazer aqui.
PAULO SÉRGIO
É. Mas eu acho o seguinte: não pode ser só isso também, não é? Então eu acho...e as vezes, não só o choro, mas todas as manifestações, como o próprio jazz, as vezes ele se fecha nele mesmo, então é uma coisa...é uma faca de dois gumes porque ele não fica aberto a outras influências. Por exemplo: eu estive na Venezuela há umas semanas atrás e eu tive contato com a música da Venezuela que eu não conhecia. Eu conhecia da Colômbia, alguma coisa. Então eu fiquei chocado com a fluência que eles têm em tocar em compassos ímpares, 5 -7, mas eles tocam aquilo; como a gente toca o samba aqui, eles tocam lá, entendeu. Então quer dizer, se você pegar o Radamés Gnatalli ou o Hermeto Pascoal, o próprio Guinga eles fazem...eles utilizam elementos que não fazem parte do choro tradicional. Falo assim do Pixinguinha, do Jacó, do Valdir. Então, quer dizer, eu acho importante que tenha um equilíbrio. Se você também só fizer isso, aí você corre o risco de desfigurar a linguagem. Eu acho que tem que ter um equilíbrio nessa preservação e nessa coisa de inovar, porque se não houver essa inovação, não existiria o Pixinguinha, por exemplo, ou o Jacó e aí acaba todo mundo tocando como Chiquinha Gonzaga escrevia ou como Patápio. Então, quer dizer, é importante essa coisa...e nesse ponto eu dou muita importância a determinados compositores como, por exemplo, o próprio Hermeto. O Hermeto está fazendo maracatus, choros, entendeu. E ele está fazendo isso de uma maneira que ele acaba fazendo sem ter essa preocupação de criar barreiras; ao contrário, ele está aberto, está mostrando. Faz isso no mundo inteiro, as pessoas adoram, e ele consegue levar isso para as pessoas. Talvez se ele tivesse uma postura muito tradicional, as pessoas não se interessariam em ouvi-lo. Quer dizer, pessoas de outras formações, de outras culturas, entendeu. Acho que tem que ter um equilíbrio nisso.
Marcello
Essa pergunta eu fiz porque, normalmente, é uma coisa que me encafifa pra caramba. Primeiro eu acho que...você falou do espírito. É uma posição interessante. Mas eu acho que é mais por complexo de inferioridade e de subserviência. Eu nunca vi um americano chegar e dizer: “olha, o jazz é o choro americano”. Agora o brasileiro infinitamente pronuncia que “o choro é o jazz brasileiro”.
PAULO SÉRGIO
Nos Estados Unidos eles dizem que eu toco jazz. Mas eu não toco jazz. “Mas é jazz”! Não é jazz. Eu digo, eu brigo lá. “Você é um grande jazzista”. Eu digo: não, não toco jazz. Adoro jazz, gosto, amo o jazz, mas eu não toco.
Marcello
Sim, exatamente. Nada contra.
PAULO SÉRGIO
Quanto à subserviência...é uma coisa...isso é uma coisa de todos os gêneros, entendeu. O Brasil...!
ADEMIR
Essa subserviência se expressa em todas as áreas, não só na...!
PAULO SÉRGIO
Não é só na música.
Marcello
É a história do “brazilian jazz”. Eu queria saber quem inventou essa expressão “brazilian jazz”. O que é isso? Já ouviram isso né? A princípio era só bossa-nova.
PAULO SÉRGIO
Ou jazz latino.
Marcello
Ou qualquer coisa. Depois aí ficou sinônimo de tudo que se toca de música brasileira fora do Brasil é “brazilian jazz”.
PAULO SÉRGIO
Você vê. Até um tempo atrás todo músico que surgia, que se destacava na música instrumental, a maioria deles, ia estudar aonde? Na Berkley. Hoje em dia os caras vêm de lá pra cá. Então, eu acho que mudou isso. O que não impede que existam alguns jazzistas muito bons no Brasil, entendeu!
Marcello
Sim, sem dúvida!
PAULO SÉRGIO
E muito bons, significativos. Agora eu acho o seguinte: eu tenho uma coisa pra mim. Existe sim, mas são pouquíssimos. Em geral, um alemão não vai tocar samba que nem a gente toca, entendeu.
Marcello
Não, jamais.
PAULO SÉRGIO
Quer dizer, a gente não, porque nem eu toco direito samba. Porque não é...não faz parte da minha cultura. Estou muito mais relacionado com o choro do que com o samba, que é outro universo também. As pessoas, as vezes, botam tudo no mesmo saco e não é. Tem gente que só toca samba, não toca choro. E é um universo imenso, milhões de compositores, milhões de cantores, milhões de coisas subliminares, entendeu. Isso dentro do Rio de Janeiro. Agora você imagina se vai vir um japonês e vai tocar choro. Não. Até existem grupos japoneses, por exemplo, que assimilaram a linguagem, foram ao Rio, ficaram meses estudando e tal...estudavam daquele jeito japonês...e assimilaram a linguagem. Mas depois eles descambaram e fizeram outra coisa, que eu acho legal também. Mas você não pode chamar aquilo de choro, entendeu.
Marcello
Não, exatamente.
PAULO SÉRGIO
É um choro japonês. Não é dizer que não...isso aqui é um choro carioca? Não. Porque dentro do próprio Brasil já existe essa coisa que é natural, por exemplo, pega um cara como João Lira, que é um nordestino. Os choros dele são lindos, mas tem sempre uma característica que difere dos choros do Rio de Janeiro. Então, isso é uma coisa de vida. Você imprime sua impressão digital. Agora eu não tenho...eu gosto muito de jazz...eu acho que, pra mim, no mundo atual as músicas assim que eu acho que são as melhores: a música brasileira e a música americana. Não a música pop. Falando na música americana, os grandes jazzistas ou até um pessoal todo que eu conheço, gosto...
Marcello
Eu adoro rock and roll. Não falei por preconceito, eu falei porque, eu não quero que tenham preconceito com a minha música, a música do meu País, que os caras tocam, entendeu.
PAULO SÉRGIO
Mas isso é uma coisa que...eles não fazem por mal também não. É porque pra eles é parecido a postura. Quando eu chego lá tocando Pixinguinha e fazendo essas improvisações eles dizem: “você toca jazz”? Porque é diferente para eles. É como se eu fosse uma coisa que eles não conhecessem, que eu faço um “idioma” que não é o deles, não é o be-bop, não é o Charlie Parker, não é o John Coltrane. Mas eles dizem: “o que é isso, mas é jazz”. Na cabeça deles é jazz, entendeu. Porque eles também tem aquela coisa...eles estão ali vivendo, eles vivem, numa maneira em geral, na média, muito melhor do que a gente em termos de condições, de dinheiro e não sei que...entendeu! Então eles...as vezes o americano tem essa característica, do cara, por exemplo, numa universidade daquelas...as vezes ele acha que aquela universidade é o capital do mundo, entendeu! Então é daí que vem essa coisa, mas eu nem sei se eles fazem por mal isso, querendo diminuir. Ao contrário, eles têm uma reverência muito grande com a música brasileira, um respeito muito grande.
OBED
Você teve contato com o Paquito, doido pra tocar choro. O que você achou desse encontro, você com ele tocando choro?
PAULO SÉRGIO
Uma coisa. O Paquito é cubano, ele tem toda uma formação...até o jazz que ele faz é cubano. Quer dizer, um jazz que tem as características de Cuba. Ele não tem pretensão de ser brasileiro, entendeu. Ele toca um choro onde ele mistura Jazz com Cuba, com não sei o que. E eu acho muito bom. Eu acho que é um direito que as pessoas têm. A única coisa que você não pode... que eu não acho interessante é quando o cara não tem consciência dessa formação. Quer dizer, então ele começa a dizer assim: “não, é o Paquito que faz o choro”, por exemplo, é ele que toca choro. Não, ele sabe que não. Ele toca uns três...uns vinte choros, sei lá, no máximo, entendeu! Então ele não é um chorão. Ele sabe disso. Agora, o que ele faz eu acho muito bom. Agora eu não vou dizer que é um choro que toca o Ronaldo do bandolim, por exemplo, ou o próprio Hamilton. É uma das pessoas, por exemplo, que eu tenho mais admiração é o Ronaldo do bandolim, porque ele vem com essa...aquela coisa...desta coisa de preservar. Mas ele não tem preocupação de estar preservando ou não, ele não tem ambição, assim, ele não tem pretensão nenhuma. Ele é aquilo que faz. E é da maior importância...ele deveria ser um artista muito valorizado por isso. Eu acho ele pouco valorizado.
Marcello
É verdade. Pelo talento, pelo trabalho que ele desenvolve.
PAULO SÉRGIO
E não é só. Músico pode ser um virtuose, ele pode estudar o dia inteiro, pode fazer coisas milagrosas, circo, sabe, mas tem uma coisa de vida que aquilo ali é uma coisa que você não pega nos livros, não pega, sabe. Não adianta. É muito diferente quando você é um músico, um artista e se direciona nesse caminho, e você é um pesquisador. São coisas diferentes. Tem gente que consegue conciliar as duas coisas. Mas eu por exemplo, eu não sou pesquisador. Tudo que eu sei de música brasileira, eu vivi. É diferente, entendeu? Eu tenho experiências com o Radamés. Mas foram coisas que eu vivi, não foi nenhum livro que me falou. E nem eu vou escrever nenhum livro, porque eu não me considero pesquisador. Mas uma coisa é certa: você tem que se sentir seguro naquilo que você está fazendo.
Marcello
Bom gente, foi muito legal bater esse papo com vocês e quero que vocês deixem uma mensagem para o Clube do Choro de Santos. Nós estamos praticamente começando um trabalho, temos cinco anos de vida só, já fizemos algumas coisas e a gente luta com dificuldade, sem dinheiro, é um problema. Nós estamos aqui por nossa conta, às nossas expensas, nego arruma gravador pra gente e é difícil pra caramba. É um trabalho que a gente faz com muito gosto, com muito prazer...
ALOYSIO
Mas vocês não passam a sacolinha não, né?
Marcello
Não, por favor (risos)...tem algum aí, não? (risos).
Uma mensagem pra gente pois vocês vão se preparar para o show.
CARRASQUEIRA
Um grande abraço, parabéns pelo clube e saibam que nós estamos juntos nessa história, nos somos todos um só, espalhados, um aqui em Santos, outro no Rio de Janeiro, outro em São Paulo, o outro lá em Cuba e o choro é um pedaço importantíssimo da alma brasileira. Então muita força, continuem sendo, continuem fazendo o que vocês têm vontade, podem contar com a gente e não percam nunca o entusiasmo porque eu acho que o choro tem uma mensagem da maior importância pra dar ao Brasil hoje em dia.
Marcello
Valeu. O Toninho Carrasqueira falou em nome do grupo. Muito obrigado.
No final da entrevista foi entregue uma lembrança do Clube do Choro de Santos aos integrantes do Quinteto Villa-Lobos.