ENTREVISTA COM EGEU LAUS
Designer gráfico. Pesquisador de música popular brasileira e memória gráfica brasileira desde 1990. Em 1984, começou a trabalhar com design e música popular no Rio de Janeiro, tendo sido responsável por mais de 200 capas de discos para vários artistas, como Renato Russo, Legião Urbana, Paul McCartney, João Gilberto, Luiz Melodia e Pixinguinha, entre muitos outros. Pesquisador da história do design e da memória gráfica brasileira, além de detentor de grande acervo discográfico de música brasileira dos anos 1950, realizou exposições e escreveu artigos sobre capas de discos, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Produziu eventos com música instrumental brasileira. De 1986 a 1994, foi diretor de arte da Gravadora EMI Music. Localizou a gravação de "Bolsa de amores", composição de Chico Buarque interpretada por Mário Reis, que se encontrava perdida desde que foi apagada da fita master dos estúdios da Odeon. A música havia sido censurada no seu lançamento em 1972. Atuou como colaborador de MPB na "Enciclopédia da Musica Brasileira - Erudita, Folclórica e Popular" (Itaú Cultural/Art Editora - São Paulo). Foi um dos criadores e atuou como editor da revista "Roda de Choro", que circulou de 1995 a 1997. Editou a bibliografia "Panorama da produção editorial sobre música Popular no Brasil - bibliografia básica" por ocasião do VI Encontro de Pesquisadores de Música Popular Brasileira na UERJ, em 2001. Realizou exposições sobre sua pesquisa "História da capa de discos no Brasil" na Associação dos Designers Gráficos (SP), em 1999, e no Museu da Imagem e do Som (RJ), em 2001, durante o VI Encontro Nacional de Pesquisadores de Musica Popular Brasileira. Escreveu artigos sobre MPB e memória gráfica brasileira para várias publicações, como "Jornal do Brasil", revista "Veredas" (CCBB) e jornal da AMAR (Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes).
Assumiu, em 2003, o cargo de Diretor de Eventos do Instituto Jacob do Bandolim e em 2004 de coordenador geral da Rede Social da Musica.
Marcello:
Recentemente a Rede SESC/SENAC de TV reexibiu o documentário sobre as capas de discos no Brasil, do qual você participou ao lado do jornalista Roberto Moura. Fale algo a respeito desse material e do trabalho que você desenvolve há algum tempo.
EGEU:
Minha pesquisa sobre a Historia da Capa de Discos no Brasil começou no início da década de 1980 quando passei a trabalhar como designer de capas ainda como free-lancer numa pequena gravadora independente chamada "Lança Discos". E não parei mais. Para não abrir demais o assunto resolvi, pelo menos em seu início, tratar o tema com uma abordagem cronológica. Aprofundei as pesquisas na primeira década apos o surgimento do LP, pois antes disso não se tem capas de discos a não ser um grupo de menos de uma dezena de casos de álbuns de 78rpm com capas. Para ser mais preciso a Capa de Discos nesse grupo de 78rpm acontece em 1950 e as capas de LP começam em janeiro de 1951 quando sai o primeiro LP no Brasil pela gravadora Sinter. Tenho uma coleção de mais ou menos 300 discos desse período que são os discos de 10 polegadas ou 25 cm (um pouco menor que os Lps que tem 31cm) que continham 4 músicas de cada lado. Esse período se encerra em 1958 quando todos os discos passam a ser em 12 pol. Não esquecer no entanto que o pesado 78rpm ainda continuaria sendo fabricado até 1964!
Marcello:
Na sua opinião, o trabalho do César Vilella é um marco no design gráfico no Brasil, uma vez que ele foi o criador das famosas capas dos discos da Gravadora Elenco nos anos 60?
EGEU:
Sem dúvida. No entanto essa avaliação somente pode ser feita agora com certo distanciamento histórico. Os discos da Elenco circularam muito pouco. No entanto o seu trabalho foi criterioso e teve uma intenção, conforme comento no livro "O design brasileiro antes do design" organizado por Rafael Cardoso lançado pela Ed. Cosac Naify.
Marcello:
Você foi o responsável pelo design de mais de 200 capas de discos para vários artistas. Cite para nós alguns desses artistas e algumas dessas capas. Qual foi seu primeiro trabalho e o mais recente. Você, por acaso, chegou a trabalhar com o Elifas Andreato? Trata-se também de um grande mestre do design gráfico no Brasil, pois não?
EGEU:
Já perdi a conta do número de capas que fiz. Alguns nomes: Pixinguinha, Paul McCartney, João Gilberto, Luiz Melodia, Renato Russo, Legião Urbana, Zé Kety, Guilherme de Brito, Déo Rian, Trio Madeira Brasil, Dory Caymmi, Zé Ramalho da Paraíba, Joyce, a flautista japonesa Naomi Kumamoto, e também o projeto gráfico de algumas séries importantes como "Brasil instrumento" e a primeira "Dois em Um" da EMI-Odeon. Meus mais recentes trabalhos são as capas do CDs do percussionista, cantor e compositor Joca Perpignan e do pianista e compositor Mario Boffa Jr., ambos para a Lumiar Discos. Vim conhecer só recentemente o Elifas pois ele trabalhava em São Paulo enquanto eu no Rio. Nos encontramos no 6º Encontro de pesquisadores de MPB que aconteceu no Rio em 2001. Sem dúvida um grande mestre.
Marcello:
Ainda dentro desse assunto, comente a respeito da citação que o Rui Castro fez no livro "A onda que se ergueu no mar" a seu respeito, do seu trabalho e da "pirataria" que os gringos estão fazendo com as nossas capas de discos. Será que chegará o dia em que os brasileiros irão efetivamente dar valor a sua cultura, a sua arte, a sua música? Ou permaneceremos eternamente subservientes com o notório complexo de inferioridade ante o poderio econômico de nações mais desenvolvidas?
EGEU:
Ruy Castro é uma das pessoas que também gosta e pesquisa o período da música e dos discos de vinil no Brasil nos anos 50 e 60. Por conta disso trocamos impressões e informações e até já marcamos encontro em São Paulo nas lojas de vinil procurando raridades. A utilização de capas brasileiras com design modificados parece ter sido uma pratica das grandes gravadoras na medida em que os contrato com os designers eram "leoninos" e permitiam tudo. Nos últimos anos está crescendo a consciência da importância do Direito Autoral e da Propriedade Intelectual também para o trabalho dos designers. Por outro lado não sou saudosista, acho que estamos bem melhor do que já estivemos. O surgimento do CD (que pelo jeito vai acabar) democratizou sobremaneira a produção cultural brasileira. Existe uma multidão incomensurável de obras na criação e produção cultural no Brasil atualmente. O surgimento da Internet vai modificar radicalmente a mídia em todo o Mundo e principalmente nos países mais periféricos. Acredito firmemente que já estamos dando muito valor a nossa cultura. Quem ainda não percebeu isso foi a grande mídia. mas creia, não precisaremos dela por muito tempo... E não somos tão pobrezinhos assim. Somos a décima economia do mundo num horizonte de 170 países filiados a ONU. O que falta, isto sim, é distribuição de renda.
Marcello:
Como foi pra você a experiência como diretor da Revista Roda de Choro, ao lado do Rodrigo Ferrari nos anos 90. Valeu? Vocês conseguiram atingir o objetivo? Vocês têm planos para que a revista volte a circular? Seria um grande presente para todos, principalmente para os chorões, você não acha?
EGEU:
Fazer a revista Roda de Choro foi uma grande alegria. O que não percebemos é que ela era maior do que nós. Fizemos como se fosse um fanzine para os amigos. Quando vimos ela tinha 700 assinantes e a grande maioria em outros estados. O objetivo foi atingido sim pois acredito que colaboramos para o renascimento (mais uma vez!) do Choro para a grande mídia naquele momento. Não há planos para o seu relançamento mas a idéia nunca saiu das nossas cabeças...
Marcello:
Conte para nós como você localizou a gravação da composição "BOLSA DE AMORES" do Chico Buarque e gravada pelo Mário Reis. Em que ano foi isso. Ela de fato foi dada como perdida? Essa descoberta você fez quando ainda era diretor da EMI-Music? A composição é só do Chico? Ele tem parceiro?
EGEU:
Bolsa de Amores realmente estava perdida para a gravadora. A historia começou assim: como sempre me interessei pelos arquivos musicais da Odeon (atual EMI Music) onde eu trabalhava como diretor de arte, vivia remexendo nas fichas de gravações dos discos antigos. Fui fazer a capa do LP de Mario Reis e resolvi pesquisar o material que havia sobre ele na gravadora. Encontrei a ficha de gravação de seu último LP (em 1971) onde aparecia, na lista de músicas do repertório, uma composição de Chico Buarque desconhecida para mim. De posse da ficha com seu respectivo número (que ficava no depto. de Direitos e contratos) fui procurar no arquivo sonoro a fita original para ouvir. Qual não foi nossa surpresa (minha e do responsável pela área): não havia essa musica no rolo da fita! Depois de muito perguntar para deslindar o mistério descobrimos que a música (Bolsa de Amores) havia sido censurada e portanto o mais provável é que ela tenha sido apagada por não fazer parte da lista definitiva de músicas a ser incluída no LP. A pergunta que faço é a seguinte: quantas músicas não devem ter tido o mesmo destino (por um motivo ou por outro)?? O segundo passo foi tentar encontrar amigos de Mario Reis que porventura soubessem da história. Tivemos muita sorte: localizamos um amigo de Mario Reis que não só tinha estado presente nas gravações do disco como tinha uma cópia em fita do material completo que ganhou de Mario! Pedimos a fita emprestada (em ótimo estado) e a Odeon pôde lançar na série "Dois em Um" os dois últimos Lps de Mario com uma música inédita: Bolsa de Amores, composição de Chico Buarque feita especialmente para Mário, de brincadeira, pois Mario gostava muito de jogar na Bolsa.
Marcello:
Egeu, você também colaborou na elaboração da Enciclopédia da Música Popular Brasileira (Erudita, Folclórica e Popular) ART-Editora - Publifolha, uma obra, sem dúvida, magnífica. Deve ter sido uma experiência e tanto, não?
EGEU:
A obra é fundamental, mas como toda Enciclopédia, tem que ser atualizada constantemente. Agora com a internet isto se tornou muito mais fácil. Mas foi um trabalho pioneiro. Colaborei com verbetes de nomes do choro e samba pouco conhecidos do Rio de Janeiro e até mesmo um nome do samba radicado em São Paulo: Almir Guinéto.
Marcello:
Como você vê os movimentos de choro espalhados pelo Brasil. Fale algo a respeito sobre as escolas de choro. E os gringos. Você acha que eles assimilaram bem a malícia e o jeito todo especial de se tocar choro?
EGEU:
O Choro no Brasil tem vários movimentos, alguns organizados outros não. Alguns precisam de uma certa organização, outros não. O importante é que a produção musical continua forte, muito mais do que em anos anteriores (por conta também do que falei da facilidade de produção que o CD permite). Com a abertura para o exterior, principalmente via Internet, o contato com músicos de fora do país, a chegada de uma garotada boa com novas idéias, acho que pode acontecer com o Choro o que aconteceu com o Jazz no mundo: o Choro sair do gueto onde ficou acomodado e se abrir para trocas e diálogos com todos os gêneros. Mas isso tem um preço que também foi pago pelo Jazz: surgiram as mais variadas correntes, algumas honestas e outras nem tanto. Teve de tudo, jazz-rock, funk-jazz, bossa- jazz, jazz com clássico, jazz com eletronic, e o diabo a quatro. Me parece, as vezes, que o Choro tem medo dos resultados dessa mistura. Infelizmente é o preço a se pagar se se quiser ampliar o seu alcance. Acredito que, ao final, o que tiver qualidade vai permanecer. Sem medo de ser feliz!
Marcello:
Fale para nós a respeito da sua famosa coleção de rótulos de cachaça e cite nomes de alguns famosos colecionadores. A partir de quando você se interessou pelo assunto. Você é considerado o maior colecionador do Brasil na atualidade? Qual o rótulo mais raro que você possui, qual a melhor cachaça e a mais cara? É verdade que as cachaças produzidas no sul de Minas Gerais são as melhores ou isso é folclore?
EGEU:
Ao lado das minha coleção de vinil 10 polegadas comecei há uns 5 anos uma pesquisa sobre rótulos de cachaça dentro de um projeto chamado "Memória Gráfica Brasileira". Pesquisei bastante o assunto nos últimos anos e já tenho um acervo de mais de 200 rótulos em papel e cerca de 2.000 em formato digital. Pretendo transformar num livro mais adiante, aliás como também sobre as capas de discos. Não sou um expert no "líquido" mas os amigos apontam a região de Salinas como a melhor produtora de cachaça no Brasil atualmente. isso não impede que haja muitas marcas boas em todas as regiões do Brasil. Meus rótulos mais raros são da década de 50. Existem muitos colecionadores de rótulos e também de cachaças. Eu sou um dos "menores." Meu foco, como designer que sou, é principalmente a parte visual e gráfica.
Marcello:
Egeu, queremos que você faça uma avaliação sobre o trabalho desenvolvido por nós no Clube do Choro de Santos, afinal você já foi declarado amigo e colaborador, além de padrinho do site. A despeito disso, queremos sua opinião sincera.
EGEU:
O Clube do Choro de Santos tem um valor inestimável para a divulgação do gênero na Baixada. Seu trabalho é fundamental e merece todo o nosso apoio. Estou torcendo para que o clube possa construir a sua escola, mesmo que pequena, para difundir o gênero para a garotada nova. Tenho certeza de que os músicos de Choro de todo o Brasil irão apoiar a idéia. Felicidades para todos e um abraço especial para você, Marcello.