Nelson Sargento
85 anos de Samba. Ator, escritor, artista plástico, compositor, violonista e baluarte do GRES Estação Primeira de Mangueira. Nasceu no Rio de Janeiro a 25 de julho de 1924. Compositor e pintor assim como Heitor dos Prazeres e torcedor do Clube de Regatas Vasco da Gama assim como Paulinho da Viola, Sérgio Cabral e Pixinguinha. Sem dúvida nenhuma, trata-se de um dos maiores sambistas de todos os tempos e também uma das maiores glórias da Música Popular Brasileira. Entrevista concedida ao Clube do Choro de Santos em 15 de abril de 2009 nas dependências do SESC Santos.
Marcello:
Nelson, prazer em recebê-lo, bem-vindo a Santos e bem-vindo também ao site do Clube do Choro de Santos.
NELSON SARGENTO:
A vontade é a mesma, a recíproca é verdadeira...você vê, já estou tomado de emoção por ser entrevistado pelo Clube do Choro, Clube do Choro esse que teve uma pessoa que me foi muito querida, o Luiz Roberto, chegamos a fazer um trabalho juntos, é um prazer imenso poder dar essa entrevista.
Marcello:
Muito obrigado. Luiz Roberto, embora não o tenhamos conhecido pessoalmente, é muito querido e a esposa dele, Herlinha, está conosco desde a fundação. (Obs.: Aqui Nelson faz referência ao maestro Luiz Roberto, integrante do Conjunto Os Cariocas, na década de 60, uma das maiores referências da Bossa Nova). Nelson, o Samba agoniza mas não morre...?
NELSON SARGENTO:
Claro, você tem sempre gente...pessoas chegando com socorro na hora "H". Porque você tem que partir do seguinte princípio: o Samba não é movimento, não é um movimento musical, o Samba é uma instituição. Finalmente agora foi tombado e é o representante da música do Brasil no mundo inteiro.
Marcello:
Faz parte do Patrimônio Nacional...!
NELSON SARGENTO:
Perfeito...!
Marcello:
Você tem o hábito também de usar a expressão "Baluarte" para homenagear ou se referir aos "bambas". Essa expressão dá uma conotação de nobreza, de realeza, não é isso?
NELSON SARGENTO:
É, perfeito, inclusive a Mangueira tem um corpo de baluartes. São pessoas com mais de sessenta anos de escola, então foi criado lá um corpo de Baluartes para ajudar a resolver as coisas da Escola politicamente.
Marcello:
O Elton Medeiros é o nosso convidado desse ano e foi ele que te indicou, na ocasião, em 1965, pra você fazer parte do elenco do Rosa de Ouro, não é?
NELSON SARGENTO:
Foi, realmente foi, devo isso ao Elton.
Marcello:
Como foi essa experiência...!
NELSON SARGENTO:
É, ele foi lá no morro da Mangueira - eu morava lá na época - e me perguntou...mandou eu ir no Teatro Jovem. No Teatro Jovem, eu pensei que era para pintar o Teatro...(risos)...porque eu era da construção civil. Então, quando eu cheguei no Teatro Jovem aquele aparato, Paulinho, Jair do cavaquinho, Anescarzinho, ele, Elton Medeiros, Emílio...aí me disseram que eu estava ali para entrar no espetáculo que ia ser realizado...!
Marcello:
E já com o grupo A Voz do Morro, não é?
NELSON SARGENTO:
Não, não...!
Marcello:
Ou ainda não existia nessa ocasião...!
NELSON SARGENTO:
A Voz do Morro já existia, mas aí quando foi formado Rosa de Ouro, o Elton, o Anescar, o Paulinho, o Jair já eram do conjunto A Voz do Morro e foram requisitados para fazer o Rosa de Ouro, com Aracy (Cortes) e Clementina (de Jesus). Então, aí eu disse assim: mas o que é...! Não, o negócio é para...eu não sei fazer isso não...aí ele disse assim: você sabe cantar Samba? Eu digo: sei...! Você sabe tocar violão? Eu digo: sei...! Então tá empregado. (risos).
Marcello:
Agora Nelson, uma pergunta que me intriga bastante e eu queria que você respondesse: você que é um grande baluarte da Mangueira, como é a tua convivência com os teus companheiros de samba de outras Escolas. Por exemplo: o Monarco na Portela, enfim, compositores de outras Escolas. Existe uma convivência pacífica? Existe algum tipo de diferença? Existe uma amizade?
NELSON SARGENTO:
Isso perdurou, mais ou menos, até os anos 40, 45, já aqueles veteranos, negócio de esconder enredo, não querer contar o enredo, que a outra escola descobrisse qual era o enredo, uma porção de coisas desse tipo. E nós fomos criados nisso mas já, automaticamente, nós estávamos com outra mentalidade, certo? E a gente se comportando...independentemente disso eu freqüentei muito uma escola chamada Filhos do Deserto, um pouco de Império (Serrano), a gente adorava o Silas (de Oliveira), o Silas era uma referência muito grande para nós. Então não havia assim uma animosidade, certo? Inclusive o Walter Rosa chegou na Mangueira uma vez cantando um samba que dizia "da Portela vou à Mangueira que distância pode ser, tem um abraço, um sorriso, um prazer", coisas desse tipo assim...
Marcello:
Dentro da sua escola, mas falando da outra, sem o menor problema, não é...?
NELSON SARGENTO:
Sempre, era uma confraternização...hoje não, agora ficou mais popular.
Marcello:
E me diz uma coisa: da mesma maneira que você compôs "Homenagem ao mestre Cartola", o Moacyr Luz também compôs "Flores em vida para Nelson Sargento". Então eu queria que você dissesse, também como compositor, como você se sente, ou seja, você fez a homenagem ao Cartola e o Moacyr Luz fez a você. Como é que o compositor se sente fazendo esse tipo de coisa, compondo em homenagem ao parceiro. É uma emoção grande, não é...?
NELSON SARGENTO:
Olha, quando o Cartola faleceu muitos compositores fizeram músicas em homenagem...cantaram o Cartola em suas músicas. E me passou por idéia que uma homenagem que eu poderia fazer era usar os títulos das músicas dele e eu, felizmente, consegui harmonizar tudo isso.
Marcello:
E como é que você se sentiu quando o Moacyr fez pra você o "Flores em vida para Nelson Sargento"...!
NELSON SARGENTO:
Eu senti...ele é um samba de quadra da Mangueira. Me senti realmente emocionado e por que o Moacyr também fez uma para o Carlos Cachaça. Eu acho que nós compositores...no momento você tem o Nei Lopes, fez um partido-alto...
Marcello:
O Nei Lopes esteve conosco também...!
NELSON SARGENTO:
...pra todo mundo. Isso é importante para o próprio Samba e para o próprio compositor que se confraterniza através da música.
Marcello:
E aquele samba muito bonito que você fez com o Alfredo Português, "Primavera" ou "As quatro estações do ano". Fale a respeito desse samba que é considerado um dos mais bonitos da história do samba-enredo e que o Alfredo Português significou e significa pra você.
NELSON SARGENTO:
Alfredo foi, praticamente, meu pai adotivo, aprendi muita coisa com ele e o Alfredo era, realmente, um bom letrista. Tanto que em 1948, numa época em que o samba-enredo ainda não era...não existia o samba-enredo...não era quesito obrigatório, mas a Mangueira fez um enredo chamado "Rio São Francisco", que o Alfredo fez a letra do samba e eu fiz a música, isso em 1948. E dali pra frente o Alfredo compôs 49, 50, 51 até 52, nós fizemos samba concernente ao enredo.
Marcello:
E me diga uma coisa agora: e o coração vascaíno como está depois que o Vasco foi para a segunda divisão, Nelson!
NELSON SARGENTO:
(risos) Já não há mais aquela euforia, por que com o tempo a gente vai compreendendo...hoje eu sou um mau torcedor, por que quando o torcedor sabe que seu time pode perder...ele que é um grande torcedor...não, é o meu time e o resto não existe. Esse é o grande torcedor, esse é o flamenguista, é o corinthiano...
Marcello:
É...o corinthiano fanático...mas o Vasco tem uma torcida grande e uma torcida fanática também, não é?
NELSON SARGENTO:
Eu continuo vascaíno, mais conformado, coisa e tal, você vê o Vasco veio um segundo turno bacana, na hora "H", morre na praia, como se diz na gíria...(risos)...tudo bem!
Marcello:
Beleza Nelson, eu vou pedir ao nosso vice-presidente Luiz Pires que faça as últimas perguntas a você... !
NELSON SARGENTO:
Não pergunte quantos anos eu tenho pois essa pergunta já foi feita... (risos)
Luiz Pires:
Querido Nelson, a gente quer destacar, queria saber qual teu ponto de vista da importância da presença negra na Música Popular Brasileira.
NELSON SARGENTO:
É, realmente, a presença do negro na música brasileira tem a mesma importância do negro no futebol, inclusive o Mário Filho que escreveu um livro há muitos anos atrás - ainda não existia Pelé - ele já via isso assim, o negro no futebol brasileiro. Agora, é um negócio que eu não...o negro no futebol brasileiro, o negro na música brasileira, não só o carioca, você tem Ataulfo Alves, mineiro, você tem Geraldo Pereira, mineiro, você tem Lupicínio Rodrigues, gaúcho, quer dizer, então é uma manifestação que se espalha por todos os estados brasileiros, entende? Agora, que a contribuição foi realmente valiosa em parte, foi, isso aí vindo da Ciata, lá onde os saraus de samba aconteciam, minuetos na casa grande e batuque na senzala.
Luiz Pires:
Porque Nelson Sargento!
NELSON SARGENTO:
Eu fui militar, eu servi o Exército de 45 a 49, fui soldado, cabo e sargento. Saí na reserva não remunerada...(risos)
Marcello:
OK! Nelson. Muito obrigado, foi um prazer muito grande conhecê-lo pessoalmente, obrigado pelo teu depoimento, seja sempre muito bem-vindo a nossa cidade.
NELSON SARGENTO:
Olha, eu espero que tenha contribuído com alguma informação para o seu assunto.
Marcello:
Valeu, com certeza...!
NELSON SARGENTO:
Obrigado pela hospitalidade e por lembrar-se de mim com tanto amor e carinho.
Marcello:
Valeu!
"...quer ir embora, vá! Agora, não volta pra pedir pensão..."
Risos e muitos aplausos.
Além do livro "PENSAMENTOS", lançou também o CD "NELSON SARGENTO, VERSÁTIL", contendo composições suas com inúmeros parceiros, além da participação especial, dentre outros, de dona Ivone Lara, Wagner Tiso e Zeca Pagodinho.
Agradecemos também a valiosa colaboração do Silvio, da programação do SESC, a Evonete Belizário, esposa e produtora de Nelson Sargento, a Eni Cunha, fotógrafa, também produtora e esposa do nosso querido Arismar do Espírito Santo e ao "anjo da guarda" de Nelson Sargento, seu grande amigo e parceiro Agenor de Oliveira.